A leitura, outra revolução, de María Teresa Andruetto, mostra que ninguém termina a última página de um grande livro sendo a mesma pessoa que o começou
Por Simone Oliveira*
Lançado originalmente no México em 2014, A leitura, outra revolução é um presente da premiada autora María Teresa Andruetto aos leitores brasileiros. A compilação de conferências, palestras e textos lançada pelas Edições Sesc São Paulo é um registro apaixonado sobre o ato de ler. A obra apresenta a visão da autora sobre os diversos meandros que circundam a leitura e a escrita como atividades humanas que nos permitem ser outros em outros tempos, o que nos leva à tolerância, à compaixão, ao afeto e à condição de pessoas melhores e, consequentemente, mais felizes.
Em meio a uma contemporaneidade permeada por contextos de exclusão, segregação e preconceito, o livro de Andruetto surge como um agradável respiro, um possível guia no deserto de publicações que lidam com a leitura além da teoria da recepção, tratando-a como essencial à construção de uma realidade mais humana, criativa, plural e justa.
Ler é deslocar-se a outros mundos e existências, porém, não se trata de uma tarefa fácil. Demanda perseverança, doação e desapego. É preciso sair de si e deixar-se levar sem expectativas, acatando as dificuldades, os arroubos e as decepções, embrenhando-se na floresta imprevisível da linguagem com afinco. E tal processo é transformador: ninguém termina a última página de um grande livro sendo a mesma pessoa que o começou.
O conjunto de ensaios de A leitura, outra revolução nos transporta para o início da vida leitora da autora argentina, passando por suas concepções sobre o ofício do escritor, a importância da língua materna, o papel fundamental da escola, dos professores e dos mediadores no fomento à leitura e sobre como é imprescindível o embate com livros difíceis, daqueles que incitam em nós a fruição e o fascínio da boa literatura.
Filha de imigrantes europeus, Andruetto intercala as memórias afetivas de seu encontro com os primeiros livros com reflexões sobre o privilégio de ter acesso à arte literária; acentua o papel essencial do professor e do mediador como pontes necessárias ao gosto de crianças e jovens pelo ato de ler; discorre, como escritora, sobre a relevância dos gêneros poesia e conto; além de declarar com veemência como a leitura de bons livros precisa mais do que nunca ser um direito de todos.
Para María Teresa Andruetto, ler vai contra o status quo ao nos mover de nós mesmos e gerar dúvidas, perturbações, reflexão. O embate com a linguagem de um clássico literário pode nos exaurir, mas nos leva à catarse de um pensamento mais livre. O simples ato de ler presume a audácia do desacato à realidade empírica que nos circunda, e isso já é, por si só, nossa própria revolução.
*Simone Oliveira é graduada em Letras pela FFLCH-USP, cursa Editoração na ECA-USP e é assistente editorial das Edições Sesc São Paulo.