Sesc SP

postado em 06/08/2013

O contraluz de Marcus Siqueira

728 Foto Marcus Siqueira com artev2


No dia 21 de agosto o Selo Sesc lançou o CD Contraluz, com composições camerísticas contemporâneas de Marcus Siqueira. Na entrevista abaixo, o compositor fala sobre o histórico do projeto, além de listar suas variadas influências musicais.

Por qual gênero musical você começou seu contato com música em geral?
Marcus Siqueira: Meu primeiro contato com a música foi através de minha mãe em casa. Minha mãe é professora de piano erudito e por esta razão sempre convivi em um ambiente musical repleto de alunos, saraus, apresentações de música clássica no interior de Minas Gerais. Outro detalhe interessante era que minha mãe tocava músicas como boleros, valsas e canções antigas populares para meu pai. Com isto, sempre me senti convivendo com a música de uma forma natural.

Quando eu vi um violão pela primeira vez, fiquei tão encantado que logo depois meus pais me colocaram em uma aula de cavaquinho, afinal, eu era tão pequeno que nem conseguia segurar um violão. Aos nove anos, entre aulas de piano e cavaquinhos, vi pela primeira vez uma guitarra elétrica. A partir daí, fui estudar violão popular e, naturalmente, me aproximei do Rock Progressivo, Heavy Metal e outros gêneros derivados.

Aos poucos fui vendo que a formação da música erudita que minha mãe lecionava era mais sólida e por esta razão resolvi estudar violão erudito pensando que isto me tornaria um guitarrista melhor.

Nunca fui uma pessoa que se fixa em apenas uma coisa, em se tratando de música. Aos poucos fui conhecendo outras vertentes da música erudita e do rock. Depois que eu conheci o Jazz Fusion, e música instrumental brasileira, me deparei com uma qualidade de performance musical muito alta. Ao mesmo tempo, fui conhecendo outras bandas derivadas do rock que também possuíam um labor particularizado como foi o caso de uma banda sueca chamada “Messhuggah”. Essas músicas ainda fazem parte do meu repertório hoje em dia.

É possível aplica-lo às composições em outros estilos musicais?
MS: Aplicar num sentido literal eu não sei, mas tem muito do afeto e das métricas mais complexas que podem sim ser redimensionadas ou até mesmo reordenadas em um novo contexto musical. O que eu sempre gostei da música popular em geral é sua espontaneidade. Os músicos advindos do jazz, possuem uma soltura com o tempo interno muito rica; não que na música erudita isto não ocorra, mas é fato que quando você está diante de um grande músico popular, você começa a ouvir e perceber um mundo métrico e melódico incrível. Não podemos deixar de mencionar também músicas advindas do folclore musical universal que também são repletas de sistemas musicais incríveis e úteis para estabelecer novos paradigmas sobre o pensamento musical erudito ocidental.

Dentro dos gêneros musicais citados, quais são suas bandas preferidas?
MS: Eu gosto de ouvir (dentro do gêneros citados) bandas como Messhuggah, Pink Floyd, Focus, Allan Holdsworth, Bill Frisell, Zappa, primeiro disco do Steve Vai, Sigur Rós, Thelonious Monk, Coltrane, Miles Davis, Chick Corea, Herbie Hancock, John McLaughlin, Stevie Ray Vaughan, enfim… muita coisa para citar.

Como surgiu o interesse pela música erudita contemporânea?
MS: Surgiu em uma mostra de música contemporânea ocorrida em Belo Horizonte no ano de 1989. Nesta época eu saí de Caratinga (cidade natal), com a ajuda de meus pais, para estudar música seriamente na capital. Lá eu conheci o grande pedagogo e compositor Teodomiro Goular: peça chave para meu encantamento com a música contemporânea. O Teodomiro era professor de violão em uma grande escola de música que ainda existe e seu ensino musical é excelente - estou falando da Fundação de Educação Artística – e nesta escola, ouvi pela primeira vez a obra “Le Marteau sans Maître” de Pierre Boulez; eu tinha quinze anos. Em menos de uma semana eu já tinha a partitura em mãos e comecei, intuitivamente, a tocar a parte do violão com o disco. Foi a coisa mais incrível para mim. Ver aquela partitura linda em grafismos e aquela sonoridade repleta de sons indecifráveis. A partir de então, meu interesse por este repertório foi se ampliando vertiginosamente e aos poucos me dei conta de que a música erudita era fruto de um território histórico e social incrível.

Como surgiu a ideia do projeto?
MS: Surgiu da necessidade de presentear minha esposa, Simona Cavuoto. Imaginei inicialmente 11 Trios tendo o violino como eixo central. Em conversa com ela, chegamos em formações incríveis, como por exemplo, colocar uma bateria com sonoridade de jazz ao lado de um cravo e um violino. Depois, em reuniões com o Sesc, decidimos ampliar o projeto deste CD para uma espécie de painel camerístico do meu trabalho. Aos poucos fui pensando no disco, ao lado do meu amigo e produtor do CD, Thiago Cury – que é um músico refinado e me conhece como poucos – de uma forma mais ampla. Por esta razão que decidimos pensar o CD sob a ótica do ouvinte e da minha trajetória musical. Sempre convivi com o lírico na arte de uma forma mais subjetiva. Desta forma, não consigo me desvencilhar da ideia de que possuímos vários matizes sobre o lírico e, portanto, discutir isto pontualmente seria muito desgastante porque nesta seara, fatalmente encontraríamos amplas divergências advindas de grandes mentes ativas e personalidades inquestionáveis. Desta forma, resolvi apresentar o lírico em várias faces. Uma delas está no duo para violino e piano (“Bouquet”) que traduz meu lado íntimo com a música: aquela música que não deveria sair de casa, por ser muito pessoal. Outra peça que assim poderia ser traduzida é a última música do disco que fiz para minha filha Yara. Não dá para julgá-la esteticamente porque trata-se de uma música feita de pai para uma filha de dois anos. Já os 7 trios presentes no disco, o quinteto de sopros (Egrégoras),meu primeiro trabalho com eletrônica em tempo real (“Progionieri nelle Carveri di Piranesi”) e “Signo Sopro III” realmente apresentam minha visão, digamos, mais concreta dentro da música erudita contemporânea. Desta forma, o projeto surgiu da necessidade em apresentar àqueles interessados uma real fatia do meu pensamento musical; seja ele do fórum íntimo ou não. Não poderia deixar de citar meu agradecimento especial ao Matias José Ribeiro, sem o qual, talvez, meu trabalho poderia não ter chegado da forma tão natural como ocorreu aos responsáveis pelo Selo SESC.

Fale um pouco sobre a importância da produção contemporânea brasileira.
MS: Para mim, produção contemporânea brasileira ocorre não somente na música de concerto, mas também na música popular. Nomes como Willy Corrêa de Oliveira, Alex Buck, Flo Menezes, Hermeto Pascoal, Silvio Ferraz, Elomar, Guilherme Bauer, Felipe Lara, Maurício De Bonis, Andre Marques, Thiago Cury, Rodrigo Lima, Olivier Toni, Harry Crowl, Rafael Nassif, Rodolfo Valente, Bruno Ruviaro, Mylson Juazeiro, somente para citar alguns nomes, fazem parte do grande leque de compositores brasileiros contemporâneos que julgo serem imprescindíveis para qualquer amante da boa música brasileira. Iniciativas como esta que o Sesc me possibilita deveria ser ampliada para todos os compositores contemporâneos brasileiros. O Selo Sesc justamente compreende que existe um amplo painel de compositores brasileiros voltados para diferentes áreas musicais como música instrumental brasileira e a música erudita brasileira contemporânea.

Signo sopro III é um concerto de câmara. Você compôs também para o CD Ligeti+, que será lançado em setembro, e a obra do Ligeti é também para a formação de câmara. É possível fazer um paralelo entre estas composições e seus processos de criação?
MS: Não. Estas obras possuem estratégias bem distintas. Para o CD Ligeti + fiz um painel contemplativo sobre as obras de Conlon Nancarrow e Ligeti. Suas obras, a priori, me serviram de material base para a composição. Naturalmente eu reordenei alturas, ritmos, gestos, métricas sobrepostas de ambos e muitos outros materiais que tive que criar para “amarrar” e “conectar” todas as obras selecionadas. Por ser um disco que homenageia o compositor Ligeti, achei correto colocar ao seu lado esta figura musical ímpar que foi Nancarrow, afinal, o próprio Ligeti assumidamente sempre trabalhou sobre materiais e conceitos criados por Nancarrow.

Já na obra “Signo Sopro III” meu material de trabalho versou sobre a obra do escultor Alberto Giacometti e algumas memórias de intensas realidades que vivi naquele ano. Vi um grande amigo sofrer a perda de seu filho de apenas 9 meses e isso me abalou muito. Nesta obra, os materiais musicais nascem de outras reflexões musicais que fiz sobre o escultor em obras para cello e orquestra e piano solo. Trata-se de uma reflexão sobre a morte. Creio que Giacometti também possui este paralelo com o tema proposto.

Falar sobre os convidados para este concerto do dia 21/08.
MS: Para esta especial data, contarei com os grandes músicos Marcos Kiehl, Sérgio Burgani, Peter Pas, Pedro Gadelha, Felipe Scagliusi, Adenilson Telles, Maurício De Bonis, Ricardo Bologna, Marcus Alessi Bittencourt e Simona Cavuoto. Todos eles participaram do CD. O interessante, por exemplo, é que Maurício De Bonis tocará uma obra para piano solo dedicada a ele, mas no disco ele gravou a parte de Cravo do Trio VII. Felipe Scagliusi que gravou a parte de piano de Signo Sopro III tocará as partes de piano do Duo (Bouquet) e da peça para piano e eletrônica em tempo real. Marcos Kiehl gravou o Trio III e neste lançamento tocará também “Prigionieri nelle Carceri di Piranesi”. Para mim isto é incrível, poder vivenciar a mesa música com outros músicos, suas visões e contribuições. Me sinto honrado em tê-los ao meu lado neste momento.

Falar sobre a expectativa para o lançamento.
MS: Estou extremamente feliz e naturalmente um pouco ansioso. Mas por outro lado, estou tranquilo pela certeza do trabalho realizado; honesto, sincero e verdadeiro. Todas as obras foram escritas e revisadas com muito afinco e carinho. As colaborações dos músicos foram fundamentais para meu amadurecimento musical como um todo. Sou muito grato a todos eles e bem sei que este lançamento ficará registrado para sempre, como bem disse João Cabral de Melo Neto, “no lado ímpar da memória”.

O concerto de lançamento do CD Contraluz foi no Sesc Consolação.

Conheça mais sobre outros projetos do Selo Sesc.

Making of CD Contraluz | Marcus Siqueira

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