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Jazz na Fábrica/Sesc Jazz postado em 28/09/2015

Jazz na Fábrica! Roscoe Mitchell e Anthony Braxton no Selo!

jazz na fabrica

Selo Sesc inaugura série "Ao Vivo Jazz na Fábrica" com discos de dois gigantes do gênero: Anthony Braxton e Roscoe Mitchell!
 

No seu "Escuta Só - do Clássico ao Pop" (Companhia das Letras, 2010), o crítico Alex Ross faz uma digressão interessante ao pedir que imaginemos a música como um mapa e os gêneros musicais enquanto continentes: a música clássica como a Europa, o jazz como a América, o rock como a Ásia, etc. Entre os gêneros, diz ele, estão os "oceanos frios do gosto" que, usualmente, são cruéis com quem tenta atravessá-los. Os artistas que conseguem fazer a travessia, o fazem, por vezes, num registro inócuo que desperta mais publicidade do que pavimenta novos caminhos.
 

No entanto, há uma outra rota entre gêneros: a vanguarda. Para Ross, os praticantes do free jazz, do rock underground e da música de vanguarda clássica estão mais próximos uns dos outros do que de seus colegas menos radicais. O desejo de transpor o estabelecido uniria esses grupos à frente da melodia, da forma musical tradicional, explodindo, na falta de palavra melhor, em "ruído". O autor utiliza o termo em questão para descrever aquilo que o ouvido humano não entende e que, necessariamente, não precisa ser negativo. "Existe prazer a auferir no tipo de densidade harmônica que explode em ruído. O prazer vem do controle do caos, no movimento de ir e vir através da fronteira do que é compreensível".

 

 

As palavras de Ross servem como baliza para aqueles que insistem em se aventurar dentro de seus gêneros prediletos e encontram jornada em terra devastada. Correr por caminhos radicalmente novos pode aproximar diferentes continentes musicais, expandindo percepções esculpidas pelo tempo e pela escuta passiva.
 

"Ao Vivo Jazz na Fábrica – Sustain and Run – Roscoe Mitchell", gravado na terceira edição do festival, em 2013, e "Ao Vivo Jazz na Fábrica – Anthony Braxton Quartet”, gravado em 2014, abrem a série "Ao Vivo Jazz na Fábrica" do Selo Sesc, registrando concertos que ocorrem no festival do Sesc Pompeia. São discos que atestam o compromisso do Selo em ampliar a possibilidade de contato com uma vasta gama de manifestações estéticas, elemento fundamental para o desenvolvimento de uma melhor apreciação artística.
 

Para validar nosso discurso, recorremos a Ross mais uma vez:
 

"Roscoe Mitchell e Anthony Braxton são dois outros jazzistas que esbateram a linha divisória entre improvisação e composição formal. Eles replicaram, até um grau desorientador, o mundo sonoro fragmentado do serialismo, devido à relativa espontaneidade da abordagem, a atonalidade jazzística soa mais sensual ao ouvido. Evidentemente não era isso que Schoenberg tinha em mente quando criou o sistema dodecafônico. Ele disse que esse sistema asseguraria a supremacia da música alemã por mais cem anos; não imaginava que fosse gerar acordes bacanas para o jazz"
 

Tanto Roscoe quanto Braxton sempre estiveram às voltas com um novo tipo de abordagem da música. O improviso, para ambos, assume nuances de composição, onde compor "não é distribuir sons em uma determinada ordem, mas propor interações, deslocamentos e relações. Mais do que uma forma de ordenar, a composição é uma proposição", como bem aponta Tiago Mesquita, no texto do encarte do disco de Braxton. 

 



A forma como os dois compositores encaram a música os levou para perto de Muhal Richard Abrams que, em maio de 1965, vaticinou "Antes de mais nada, número 1: há a música original, apenas" ao fundar a AACM - Associação para o Desenvolvimento de Músicos Criativos, em tradução livre - em Chicago (terra natal de Braxton e Mitchell). Depois disso, já são 50 anos recebendo músicos que procuram abordagens originais, radicais, diferentes daquilo consagrado comercial e formalmente. Se você procura outras formas de encarar a música, vá atrás da AACM e dos artistas envolvidos com a instituição.
 

Partitura "366d" de Anthony Braxton


O que temos em mãos, além do registro das apresentações dos shows realizados e de um belíssimo projeto gráfico, é a possibilidade de encarar a música de uma forma diferente daquela usual "trilha sonora diária". Está em jogo a música como enfrentamento, como embate de ideias, empurrando, não só o gênero adiante, mas também a maneira como os sons se relacionam, num encadeamento de conceitos que viram do avesso quando há tentativa de permanecer impávido, intransponível ao que Braxton e Mitchell propõem - tente e sinta se é possível. Trata-se da música como forma de arte em vez de forma musical. 

 

Você pode adquirir seus exemplares da série Ao Vivo Jazz Na Fábrica do Selo Sesc na Livraria Virtual e nas Lojas Sesc presentes em qualquer unidade do Sesc SP, a partir de outubro. Vale a pena, pois, parafraseando John Cage - compositor cujo comichão por experimentar coisas novas na composição encontra paralelo em Mitchell e Braxton -, "a arte é uma espécie de estação experimental em que a gente ensaia viver".

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