Sesc SP

postado em 22/10/2015

Música, a arte do instante

capa arte do instante

Dimos Goudaroulis e Eduardo Contrera encarnam o duo "A Arte do Instante" para apresentar música de câmara improvisada no mais novo lançamento do Selo Sesc, o disco "Diálogos Interiores" - para adquirir o seu, clique aqui. Ao final da matéria, é possível  ouvir trechos do álbum. Trata-se de música para além de harmonia, ritmo e melodia. Aqui , falamos de composição instantânea.

 

 

"Deus como eram chatos.

Como quase todo mundo. Não tinha nada novo, não tinha mais nada novo.

Morto, chato. Como no cinema"

- Nick Belane em "Pulp" de C. Bukowski

 

Sabe quando você não consegue mais se conectar com as coisas que te apresentam? Tudo parece um pouco transparente, com pouca vida, um xerox daquilo que foi original? Para escrever este texto, tivemos que pensar como não fazê-lo parecer um decalque pois, como se verá, a obra da qual ele fala pede isso. Para tanto, talvez seja honesto seguir fiel ao fluxo de pensamento e esquecer das nossas qualidades, do lugar que precisamos chegar para encher a página, deixando as coisas aparecerem a medida que se transformam enquanto assentamos as letras na tela. Mais ou menos como isso aqui:


"Ponha-se no estado mais passivo, ou receptivo, dos talentos de todos os outros. Pense que a literatura é um dos mais tristes caminhos que levam a tudo. Escreva depressa, sem assunto preconcebido, bastante depressa para não reprimir, e para fugir à tentação de se reler. A primeira frase vem por si, tanto é verdade que a cada segundo há uma frase estranha ao nosso pensamento consciente pedindo para ser exteriorizada. É bastante difícil decidir sobre a frase seguinte: ela participa, sem dúvida, a um só tempo, de nossa atividade consciente e da outra, admitindo-se que o fato de haver escrito a primeira supõe um mínimo de percepção."


Essa citação vem do livro "Movimentos Artísticos pós '45" de Edward Lucie-Smith e foi retirada do Manifesto Surrealista, escrito por André Breton - mais precisamente do excerto "Composição surrealista escrita, ou o primeiro e último jato". O livro de Lucie-Smith dá uma boa dimensão sobre as possibilidades da arte fruir por entre diferentes linguagens - procure no texto sobre os discos do Ao Vivo Jazz na Fábrica: há uma citação sobre como a pintura de Pollock influenciou o free jazz, por exemplo. Agora, se a arte frui por diferentes linguagens, seus problemas fundamentais também acompanham este fluxo. Uma vez que os limites todos foram esgarçados, borrados, tornando-se antiquados, para onde ir?
 

 

 

A música de Dimos Goudaroulis e Eduardo Contrera, o duo "A Arte do Instante", pode dialogar com este problema - não a toa as obras do expressionista abstrato Mark Rothko ilustram o projeto gráfico do disco "Diálogos Interiores". Músicos de trajetórias distintas, Eduardo e Dimos propõem um modo diferente de fazer música: neste disco, estamos falando de música de câmara improvisada. É, de certa forma, o resgate da autonomia do músico em relação ao compositor. Enquanto ouvimos o álbum, fica claro que as ideias surgem daquele encontro único entre os intérpretes, e são desenvolvidas a medida que os músicos avançam no tempo.


Antes disso acontecer, no entanto, vale apontar sobre os caminhos de ambos. Goudaroulis é grego, violoncelista formado em conservatório e passou os anos de formação na França, tocando jazz com lendas do gênero, além de experimentar a música e a contação de histórias antes de aportar no Brasil, construir uma trajetória que vai de fazer música com Egberto Gismonti e Hermeto Paschoal até se tornar intérprete da Camerata Aberta, e aí mergulhar de volta à música barroca, à música de Johann Sebastian Bach.


Eduardo Contrera é brasileiro, percussionista, e não encontrava na tradição do conservatório aquilo que procurava na música e no jazz - aprendeu música como um Ogan, na tradição do candomblé. Tocou com uma gama de músicos que vão de Osvaldinho do Acordeom a Sá e Guarabira, passando por pelos jazzistas Toots Thielemans e Phillip Catherine. Aproximou-se de grupos de dança e teatro - Balé da Cidade de São Paulo, Stagium, Susan Rose (Boston-EUA), Antonio Fagundes e CIA Estável de Repertório, Ponkan, Klaus Vianna, Parlapatões e Pia Fraus. Integrou o trio "Setó" e, com os percussionistas Paraná e Guello, formou o "Alaiandê", trio que desenvolveu uma linguagem contemporânea a partir dos ritmos afro-brasileiros.

 

 

Nas palavras dos próprios músicos, uma definição sobre o cruzamento desses caminhos:


Nosso encontro ocorreu num momento de maturidade de nossas trajetórias musicais, entre as quais descobrimos grande afinidade — temos os dois vivência e uma ligação muito forte com o jazz e a improvisação, mas também com a música erudita e contemporânea e com várias músicas do mundo; esse trabalho é para nós como que uma síntese única dos vários ‘mundos’ que nossa prática musical abrange. Assim, em memórias, fragmentos e reminiscências transformadas em discurso pessoal, toda a música que vivemos faz-se presente nessa que chamamos de a Arte do Instante.


Além desta fala, você encontra, no encarte do disco, ali em cima, texto de João Marcos Coelho sobre o que é o CD, os instrumentos usados em cada improviso - é impressionante os sons que podem sair do violoncelo de Dimos (acredite, todo ele é usado para fazer música). Também é a primeira vez que escutamos uma cuíca ser utilizada deslocada da tradição que fora confinada (de novo, acredite, faz todo sentido).


Ao final, é possível dizer que se a "composição surrealista..." de Breton nos ajudou a perseguir um fluxo de ideias, instigados pela música d'Arte do Instante, esta, no entanto, parte de outro lugar: um silêncio interior que se transforma em impressão digital do pensamento fluido do duo, numa espécie de composição instântanea, como bem cunhou Coelho. E mais: músicos com a trajetória de ambos, que já viram e experimentaram uma vasta gama de possibilidades - na vida e na música -, apontam, apaixonadamente, para o novo - e sua música, de forma alguma, é morta, chata, como quando não há nada novo. Nick Belane teria gostado. Charles Bukowski também.

1. Improviso 1

2. Improviso 2

3. Improviso 3

4. Improviso 4

5. Improviso 5

6 .Improviso 6

7. Improviso 7

8. Improviso 8

9. Improviso 9

10. Improviso 10

11. Improviso 11

12. Improviso 12

13. Improviso 13

14. Improviso 14

15. Improviso 15

16. Improviso 16

17. Improviso 17

18. Improviso 18

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