Sesc SP

postado em 23/02/2016

Rei Vadio - Nelson Cavaquinho por Romulo Fróes

capa materia rei vadio

Romulo Fróes acerta as contas com a música de Nelson Cavaquinho neste Rei Vadio, munido de toda influência do sambista em sua trajetória, bem como de uma esquadra composta por nomes como Thiago França, Kiko Dinucci, Rodrigo Campos, Pimpa, Ná Ozzetti, Criolo e outros grandes valores. Ouça o disco na íntegra, abaixo!

 

 

Para ilustrar o tamanho de Nelson Cavaquinho, nos valemos de dois "apêndices". O primeiro, o documentário de Leon Hirzsman, logo abaixo. O segundo, o ensaio "Rugas", do artista visual, ensaísta e parceiro de Romulo Fróes, Nuno Ramos, presente no encarte deste disco, no qual a canção nacional é destrinchada enquanto forma de arte que "alcançou, desde as origens, um significado social que nenhuma outra forma de arte teve entre nós". Ramos faz um apanhado da evolução da forma e o que lhe era externo, porém de influência cabal, chegando às diferenças entre os primórdios do samba gravado, a era do rádio (30-50) e, posteriormente, à TV e o estabelecimento da indústria fonográfica (50-70).
 

 

O (re)surgimento de Cartola e Nelson Cavaquinho em um momento de esforço para se apagar um Brasil arcaico, rural, postando o país próximo de uma imagem de modernidade, de produto de ponta, já é digno de nota e estudo. Ambos "representam em estado puro, o amadorismo que morria - afinal, quase morreram, mesmo -, com sua quota de solidão e esquecimento, tornado forma e canção, em plena era nascente do profissionalismo e da indústria cultural televisiva". Voltar a Nelson Cavaquinho é ter contato com um substrato mais profundo, talvez com a verdade toda entorno da promessa de país do futuro (veja o ensaio "Rugas" na íntegra no encarte do disco que está aqui embaixo - vale muito a pena a leitura).
 

 

 


De certa forma, a gravação deste mergulho na obra de Cavaquinho se faz necessário por motivos similares aos que consagraram a diferença sublimada de Cartola, Nelson e, posteriormente, Paulinho da Viola ao que se fazia nos '60. Romulo Fróes e o núcleo de músicos paulistanos com quem trabalha e colabora há muito tempo, põem na bolacha uma outra interpretação do samba. Fruto da busca por uma abordagem mais percussiva dos instrumentos melódicos, do gesto harmônico baseado no acento rítmico ao invés das convenções da forma consagrada - e um tanto "exausta"- daquilo que se chama samba nos catálogos e nas prateleiras (físicas e digitais) onde se consome música.
 

O som que está neste disco deriva de outros lugares, como o Tom Zé de Estudando o Samba, Walter Franco em Bumbo do Mundo, Gilberto Gil de Essa é pra Tocar no Rádio, de Arrigo Barnabé e sua Clara Crocodilo, do Metá Metá e das investigações de cada um desses músicos em tocar seu instrumento a partir de outro lugar, um lugar que não atenda prontamente padrões de refinamento, uma vez que o cânone está aí para ser posto de cabeça para baixo mesmo. É um disco polifônico, sujo e barulhento, como a cidade que o abriga.


Romulo foi cuidadoso ao escolher como desconstruir e quem iria acompanhá-lo nesta empreitada - além do núcleo Passo Torto: Dona Inah, o Nelson Cavaquinho de Saias, dá o tom em "Eu e as Flores"; Ná Ozzetti na provocação "Caminhando", um choro originalmente instrumental de Nelson com letra de Nuno Ramos; A Velha Guarda da Nenê de Vila Matilde fazendo o coro em "Vou Partir" - entenda a função do coro na música de Nelson no ensaio presente no encarte; Curumin, Juliana Perdigão, Amilcar Rodrigues, Allan Abbadia e Cuca Ferreira em "Mulher Sem Alma", das mais caóticas e interessantes do disco; Criolo em "Luz Negra" - de arrepiar.
 

 

Produtos relacionados