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postado em 28/11/2016

Ao Vivo Jazz na Fábrica - Grupo Um - A vanguarda do jazz brasileiro

destaque grupo um

O mais novo disco da série Ao Vivo Jazz na Fábrica, "Grupo Um - Uma Lenda Ao Vivo", tem lançamento marcado para o dia 18 de dezembro, no teatro do Sesc Belenzinho - para adquirir seus ingressos, clique aqui. Enquanto a data não chega, você pode curtir o disco logo abaixo, enquanto lê as palavras do crítico Alexandre Agabiti sobre o disco. Boa viagem!

 

 


Nos tempos que correm – marcados pela regressão cultural, pelo cinismo descarado, pela colonização do desejo, em que os adjetivos tomaram o lugar dos substantivos –, a simples existência deste disco é uma proeza. Gravado no dia 20 de agosto de 2015 no Teatro do Sesc Pompeia, diante de uma plateia atenta e afetuosa, é o registro da noite memorável que marcou a volta do Grupo Um aos palcos depois de um hiato de 30 anos. Seu lançamento – pouco mais de um ano depois daquela noite – assinala outro fato marcante: os 40 anos da fundação do Grupo Um, provavelmente a mais radical afirmação da liberdade e da originalidade musical entre nós.

 

Lelo Nazario e Zé Eduardo Nazario – os irmãos fundadores – e todos os músicos que contribuíram com o grupo ao longo dos anos criaram um amálgama único que expande os limites da experiência musical. Inventaram uma linguagem que combina o jazz fusion, o free jazz, a música erudita – com ênfase na música eletrônica e eletroacústica – e a riqueza da percussão afro-indígena, que nem por isso deixa de incorporar instrumentos de outras culturas.

 

A resultante dessa proposta de vanguarda é sumamente inovadora, pois trabalha os parâmetros musicais “primários” (melodia, harmonia e ritmo) – que definem a organização sintática da música – e os “secundários” (timbre, dinâmica) com o propósito de criar uma sonoridade nova, marcadamente urbana (portanto, cosmopolita), que ignora fronteiras e hierarquias, em que o sintetizador, as tablas indianas e as fitas magnéticas pré-gravadas têm a mesma importância.

 

Aos substantivos “liberdade” e “originalidade” usados acima para caracterizar a música do Grupo Um, se junta um terceiro: “densidade”. A música do Grupo Um não se entrega facilmente à fruição. Tem muita entropia, muita informação. Por isso solicita empenho do ouvinte. Mas quando a familiaridade se instala, o prazer é proporcional a esse comprometimento.

 

O Grupo Um construiu sua reputação com shows – no Brasil e na Europa – e com os três LPs que gravou, felizmente reeditados em CD: “Marcha Sobre a Cidade” (1979) – pioneiro entre os discos de produção independente –, “Reflexões Sobre a Crise do Desejo” (1981) e “A Flor de Plástico Incinerada” (1982), todos muito bem recebidos pelo público e pela crítica especializada da época.

 

A pequena mas significativa discografia cresce agora com este CD, que mostra o Grupo Um no esplendor de sua forma. Lelo (teclados e processos eletrônicos) e Zé Eduardo (bateria e percussão) pertencem ao restritíssimo clube de instrumentistas com dicção pessoal, donos de um fraseado claramente identificável. A esse grupo pertencem, por exemplo, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Naná Vasconcelos, Bill Evans, Ornette Coleman, John Coltrane, Thelonious Monk e Anthony Braxton. Além disso, Lelo e Zé Eduardo tocam juntos desde sempre, o que os levou a desenvolver uma verdadeira comunhão. Com sólida formação e extensa trajetória, o saxofonista e flautista carioca Mauro Senise, que participou dos dois primeiros LPs, é uma referência nesses instrumentos no Brasil. O multi-instrumentista e compositor alemão Felix Wagner – que aqui toca clarinete baixo e teclados – é outro antigo colaborador perfeitamente à vontade nessa permanente ebulição que é a música do grupo. Outro alemão, o contrabaixista Frank Herzberg estreia no Grupo Um no posto ocupado por nada menos que Zeca Assumpção, um dos maiores nomes do contrabaixo brasileiro. Herzberg impressiona pela ampla paleta de recursos expressivos, com o arco ou pizzicato, e pela sonoridade cheia.

 

As dez composições do CD – a maior parte escrita por Lelo Nazario –  apresentam um recorte interessante da produção do Grupo Um, com ênfase no repertório de “Marcha Sobre a Cidade”, integralmente revisitado. “Mobile/Stabile” e “Sonhos Esquecidos” foram gravadas, respectivamente, em “Reflexões Sobre a Crise do Desejo” e “A Flor de Plástico Incinerada”, enquanto “Velho Mundo Novo” figura no CD “Amálgama” (2014), do Duo Nazario, e “Fragmentum” é uma composição inédita de Felix Wagner. Para os fãs mais antigos, o CD é um registro histórico; para as novas gerações, é uma excelente introdução ao universo das sonoridades do Grupo Um, cheio de fúria, lirismo e rigor.

 

Alexandre Agabiti Fernandez é jornalista e crítico de música.

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