Guarnieri e Nepomuceno
Guarnieri e Nepomuceno
Nacionalismo e o ser nacionalista
O Choro para piano e orquestra foi a obra para esta formação escrita imediatamente antes do Concertino, em 1956. Trata-se de uma época em que Camargo Guarnieri estava especialmente envolvido com as questões nacionalistas – basta lembrar que foi no início dessa década, em 1950, que veio a público a polêmica “Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil”. Tais preocupações se manifestam já no título da obra, que utiliza a palavra “choro” substituindo o termo “concerto” e indicando seu caráter nacionalista (seu primeiro choro foi escrito para violino e orquestra em 1951). O Choro para piano e orquestra já é obra de um compositor maduro e com pleno domínio da técnica composicional. É uma obra igualmente escrita em três movimentos, todos indicados em português: Cômodo, Nostálgico e Alegre. O primeiro, de escrita livre e caráter brilhante, de fato parece querer remeter aos choros e serestas populares. Nostálgico, o movimento intermediário, é um típico movimento lento de Camargo Guarnieri, denso e um tanto tristonho, no qual ele revela sua mais íntima sensibilidade e nostalgia. Finalmente, o movimento final encerra a peça com rítmica incisiva e orquestração brilhante.
O humorístico sem deboche
As Valsas foram compostas provavelmente um pouco antes de 1902, quando aconteceu sua estreia em Petrópolis. O professor e pianista Luiz Guilherme Goldberg, que realizou uma edição crítica da partitura, nos revela uma fato curioso: o de que, à época das primeiras audições da obra, no início do século XX, seu o caráter nacional era apontado por praticamente todos os que a escutavam – embora esse não seja um elemento evidente à nossa escuta contemporânea. Para nós, o que salta aos ouvidos é, de um lado, uma escrita refinada e exuberante e, de outro, as bem boladas citações de outros autores no meio das Valsas. Em alguns momentos, como no início da Valsa n.2, fica evidente o clima wagneriano. Já o tema principal da Valsa n.4, apresentado logo no início e que retorna ao longo da peça, parece vir da Suíte Dolly de Gabriel Fauré, escrita entre 1893-1896, portanto pouco antes da obra do autor cearense. As citações mais célebres estão na Valsa n.5, que se inicia com o Danúbio azul, de Johann Strauss, para pouco tempo depois emendar a Valsa op.64 n.1 “do Minuto” de Chopin. A Valsa n.6 procura fechar o ciclo repetindo elementos das valsas n.1 e 2.
As audições das Valsas humorísticas sempre causaram certa perplexidade nos críticos e no público, seja pelo ineditismo da obra, seja pela virtuosidade exigida na performance. “Nepomuceno, ao citar trechos de outros autores (...) fez uma paródia utilizando-se de um humor requintado e elegante, o que ocorre pela primeira vez na música brasileira de concerto”, afirma Luiz Guilherme Goldberg. Embora sendo uma obra importante de Nepomuceno, ela ficou esquecida durante décadas e foi poucas vezes executada após as primeiras audições, logo após sua composição. Daí a importância de tê-las novamente no repertório, com a ótima intepretação de Cristina Ortiz e da Filarmônica de Minas Gerais.
Se você se interessou pelos termos citados no texto, dê uma olhadinha nesse vídeo do Festival Sesc de Música de Câmara, onde cada um deles está explicado e exemplificado - tem também a série O Que É!? daqui do Selo. Para se aprofundar no som e na escrita para um grupo como a filarmônica, recomendamos a série de DVDs O Som da Orquestra, de João Marcos Coelho com os episódios "Piano - Uma História de 300 anos", "A Família das Cordas" e "A Democracia das Madeiras" - vale a pena!