Sesc SP

postado em 04/09/2018

A poesia de Carlos Rennó

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Muitos letristas (não Carlos Rennó, ele se identifica como letrista mesmo) preferem se chamar de poetas. Porém, não tantos letristas (e nem poetas) demonstram o zelo que ele tem (à excelência) pela arte (dos grandes poetas) de escolher palavras (em som e sentido) para compor canções. Esse disco, “Poesia”, vem fazer justiça. Não a de podermos chamá-lo, Rennó, de poeta. Mas de revelar que os letristas (os grandes) são o que os (grandes) poetas são. “Poesia”: em cada letra de cada palavra e em cada palavra de cada letra a que existe em um poema. E as construções de Rennó têm a vantagem de não abdicarem da naturalidade das letras para exibir a construtividade da poesia. Arrima da rima a nota da canção.

 

Trulli

                                    Capa do disco "Poesia - Canções de Carlos Rennó".

Confessadamente influenciado por poetas de extremo  rigor formal, como João Cabral de Melo Neto e Augusto de Campos, ambos com fama (autoproclamada, no caso do primeiro) de antilíricos, o letrista Carlos Rennó coloca sua habilidade ateé virtuosística a serviço de um lirismo que pode iludir ouvidos (e tinos) ingênuos. A letra de “Minha Preta”, com suas rimas (toantes) anagramáticas, talvez seja o exemplo mais claro do que digo: “Minha diva / Minha vida / Em suma / A musa” (parceria com Geronimo). Mas também os versos de “Nova Trova” (com Zeca Baleiro): “Alma à qual almejo me algemar; / Poder saber / O seu sabor”, onde as rimas se dão não na mesma estrofe,  mas entre as estrofes – rimas que Ezra Pound chamava polifônicas. Além da imprevista: “Remirá-lo hei / Admirá-lo-ei”. Em procedimentos assim, Rennó evoca Cole Porter, mas também Arnaut Daniel, o trovador, de outra forma citado na letra de “Todas Elas Juntas Num Só Ser” (com Lenine), ao lado de Hervé Cordovil, É O Tchan, Gabriel O Pensador, Johnny Mercer e Braguinha.

Poesias (in)distintas. E por falar em processamento sutil de influências, Carlos Rennó demonstra uma vez mais nesse disco ter aprendido dos poetas concretos a concepção total de cada projeto, quando e onde tudo é estruturante. Assim, a própria escolha dos parceiros (e dos intérpretes) para cada letra (ou versão) é pinçada com o cuidado com que ele escreve uma letra: significante. Paideuma. Em “Exaltação dos Inventores” (com Luiz Tatit), o letrista (“...e para que poetas...?”) brinca com essa noção de paideuma e a imbri(n)ca na própria letra, em jogos que já chamam para a dança o prosador (aquele meu xará) que disse que palavra cantada é palavra voando e que também fundiu nomes e verbos em palavras-valise no seu “Finnegans Wake”. “Poesia”, Carlos Rennó. Tiro minha cartola, reverente...

James Martins é poeta e jornalista

 

Trulli

Carlos Rennó e duas personalidades citadas em “Canção Pra Ti”: Sonia Guajajara e Alberto Pitta

O CD Poesia é o primeiro álbum de Carlos Rennó. Com o lançamento, o Selo Sesc realça o trabalho do letrista, expondo suas criações nas composições e vozes de artistas como Gilberto Gil, João Bosco e Arnaldo Antunes. Ao inverter uma estrutura que comumente destaca o trabalho dos músicos, se evidencia um segmento menos conhecido da produção artística brasileira e estabelece um diálogo entre o autor das letras e seus intérpretes.

São 16 faixas com novos registros de canções já gravadas e gravações de canções inéditas com parceiros de Rennó. Os compositores e intérpretes foram escolhidos de acordo com as letras, articulando um enlace perfeito entre os componentes de cada faixa, em busca de uma obra totalizante que reflita a produção do autor. 

Os shows de lançamento acontecem nos dias 26 e 27/9 no Sesc Bom Retiro 

Ouça "Todas Elas Juntas Num Só Ser" - Various Artists

1. Pintura (João Bosco)

2. Nova Trova (Zeca Baleiro)

3. Canção para Ti (Moreno Veloso)

4. Todas elas juntas num só ser (Vários)

5. Nus (Arnaldo Antunes)

6. Suaí (Lívia Nestrovski, Cacá Machado e Alessandra Leão)

7. Outros Sons (Tetê Espíndola, Arrigo Barnabé e Carlos Rennó)

8. Eu disse sim (José Miguel Wisnik)

9. Seta de Fogo (A canção de Teresa) (Chico César)

10. O Momento (Léo Cavalcanti)

11. Minha Preta (Geronimo Santana)

12. Só (Paulinho Moska e Marcos Suzano)

13. Exaltação dos Inventores (Luiz Tatit)

14. Tá? (Pedro Luís)

15. Hidrelétricas Nunca Mais (Felipe Cordeiro)

16. Átimo de Pó (Gilberto Gil)

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