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postado em 29/10/2018

Jacob do Bandolim 100 Anos - Sentimento & Balanço

JACOB-100-anos

“O meu arquivo, naturalmente e independentemente da minha família, é a minha vida. Principalmente agora que eu estou aposentado. Eu vou dizer a você o seguinte, dentro do meu arquivo vai existir um sofá, uma garrafa térmica com café e outra com água. Aí minha mulher tirou o sofá, né? Porque não era possível, eu já tava dormindo dentro do arquivo.”, brinca Jacob, em 1968, em entrevista para TV Record.

Quando Jacob Pick Bittencourt faleceu, aos 51 anos, em 1969, este arquivo na qual o músico se debruçava já era tomado por aproximadamente 10.000 itens, contendo arquivos sonoros, instrumentos musicais, fotos e manuscritos. Parte dele foi entregue ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS/RJ) e outra fatia, a maior, ficou de posse da família Bittencourt, tendo sido entregue, em 2002, à guarda do Instituto Jacob do Bandolim (IJB), quando enfim encontrou um espaço confortável.

“O trovão” para Turíbio Santos, “um homem sério e muito exigente” para Sérgio Cabral, “homem com H maiúsculo e Gênio” para Sérgio Bittencourt; todos esses atributos pomposos não deixam de revelar um fato inegável: Jacob do Bandolim talvez tenha sido uma das maiores figuras da música brasileira cuja obra foi documentada com o rigor de quem a efetivamente produziu. Imagine-se você, em sua condição de artista, ao passo que se ocupasse com o exaustivo trabalho criativo, ainda ter que se preocupar com seu legado e com a forma como as pessoas poderão acessá-lo?

Para Jacob, o arquivo era a sua vida. Nele ele passava os dias e as madrugadas datilografando suas fichas - das quais ele próprio projetou os campos de acordo com os espaços da máquina de escrever - onde catalogava suas quase 6.000 partituras, registrava suas fotos e gravava centenas de programas de rádio, discos e saraus em seus gravadores, constituindo o maior arquivo conhecido do gênero choro. O lendário jornalista Sérgio Bittencourt comenta sobre essa fixação: “Na casa de Jacarepaguá, onde ergueu enorme muro dianteiro para obter isolamento e introversão, necessários a seu universo interior, Jacob montou precioso arquivo de artigos, partituras, gravações, tudo, enfim, relacionado com a música popular brasileira genuína e o choro em particular, material, segundo ele, que poderia ter importância para estudiosos do futuro.”

Essa exigência militar do compositor permitiu hoje que sua obra seja não somente contemplada, mas também receba interpretações de novas gerações de bandolinistas e influencie seus estilos de composição. Como é o caso do disco Jacob do Bandolim 100 Anos - Sentimento & Balanço que ganha produção de um dos seus principais cultores, o exímio cavaquinista Henrique Cazes e o experiente Carlos Alberto Sion. Sentimento & Balanço é mais uma obra que integra as celebrações ao bandolinista com a devida reverência a sua aura de professor de diversas gerações de instrumentistas.

Com shows de lançamento marcados para os dias 8, 9 e 11 nas unidades Santana, Araraquara e Pq. Dom Pedro II, o CD ainda recebe no encarte texto de Tarik de Souza que você confere após a vinheta. 

O legado perene de sentimento e balanço de Jacob do Bandolim

A linguagem inconfundível do bandolim brasileiro deve muito ao virtuoso autodidata Jacob Pick Bittencourt (1918-1969), carioca de Laranjeiras, criado na lendária Lapa. Com seu fraseado límpido e altissonante, de improvisos despidos de empréstimos ao jazz, o fabuloso Jacob do Bandolim dilatou as possibilidades do instrumento e do gênero em que pontificou, o choro. Inscreveu-se mesmo entre seus maiores criadores, em sintonia com o patriarca Pixinguinha e o erudito Radamés Gnattali. Ele participou de gravações históricas como “Ai, que saudades da Amélia”, por Ataulfo Alves, em 1942, e “Marina”, com Dorival Caymmi, em 1947, esta no mesmo ano em que debutou como solista e compositor, numa carreira solo cintilante. Jacob também foi um mestre-escola, frequentado nos exigentes saraus caseiros, que documentava em sua casa de Jacarepaguá, por luminares como Sergei Dorenski, Oscar Cáceres, Paulo Tapajós, Maestro Gaya, Canhoto da Paraíba, e iniciantes promissores como Paulinho da Viola e Turíbio Santos. Acompanhado, entre outros, pelos estilistas do Regional do Canhoto, Jacob liderou grupos como o modelar Época de Ouro, com quem confrontaria a bossa nova do Zimbo Trio, em memorável show com sua revelada Elizeth Cardoso. Deixou um legado popular de alto refinamento estético.

Ele pode ser usufruído nesta preciosa homenagem – “Jacob 100 - Sentimento e Balanço“– produzida por um de seus principais cultores, o exímio cavaquinista Henrique Cazes (também autor dos eloqüentes arranjos e da direção musical) e o experiente Carlos Alberto Sion. O Henrique Cazes Trio, traz o líder desdobrando-se no cavaquinho, violão e violão tenor, ao lado de seu irmão Beto Cazes, poliglota da percussão, e de João Camarero, violão 7 cordas, cuja maestria o tornou o mais novo integrante do Época de Ouro, idealizado por Jacob. Nos bandolins centrais, dois virtuoses de gerações e latitudes diferentes. O carioca Joel Nascimento, 80, ilustríssimo discípulo de Jacob, foi abençoado por Radamés que transcreveu para ele sua peça “Retratos”, origem heráldica da Camerata Carioca. Tem uma longa e multifacetada carreira no Brasil e no exterior. E o jovem paulistano Fábio Perón, 28, filho dos músicos Vera Cury e Ítalo Perón, que atuou no lendário conjunto de choro de Izaías Bueno de Almeida, “figura através da qual me interessei pelo bandolim”. Também influenciado pela convivência com o compositor Paulo Vanzolini e músicos como Zé Barbeiro, Alessandro Penezzi, Lea Freire e Arismar do Espírito Santo, Fábio, ostenta dicção própria, como se ouve nas doze pepitas de várias épocas do autor celebrado por este estupendo disco, ornado ainda por três convidados de primeira linha.

Nas peripécias sincopadas de “Assanhado”, a baixaria fica a cargo do bordado de outro ás do 7 cordas, Rogério Caetano. Silvério Pontes confeita ao flugelhorn o megaclássico “Doce de Coco”. E Marcos Nimrichter, no acordeon, infiltra ambientação de tango em mais um ícone de Jacob, “Vibrações”, além de atuar em outras três faixas. Joel e Fábio trocam passes ágeis em “Bola Preta”; retinam na escala de notas da espanholada “Santa morena”, uma das músicas de Jacob mais regravadas nos últimos tempos. E desafiam a gravidade em outro totem de sua obra, o espevitado choro “Noites Cariocas”.

Em outras faixas eles solam separados. Cabem ao lirismo denso de Joel “Por que sonhar?”, “De Coração a Coração” e “Pé de Moleque”, esta com acendrada percussão de Beto Cazes. Fábio alterna seu arsenal de recursos nas autoexplicativas “Nosso Romance”, “Dolente” e Gostosinho”. Conjugando exatamente “Sentimento e Balanço”, como promete o título do disco, os expoentes instrumentais iluminados pelo mestre asseguram que os comemorados cem anos de Jacob não olham apenas pelo retrovisor. Também são um anúncio de perenidade.

Tárik de Souza é jornalista, crítico musical, poeta e curador de projetos musicais

1. Vibrações

2. Bola Preta

3. Por que sonhar?

4. Gostosinho

5. Doce de coco

6. Assanhado

7. De coração a coração

8. Dolente

9. Pé de moleque

10. Nosso Romance

11. Santa Morena

12. Noites cariocas

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