Sesc SP

postado em 22/03/2019

Construtores de Sons

construtores de sons-conteudoteca

Professores-pardais do mundo irreal, marceneiros do som ou mesmo aficcionados por sonoridades novas. Luthieria? Gambiarra? Faça você mesmo, com as mãos!

Construtores de Sons é uma aventura sonora com direção de Lívio Tragtenberg e Marco Scarassatti, e instrumentos musicais criados por Gilberto Macruz, Paulo Nenflidio, Ruben Pagani, Leandro César, Marco Scarassatti, Marcos Freitas e Emerson Boy.

O projeto materializado em CD pelo Selo Sesc exalta o ofício dos criadores de instrumentos sonoros, grandes inventores de fundo de quintal, devolvendo a eles o protagonismo outrora renegado pela tradição popular dos processos industriais, ao mesmo tempo, o álbum convida o público a conhecer essas máquinas musicais e se inspirar a construir música com as próprias mãos.

Quer saber como soa um Ciclophone? Tem ideia de como tocar um Pássaro-Cocho ou se dá pra tirar um solo de Microtõin?

Um álbum que traz 12 instrumentos e seus sons inusitados. Veja cada um deles abaixo, seguido de texto de Lívio Tragtenberg e Marco Scarassatti dando as linhas gerais da entrépida empreitada.

 

Entrépidos!

Estes criadores sonoros e suas trajetórias hiperbólicas são a material-prima deste CD que, para aqueles que assistiram com assombro na infancia, o filme A Volta ao Mundo em 80 dias, ou leram - já mais tarde - , A Volta ao Dia em 80 Mundos de Júlio Cortazar, certamente irão se reconhecer nas aventuras sonoras que ora propomos e apresentamos.

Não fosse a alma dessambrada de Marco Scarassatti meu propor um mergulho nesses professores-pardais do mundo irreal, estaria mais desacreditado na capacidade de criação humana, num mundo onde a telinha do celular é a medida de panorâmica da experiencia no planeta…

Mas não! Certa dose de quixotismo – Gilberto Mendes iria gostar desse têrmo, lá no entre-céu de Haroldo de Campos – envolveu a todos: construtores, construtores-músicos, produtores, o Selo Sesc e sua desassombrada coragem (!), e - porque não ? – agora você, ouvinte.

É a voce ouvinte que essa garrafa ao mar esta sendo lançada.

A você, que pode reconstruir, reinventar, essas sonoridades, incorporando-as a experiencia sonora e musical. Essa tradição de inventores de fundo de quintal, do Amador que, infelizmente,  foi sistematicamente desqualificada por uma pretensa superioridade do ensino formal, atravessa regiões do país, camadas sociais e culturas. Penso, na tradição norte-americana do do it yourself que se serviu do ensino por correspondência, combinando nesse processo, intuição e conhecimento.

Esse é o melhor legado de gente como os compositores Charles Ives, Henry Cowel, Harry Partch, Conlon Nancarrow, Julian Carrillo, Joaquín Orellana, Frank Zappa, entre muitos outros.

E no Brasil, temos uma legião de anônimos construtores de instrumentos e artefatos espalhados pelo país até figuras complexas como Walter Smetak.

Faça você mesmo, com as mãos!

mecanismo-compositor

Nossa ideia foi então combinar construtores de instrumentos sonoros - o termo musical, já esta bastante contaminado (Ezra Pound já clamava pela remoção do limbo, do lôdo, que se depositou ao longo ds séculos sobre as palavras, obscurecendo suas formulações etimológicas), mas sem buscar nenhum preciosismo ou proselitismo teórico - ao contrário, buscando a contaminação de sentidos e razões – afinal, somos todos devedores do Instituto Universal Brasileiro:

"-Aquele que não fez um curso por correspondência nos anos de 1970, que atire a primeira pedra!"
(Conseguimos construir uma boa barricada com o que já nos atiraram!)

E daqui, chutamos nossas bolinhas. O poeta do Inferno de Wall Street, Joaquim de Sousândrad, no fim da vida, dizia que estava comendo as “pedras da Vitória…” da sua propriedade, conhecida como a Quinta da Vitória, em São Luis do Maranhão. Vendia essas pedras, que eram as paredes da propriedade.

Na contramão, ou em via paralela, as novas possibilidades da luthieria digital com suas construções e desconstruções, o foco neos construtores que ora apresentamos, tem como objetivo, colocar lado a lado diferentes vertentes que compoem a fauna criativa de um momento de sobreposições e não de sínteses.

Entrépidos!

aerofone

São eles, construtores visionários, Gilberto Macruz, Paulo Nenflidio e Ruben Pagani. Construtores-músicos Leandro César, Marco Scarassatti, Marcos Freitas, indutores de experiencias corpóreas-sonoras. Porque essas construções sonoras são também esculturas sonoras (termo caro a Walter Smetak).

Conversar com o artesão e o artista, o artesanato e o artifício, são questões mais que atuais, diria até, atemporais em nossas civilizações. Assim, as distinções do fazer e do criar, sempre envolveram um artificialismo que respondia a situações de época e a conveniências sociais, adquirem hoje um protagonismo uma vez que envolve tanto os processos de criação como de circulação de simbolos, signos e de sons.

A materialidade dessas construções foi o nosso guia na realização sonora deste trabalho, seja de composição como de decomposição, bem como na própria captação desses objetos sonorous, com o auxílio de Emerson Boy.

essa materialidade, acreditamos, responde ao universo objetivo e subjetivo, a experiência sensorial e a curiosidade desinteressada de um amadorismo positivo, que tem como impulso a criatividade e o prazer da ação.

Enfim, a curtição sonora sobretudo e a celebração da invenção, sempre!

Lívio Tragtenberg

 

Com as próprias mãos!

Durante a minha pesquisa pesquisa sobre a obra e pensamento de Walter Smetak, me deparei com um artigo de 1974, do jornalista e pesquisador da música popular brasileira José Ramos Tinhorão, o título dizia: Viva Smetak, que como o povo, faz sua música com as mãos. A imagem que acompanhava o texto era uma gravura da coleção da Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira, em que aparecia uma viola construída e tocada pelos negros, em pleno século XVIII. Tinhorão pedia respeito, apoiava e aplaudia o suíço naturalizado brasileiro por identificar-se com o que ele chamou da “mais inquieta tradição do gênio musical do povo brasileiro”.

Se na tradição popular, o instrumento musical ainda resiste aos processos industriais pelas mãos dos artesãos, a emergente Arte Sonora brasileira tem como sua principal vertente a luteria experimental. De Walter Smetak pra cá, passando pela profícua produção de seu principal discípulo Marco Antonio Guimarães, que inspirou mais de uma geração de novos construtores, o que vemos hoje é a multiplicação de criadores e suas criaturas que, não só fazem sua música com as próprias mãos, mas muitas vezes se aproximam e adentram ao universo musical, a partir da invenção do novo instrumento.

Hoje os caminhos são múltiplos para se adentrar nesse universo, alguns desses criadores partem de uma inquietação e extrapolação do campo da visualidade, outros da busca por novas fontes sonoras Há quem se inspire nas máquinas, ou mesmo se opõe ao pensamento industrial, pelo objeto encontrado, o refugo de uma sociedade do descarte, pela gambiarra, ou pelo hackeamento das fontes sonoras pre-existentes.

Enquanto pensávamos esse projeto, sabíamos que diante de tamanha diversidade e multiplicidade de inventores e invenções, uma antologia estava descartada, optamos pelo vínculo maior com o acústico, com algum flerte ao elétrico, ou um industrial do Piripipau.  Algo entre o bestiário e o manual, um livro de emblemas ou um quase tutorial, um recorte que potencialize a ação direta, a autopoiesis, que inspire mais e mais pessoas a construir a música com as próprias mãos.

Marco Scarassatti

01. Ciclofone

02. Mecanismo de Compositor

03. Pássaro-cocho

04. Tromp Kirk Roland

05. Microtoin #9

06. Aerofone

07. Chori

08. Mosaico Cariri Peruacu

09. Berimbau Eletrônico

10. Bicordio Infinito

11. Torre

12. Tanque

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