Eduardo Gudin e Léla Simões
Minha lembrança mais remota de ouvir alguém cantando é a de Dona Dulce entoar “Lampião de Gás” quando eu ainda era criança. Minha mãe nunca se viu cantora, mas tenho absoluta certeza que seu canto doce e despretensioso foi determinante para que eu me tornasse cantor. O lampião ilumina até hoje e para sempre o meu caminho, que não tem fim.
Sinto que o destino deste país continua sua sina. O milagre nacional não está nas fórmulas dos economistas ou no imenso retrocesso que se anuncia na educação, na saúde e sobretudo na cultura deste país de dimensões continentais.
A música, senhora e guia de nossos corações, mais uma vez nos surpreende. Ao cumprir-se em meio a tantos desencontros, este novo trabalho nos dá a sensação de que o país vai muito bem e que temos motivo de sobra para acreditar num futuro melhor. Estamos, sim, no rumo da tão sonhada elevação da consciência humana.
Um dos mais inspirados compositores de sua geração, Eduardo Gudin mais uma vez nos traz, nos revela uma voz, como se não bastasse o talento que transborda desse mais célebre melodista da cidade. De olhos fechados e ouvidos atentos, generoso, com a bondade aliada à inteligência, o senhor das noites paulistanas, junto com o Selo Sesc, lança seu olhar sobre algo que nos renova, que não se parece com nada escutado antes. Gudin continua a voltar-se para os artistas que insistem em brotar em meio ao solo imper- meável da cidade de concreto, entre os faróis que se abrem na capital da solidão, onde jamais nos sentiremos sós.
A voz de Léla me faz voltar no tempo. Retrocedi ao passado não tão distante, ao tempo em que mamãe cantava e eu me calava. Porque é preciso fazer silêncio para ouvir Léla e Gudin. É extremamente necessário voltar pra casa neste momento, deitar no colo de nossa mãe e ouvir o canto puro, sem rodeios e o violão que nos embala num sonho profundo de um Brasil melhor.
Léla e Gudin são raros exemplos de artistas que, apesar de viverem num mundo de espelhos, têm como princípio não se pretenderem maiores que as canções a que servem. Ao adquirirem essa consciência, cantam e tocam para tornarem-se eles próprios a canção, também o país, também a cidade.
Que nossa emoção sobreviva, ontem, hoje, amanhã e sempre. Seguimos aprendendo com o coração, e cantando. Porque nossas mães também cantavam. “A magia dos grandes artistas não pode ser ensinada, são segredos que se aprende com o coração” (Plínio Marcos)
Renato Braz - cantor, violonista e percussionista