São Paulo Futuro - A música de Marcello Tupynambá
Poucas são as gravações existentes, hoje, aos novos olhares e ouvidos de quem um dia foi Marcello Tupynambá (1889-1953). Das mais de 300 obras compostas pelo compositor de Tietê, cidade do interior de São Paulo, parte segue espalhada por sebos; por registros em vídeos produzidos pelo pesquisador e diretor do Instituto Piano Brasileiro (IPB), Alexandre Dias; ou em acervos históricos, como é o caso do violino e partituras do artista, que são mantidos pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) e acessíveis pelo Acervo Digital Marcello Tupynambá. Outra parte, até então, permanece na memória afetiva e musical de intérpretes, fãs e apreciadores da edificação das peças do autor.
Filho de músicos portugueses, engenheiro formado pela Politécnica da USP, crítico musical e radialista, o célebre compositor nacional segue como referência às melodias do modernismo paulista e às canções com refrão e estrofes – algo não tão comum à época. Os versos das canções criadas por Tupynambá se destacam por terem sido escritos pelos poetas Afonso Schmidt, Alphonsus de Guimaraens, Amadeu Amaral, Castello Netto, Guilherme de Almeida, Homero Prates, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Olegário Mariano, entre outros escritores e alguns representantes da Semana de Arte Moderna de 1922.
Reforçando o compromisso de fazer com que obras e autores esquecidos pelo tempo se façam cada vez mais presentes no repertório da música popular, o Selo apresenta neste mês o disco São Paulo Futuro - A música de Marcello Tupynambá, disponível gratuitamente e com exclusividade no Sesc Digital e, a partir de 9 de setembro, nas demais plataformas de streaming. O álbum traz 11 releituras da obra do compositor interpretadas por um time do calibre de: Fabiana Cozza, Toninho Ferragutti, André Mehmari, Roberto Corrêa, Henrique Cazes, Toninho Carrasqueira, Theo de Barros, Cacilda Mehmari, Dudu Alves, Nailor Proveta, Karina Ninni, Valdo Gonzaga e Hercules Gomes.
Para saber melhor sobre o conteúdo deste álbum, Marcelo Tupinambá Leandro, bisneto e pesquisador musical e responsável pelo acervo do compositor, preparou um texto de apresentação sobre o material que tem a produção assinada pelo célebre J.C. Botteselli, o Pelão.
São Paulo Futuro - A música de Marcello Tupynambá
por Marcelo Tupinambá Leandro
Marcello Tupynambá (1889-1953) nasceu em Tietê, interior de São Paulo, filho de família de músicos. Seu tio foi o conhecido compositor Elias Álvares Lobo (1834-1901), autor da primeira ópera encenada no Brasil com versos em português, com libreto de José de Alencar (1829-1877), denominada A Noite de São João (1859).
Viveu a primeira infância em Tietê, famosa por seus batuques e cateretês, cidade natal também do compositor Camargo Guarnieri (1907-1993) e do folclorista Cornélio Pires (1884-1958). Concluiu o ensino fundamental em Pouso Alegre, Minas Gerais e tornou-se regente da banda local. Aos 15 anos, excursionou pelo interior de São Paulo, acompanhando ao piano – instrumento que aprendeu a tocar sozinho - o flautista Patápio Silva (1880-1907). Anos mais tarde, mudou-se para a Barra Funda, na zona oeste da capital paulista, e, depois, para a Rua Itapicuru, em Perdizes - mesmo bairro em que foi gravada boa parte das músicas deste CD – chegando, inclusive, a tocar ao lado do flautista João Dias Carrasqueira (1908-2000). Foi aluno de violino de Savino De Benedictis (1883 - 1971) e, além disso, era comum ouví-lo improvisar músicas sacras no órgão da igreja de Santa Cecília. Em 1916, formou-se em engenharia civil pela Escola Politécnica, da USP e chegou a projetar algumas residências na Avenida Angélica e a igreja e Praça Matriz da cidade de Olímpia. Casou-se e teve sete filhos, entre os quais Cecília Menezes Lobo, também pianista, que o ajudaria escrever suas músicas em partitura, após doença que o acometeu e quase o fez perder completamente a visão.
O primeiro sucesso do autor, o maxixe São Paulo Futuro (1914), que empresta o nome ao título deste CD, é apontado como marco inicial na carreira do artista e pode ser conferido, neste álbum, na versão instrumental, interpretado pelo pianista e compositor André Mehmari. Por ocasião da repercussão desta obra, o músico passou a adotar o pseudônimo que o consagrou, pois seu nome de batismo era Fernando Álvares Lobo.
As músicas de Marcello Tupynambá, escritas entre as décadas de 1910 e 1950, devem ser consideradas pertencentes ao espírito revolucionário da Semana de Arte Moderna de 1922. O compositor, com sólida formação intelectual, assim como outros artistas do mesmo período, procurou modernizar o repertório vigente, mediando aspectos da cultura popular brasileira à seleção de músicas tocadas naquele início do século XX.
Mário de Andrade, parceiro do compositor em Canção Marinha (1924), disponível para escuta neste CD na interpretação de Fabiana Cozza e Toninho Ferragutti, escrevera, certa vez, que “Marcello Tupynambá é atualmente entre os nossos melodistas de nome conhecido, o mais original e perfeito”. Oswald de Andrade, apresentando a vanguarda artística brasileira em Paris, em 1923, defendia que “a música contemporânea do Brasil é representada por Tupynambá, Nazareth, Souza Lima e Fructuoso Vianna.” Mais recentemente, o crítico musical José Ramos Tinhorão avaliou a obra de Marcello Tupynambá e atribuiu a ela a mesma importância que tem para a história da música brasileira as peças de Chiquinha Gonzaga (1847-1935), Ernesto Nazareth (1863 -1934) e Alfredo da Rocha Vianna Filho (1897-1973), o Pixinguinha.
Em 1919, sete melodias de Tupynambá chegaram a ser citadas pelo compositor francês Darius Milhaud (1892 -1974), na suíte Le Boeuf sur le Toit, com linhas melódicas copiadas inteiramente das músicas do autor brasileiro, entre elas São Paulo Futuro, Viola Cantadêra, Tristeza de Caboclo, Maricota, sae da chuva e Sou Batuta, interpretadas, neste disco, respectivamente, pelo pianista André Mehmari, pelo violeiro Roberto Corrêa, pelo flautista Toninho Carrasqueira, pelo clarinetista Nailor Proveta e pelo pianista Dudu Alves.
Milhaud, pertencente ao Grupo dos Seis de Paris, de passagem pelo Brasil no final da década de 1910, classificou Tupynambá como “umas das glórias e joias da arte brasileira”, e afirmou que suas melodias eram como estrelas–guia da nossa riqueza musical, ignoradas, desperdiçadas, sem maiores explicações. Escreveu, em 1920, que “Tupynambá e Nazareth precedem a música de seu país como aquelas duas grandes estrelas do céu sulino (Centauro e Alfa Centauri) precedem os cinco diamantes do Cruzeiro do Sul”.