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postado em 27/11/2020

Claudio Santoro - Obra completa para Violino & Piano

Arte que ilustra a capa do disco | Ilustração: Nilton Bergamini
Arte que ilustra a capa do disco | Ilustração: Nilton Bergamini

Claudio Santoro foi um moderno, um explorador, um eclético e sempre interessado a novas experimentações na música brasileira. As comemorações de seu centenário, ocorrido em 2019, colheram frutos inéditos do acervo do compositor, meticulosamente organizado pelo cravista e pesquisador musical Alessandro Santoro, seu filho. Foi através dele que pudemos ter contato com sua desconhecida produção de canções, interpretadas por Nahim Marun e Paulo Szot, no disco Jardim Noturno, lançado neste ano pelo Selo.

Fato é que vasculhando este tesouro, encontramos uma nova faceta de Santoro a ser descoberta: suas composições para música de câmera, dentre as inúmeras produzidas ao longo da sua trajetória, mas num gênero específico, o duo violino e piano. O compositor amazonense iniciou seus estudos no violino em sua cidade natal e aos 13 anos transferiu-se para o Rio de Janeiro para prosseguir os estudos com Edgard Guerra. Em 1940 foi um dos músicos fundadores da Orquestra Sinfônica Brasileira, atuando no naipe de violinos, deixando um rastro de excelência por onde passou.

Ainda celebrando seu centenário, com seus 101 anos completos em 23 de novembro – o Selo Sesc lança o álbum duplo Claudio Santoro – Obra completa para violino & piano, com Emmanuele Baldini e Alessandro Santoro. Um trabalho que reúne a primeira gravação da obra completa para violino e piano do compositor, incluindo quatro obras inéditas.

Emmanuele Baldini, violinista italiano radicado no Brasil e spalla da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), e Alessandro Santoro, pianista formado no conservatório de Moscou revelam neste projeto o mundo estético e artístico de Santoro. Da integral das cinco Sonatas para violino e piano – reunidas no disco um – que abrangem duas importantes fases de criação do amazonense, o dodecafonismo dos anos 1940 e o nacionalismo dos anos 1950, ao registro de quatro obras inéditas, incluindo uma nova Sonata.

Entre as descobertas que chegam ao público só agora, destaque para Sicilienne op.1 para Violino e Piano e Op.4 para Violino e Piano, escritas respectivamente em junho e setembro de 1937, quando Santoro tinha apenas 17 anos de idade e consideradas suas primeiras obras. E mais, Elegia II para Violino e Piano, datada de 1986 e até então não publicada, que representa o último período de criação do compositor, e os dois movimentos da Sonata 1939 para Violino e Piano (Allegro e Andante).

O álbum estará disponível em sincronia gratuitamente no Sesc Digital e também nas principais plataformas de streaming a partir de 2 de dezembro. O texto do jornalista Leonardo Martinelli, abaixo, dá uma dimensão das preciosidades que você vai encontrar por lá.

 

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O jovem violinista Claudio Santoro | Acervo Pessoal Claudio Santoro

 

      


Claudio Santoro - Obra completa para violino & piano

por Leonardo Martinelli

A poucos metros do deslumbrante Teatro Amazonas, no número 279 da Rua Barroso, é possível visitar o casarão onde o compositor Claudio Santoro (1919-1989), ainda criança, ganhou seu primeiro violino. Trata-se do ponto-zero da trajetória de um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos e de um nome maior de nossa música.

E não poderia haver simbolismo maior nesse lugar. Não apenas por estar situado em Manaus, ilha urbana em meio à Floresta Amazônica – onde o sentimento de brasilidade ressoa de maneira muito singular em relação à qualquer outro ponto do país – mas também porque o violino, juntamente com o piano, constituíram a base sobre qual Santoro exercitou e moldou de forma prática sua musicalidade, e que viria se enraizar de forma profunda em sua obra escritura musical.

Não à toa a primeira obra que ele traz à tona como seu opus 1 (uma Sicilienne datada de 1º de junho de 1937) seja, justamente, para a formação de violino e piano, para a qual escreveu obras até praticamente o final de sua vida. Entre a primeira e a última peça para esse dueto (Elegia III, de 1986), temos um espaço de quase meio século no qual esse "diálogo entre cordas" funciona como uma espécie de caleidoscópio da obra de Santoro, que em si é um caleidoscópio da pluralidade estilística que marcou a música artística do século passado.

 

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Claudio Santoro ao piano | Acervo Pessoal Claudio Santoro

 

Ao longo de sua criativa e prolífica carreira, Santoro enveredou por diferentes vertentes estilísticas, ora motivado por um interesse estético, ora por suas posições ética e políticas. No total, aceita-se uma paleta de sonoridades de oito matizes: 1) a "fase francesa", referente aos seus primeiros anos de atividade, onde ouvimos um forte apelo da música de Claude Debussy; 2) o dodecafonismo, a partir de sua participação no grupo Música Viva e da exploração do método que celebrizou o compositor austríaco Arnold Schönberg; 3) uma instigante fase de transição, na qual a rigidez dodecafônica cede espaço a um atonalismo mais livre e intuitivo; 4) a fase nacionalista, em parte explicada por seu compromisso ético-político com o comunismo e a ideia de música que se valesse de códigos populares e nacionais; 5) a fase serialista, na qual abandona de forma radical a sonoridade neoclássica e retoma com ainda mais rigor os fundamentos do dodecafonismo; 6) a fase das obras com alto grau de indeterminação da partitura ("aleatoriedade"); 7) a produção textural, bastante ligada com a fase anterior, na qual também se inclui seus experimentos na eletroacústica e, por fim, 8) a fase pós-moderna, na qual observamos o livre trânsito entre as fases anteriores e o uso de ideias as mais diversas de forma singular e genial.

Em maior ou menor medida, diferentes elementos dessas fases se fazem presentes na obra para violino e piano de Santoro, da qual se destaca as cinco sonatas compostas entre 1940-63.

Gênero cujas origens se remetem ao barroco tardio, nessas obras o compositor lança mão da clássica estrutura de movimentos contrastantes tanto para dialogar com a tradição estabelecida ao longo dos séculos (Bach, Mozart, Beethoven, Franck e Bartók, entre outros) com para explorar sonoridades próprias, a partir da privilegiada perspectiva de alguém que conhecia de forma íntima ambos os instrumentos.

O resultado é um conjunto de obras que se configura com um dos mais importantes para essa formação compostos no século XX, e que tem nesse álbum seu primeiro registro de integral, realizado a partir de um minucioso trabalho de revisão e edição de suas partituras.
 

Leonardo Martinelli, compositor, professor, crítico e jornalista musical