Com gravações realizadas no início de 1993 na casa do lendário violonista Sérgio Abreu e utilizando violões provindos das décadas de 20 e 30, Paulo Martelli traz um importante repertório para os violonistas brasileiros, passando por vários períodos históricos da sonoridade romântica do século XVIII ao contraponto entre o barroco e um romantismo pungente das obras do início do século XX.
O disco Debut, lançado em 1995 por um selo canadense e até então inédito no Brasil, é relançado pelo Selo Sesc.
Ouvi o Paulo Martelli tocar pela primeira vez há aproximadamente 15 anos, em 1981 acredito. Ele era ainda adolescente, mas era evidente que viria a se tornar um violonista e um músico muito especial. Embora ele demonstrasse grande facilidade técnica, eu me impressionava ainda mais com sua sensibilidade musical – ele demonstrava muito mais interesse em buscar o sentido daquilo que tocava do que em exibir seu virtuosismo. Quando me convidou, em 1993, para produzir seu primeiro CD, logo pensei em lhe oferecer a possibilidade de usar alguns dos instrumentos de minha coleção de violões históricos. Como resultado, o Santos Hernández (construído em 1920) e o Hauser (de 1930) foram então gravados pela primeira vez desde que meu irmão Eduardo e eu os usamos nos 3 álbuns que elaboramos entre 1968 e 1970. Nos dias de hoje, quando numerosos violonistas jovens estão apenas preocupados em atingir velocidade vertiginosa, sinto-me reconfortado em constatar a maneira como Paulo Martelli explora a sonoridade do violão e sua riqueza expressiva, com a finalidade de atingir o significado interior da música que toca.
Sérgio Abreu - Rio de Janeiro, fevereiro de 1996
As gravações que compõem o álbum Debut, de Paulo Martelli, foram realizadas no início de 1993, na casa do renomado violonista Sérgio Abreu, no Rio de Janeiro. Estas gravações são particularmente especiais, pois Paulo Martelli utilizou os mesmos violões tocados pelo legendário Duo Abreu: o primeiro, um Hermann Hauser de 1930, e também um violão Santos Hernández da década de 1920, ambos da coleção particular de Sérgio Abreu. Este é o primeiro e único registro – até o momento – da rica sonoridade desses instrumentos, que não são ouvidos desde que Sérgio e Eduardo aposentaram-se dos palcos.
A relação de proximidade entre Paulo Martelli e Sérgio Abreu vem de longa data; contudo, intensicou-se no ano de 1992, quando Martelli venceu o Concurso Jovens Concertistas Brasileiros, evento em que Sérgio fazia parte do juri. Como prêmio, Paulo Martelli recebeu uma bolsa de estudos da CAPES e foi estudar na Julliard School, de Nova Iorque, onde obteve o título de Mestre em Música, e projetou-se internacionalmente. O maior prêmio deste contato, contudo, foi a gravação de seu primeiro disco, Debut, que agora fica disponível ao público brasileiro, em versão remasterizada por David Hirschy, no Miramont Studio, EUA.
O álbum foi originalmente gravado, editado e produzido por Sérgio Abreu, e lançado na Europa, Ásia e América do Norte em 1995 pelo selo Canadense GRI, recebendo excelentes críticas das revistas especializadas mais relevantes em atividade naquela época. Foram necessárias mais de duas décadas para que Debut ganhasse sua primeira edição brasileira, primorosamente elaborada pelo Selo Sesc.
O repertório deste álbum propõe um passeio pelos períodos clássico, romântico e moderno do violão erudito. Além disso, Martelli faz uma sutil menção ao período barroco, executando as Variações e Fuga sobre um tema de Handel, do compositor britânico Albert Harris.
O CD inicia com a Sonata em Lá maior, de Anton Diabelli (1781-1858). Este compositor ficou imortalizado na história da música ocidental, pois inspirou L. V. Beethoven a compor as conhecidas Variações Diabelli. Contudo, Diabelli era um músico polivalente: além de compositor, foi professor de violão e editor de música. Para violão, Anton Diabelli compôs um ciclo de três sonatas. A versão executada por Paulo Martelli foi realizada pelo renomado violonista inglês Julian Bream, que, de modo bastante criativo, associou os movimentos de duas sonatas: utilizou os dois primeiros movimentos da Sonata em Fá maior – transpostos para Lá maior –, e os dois últimos movimentos da Sonata em Lá maior. Além de combinar as duas sonatas, Bream ornamentou todos os movimentos com extremo bom gosto, o que requer do intérprete um alto nível de virtuosismo.
Na sequência, apresenta-se a Romanza da Grande Sonata para violão e violino em Lá maior, de Nicolo Paganini (1782-1840), numa versão de Sérgio Abreu. Paganini, o mago do violino, era também a cionado por violão, e deixou uma produção interessante para o instrumento, sobretudo na música de câmara. Dentre suas sonatas para violino e violão, a Sonata em Lá maior é a que apresenta escrita mais so sticada para o violão. A parte do violino, por sua vez, é bastante simplificada, o que permite ao violonista executar, simultaneamente, a maior parte das linhas do violão e do violino.
O compositor Albert Harris (1916-2005), inglês radicado nos Estados Unidos, trabalhou em Hollywood como orquestrador e arranjador. Ele foi um dos compositores que colaborou com o grande violonista espanhol Andrés Segovia. A obra Variações e Fuga sobre um tema de Handel foi escrita para Segovia, e apresenta como tema o Passapied da coleção do Marquês de Aylesford. As seis variações exploram as possibilidades técnicas do violão e apresentam ritmos variados de danças europeias, culminando numa virtuosa Fuga.
Debut encerra com a Sonata Op. 77, intitulada Omaggio a Boccherini, de Mario Castelnuovo Tedesco (1895-1968). A obra, também dedicada a Andrés Segovia, figura entre as mais importantes da literatura do violão. Dividida em quatro movimentos, a sonata desa a o intérprete, apresenta uma variedade de passagens de grande dificuldade técnica e virtuosismo. De modo complementar, esta obra apresenta passagens carregadas de lirismo e afetividade, proporcionando ao ouvinte momentos de grande prazer na escuta musical.
Certamente, o lançamento de Debut, pelo Selo Sesc, é um poderoso incremento para a discografia do violão brasileiro, e apresenta um momento primoroso da carreira do virtuose Paulo Martelli. Boa audição!
Paulo Veríssimo - São Paulo, 16 de dezembro de 2016
Sobre Paulo Martelli
Definido como “um dos melhores violonistas de sua geraçao” pela Soundboard Magazine e Guitar Magazine (EUA), o brasileiro Paulo Martelli vem revolucionando o cenário violonístico de seu país ao mesmo tempo que se firma mundialmente como virtuose excepcional e prolífico produtor. Diversas vezes premiado internacionalmente e vencedor de vários concursos importantes, Paulo Martelli apresentou-se como solista e camerista frente a distintas orquestras e grupos de câmara no Brasil e exterior, com destaque para a première do Concerto para violão e orquestra de F. Mignone no Brasil, frente a Orchestra de Campinas, e colaborações com a Metamorphosen Chamber Orchestra e o violinista americano Mark O’Connor (vencedor do Grammy Awards) e com os violonistas brasileiros Marco Pereira e João Luiz Lopes. Em seu catálogo de gravações, constam quatro CDs aclamados por sua “perfeiçao” (Classical Guitar Magazine, Reino Unido), “sólida e brilhante técnica” (Soundboard Magazine, EUA), e “musicalidade impecável” (Gendai Magazine, Japão). Em 2012, Paulo Martelli realizou a estreia da Fantasia Concertante para dois violões e orquestra denominada “Lendas Amazônicas”, ao lado do compositor e violonista Marco Pereira, gravando a première desta obra ao vivo para o SESCTV. Seu interesse em obras inéditas levaram importantes compositores a dedicarem-lhe novas obras como Sérgio Assad, Geraldo Ribeiro, Geraldo Vespar, Marco Pereira, João Luiz Lopes, Douglas Lora, Mark Delpriora entre outros. Recentemente, Paulo Martelli tornou-se um mestre do violao de onze cordas. Seu espírito lírico e efervescente virtuosidade aliados ao desenvolvimento de novas obras para este instrumento o colocam como uma das figuras dominantes do “alto guitar”, com destaque para seus arranjos de J. S. Bach, louvados pela crítica especializada como “extraodinários” e “miraculosos”.
Como produtor, Paulo Martelli vem revolucionando o meio violonístico do Brasil com o projeto Movimento Violão, uma série internacional de concertos que por mais de treze anos tem apresentado os maiores nomes do violao da atualidade, se dedicando também a lançar os jovens talentos mais promissores do violão no Brasil. Com formato único, concertos são sempre gratuitos e abrange o interior paulista e Capital, com temporadas esparsas em outros Estados do Brasil.
Paulo Martelli é também renomado educador e estudioso do instrumento. Ele foi professor da departamento de violão da Universidade de Ribeirão Preto por vários anos e também se dedica com afinco ao ensino particular, tendo alguns de seus alunos ingressado nas maiores escolas de música do mundo como The Juilliard School e Manhattan School of Music. Em 1999, em reconhecimento do seu profundo compromisso com educação musical, o Ministério da Cultura lhe concedeu o prêmio “Bolsa Virtuose”, o qual permitiu que ele desenvolvesse estudos de sistemas de tablatura na Manhattan School of Music, em Nova York (EUA). Em 2000, recebeu desta instituição o prêmio “Andrés Segovia”, uma das maiores honras do meio violonístico internacional.
Paulo Martelli cursou mestrado na The Juilliard School e professional studies na Manhattan School of Music. Ele apresentou seu recital de estreia em Nova York no Weill Recital Hall at Carnegie Hall em 1995, apresentado-se nesta lendária sala de concertos em diversas outras ocasiões. Iniciou seus estudos de violão clássico aos dez anos, sob orientação de Francisco Brasilino e Henrique Pinto. Mais tarde, teve como mentor o lendário virtuose brasileiro Sérgio Abreu. Martelli tem se apresentado com frequência no Brasil, Estados Unidos, Canadá, Israel e Europa.