Conversa entre Cia. Teatral Ueinzz e Juliana Fausto sobre o processo de criação do espetáculo Telúrica, e as diferentes espécies e mundos, visíveis e invisíveis, que participam dessa criação.
Sinopse da conversa:
Canto o corpo elétrico,
As legiões de quem amo me abraçam e eu as abraço,
Não me soltarão até que eu vá com elas, que lhes responda
Walt Whitman
A Cia Teatral Ueinzz apresenta o espetáculo Telúrica. Relativo à Terra ou ao solo, esse título traz consigo a memória persistente de Tellus, antiga divindade romana. Deusa dos terremotos e da fertilidade, solo comum no qual brotam os cultivos e onde repousam os sepultados, ela sustenta o céu sobre as criaturas e as segura, protegidas, em si. Tellus Mater, deusa-planeta, vive como referente fantasma manifestado no eco adjetivo que ressoa de seu nome: Telúrica.
Correntes telúricas são fluxos ordenados de cargas elétricas que se movem continuamente entre o lado claro e o lado escuro de Tellus-Terra. Ao ritmo solar-tectônico-oceânico e invisíveis a nossos olhos, elas dançam o corpo telúrico e participam da vinculação entre céu, superfície e profundezas. A respeito da eletricidade, elemento de suma importância em sua obra, o cineasta David Lynch disse que “não é porque não podemos vê-la que ela não nos está atingindo”, que ela “se liga ao inextricável” e que é capaz, ele mesmo, de “sentir elétrons aleatórios vibrando”. Proponho, desde aí, pensar o aspecto Ueinzz das correntes telúricas e o aspecto telúrico de Ueinzz compreendida como conjunto de eletrobailarinas, corpo de muitos corpos infinitamente acopláveis e decomponíves cuja coreografia institui mundos no ato.
“Dos confins do ser”, nas palavras do ator Aécio Cardoso, Ueinzz é a manifestação, por infestação, do invisível entrelaçamento que transforma o mundo em intensidade. Hayao Miyazaki, cineasta junto a quem seres invisíveis a olho nu mostram-se como imagem e em espécie, afirmou em entrevista temer pelo destino da floresta onde vivem, segundo ele, os deuses japoneses: “para mim, a floresta profunda está conectada de alguma forma com a escuridão em meu coração. Creio que, se apagada, a escuridão em meu coração também desapareceria, e minha existência se tornaria rasa.” Companhia em órbita, Ueinzz presentifica o ponto de vista da escuridão sobre a luz, refletindo-a de volta; já não há mais espectadores nem atores, já o real se mostra como ficção de outrem em uma infinidade de espelhos que se desejam e devoram.
Ao propor esta conversa, gostaria de convidar a quem quiser a pensar junto e quem sabe experimentar algumas das fendas, trilhas, veias e veios espaçotemporais abertas pela e nesta Companhia. “Parece que não mudou nada, mas mudou”.
Ueinzz é território cênico para quem sente vacilar o mundo. Como em Kafka, faz do enjôo em terra firme matéria de transmutação poética e política. No conjunto, há mestres na arte da vidência, com notório saber em improviso e neologismos; especialistas em enciclopédias marítimas, trapezistas frustradas, caçadores de sonhos, atrizes interpretativas. Há também inventores da pomba-gíria, incógnitas musicais, mestres cervejistas e seres nascentes. Vidas por um triz se experimentando em práticas estéticas e colaborações transatlânticas. Comunidade dos sem comunidade, para uma comunidade por vir.
Juliana Fausto – Autora de A Cosmopolítica dos animais (n-1 edições, 2020). Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001), mestrado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2012) e doutorado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2017). Desenvolveu pesquisa de Pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Paraná, com bolsa PNPD/CAPES entre 2017 e 2022, onde ministrou disciplinas nos níveis de Graduação e Pós-Graduação em Filosofia.. Desenvolve pesquisa na área de Filosofia e a Questão Ambiental, com ênfase na relação dos animais outros que humanos com a política, e na área de estudos feministas, com ênfase em epistemologias feministas e nos conceitos de mulheres, natureza e monstruosidade. Tem interesse em temas relacionados a Antropoceno, animais, gênero, cosmopolíticas, cinema e literatura. Traduziu o livro Quando as espécies se encontram, da filósofa Donna Haraway, publicado em 2022 pela editora Ubu. Traduziu também Sem tempo a perder, da escritora Ursula K. Le Guin (Goya, 2023). Foi bolsista Nota Dez da FAPERJ (2015-2016). Menção honrosa no prêmio ANPOF de melhor tese 2018. Prêmio de Melhor Tese em Filosofia do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio 2019. Pesquisadora do SPECIES – Núcleo de Antropologia Especulativa/UFPR. E publicou pela n-1 A cosmopolïtica dos animais.
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.