Vida, sonhos e muita determinação: Rosana Augusto!

19/05/2022

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Rosana Augusto. Foto: Bianca Prado Tibério

Por Lucas Rolfsen

Rosana dos Santos Augusto estreou profissionalmente em 1997 pelo São Paulo e começou sua trajetória pela Seleção Brasileira Feminina de Futebol em 2000. Atual técnica da equipe de futebol feminino do RB Bragantino e multicampeã pelos clubes onde passou, ela conversou conosco sobre diversos assuntos ligados à modalidade. 

Atuando como lateral esquerda e meio-campista, se destacou pela determinação e busca pelos resultados, ajudando a consolidar a prática do futebol feminino no país, ao lado de uma geração vencedora que teve nomes como Marta, Cristiane e Formiga.  

Foi condecorada em 2019 com o título de lenda do futebol feminino pela FIFA, em reconhecimento pelas suas contribuições ao esporte. Esse exemplo serve para que Rosana continue sendo espelho para as futuras gerações de jogadoras.   

No fim de maio, ela participou de um bate-papo e uma vivência esportiva no Sesc Campo Limpo, discutindo questões ligadas ao universo da prática de futebol feminino no Brasil. 

Na entrevista a seguir, aborda o futebol feminino no Brasil e no mundo, os avanços e desafios da modalidade atualmente e aponta caminhos para que o esporte continue crescendo e dando frutos.

Em que momento o esporte entrou em sua vida? 

Antes de jogar futebol, fiz vários outros esportes no colégio e sentia que tinha uma aptidão muito boa. Fiz Ginástica Olímpica, Kung Fu…E futebol sem dúvida era o que eu mais gostava. 

Da prática dos outros esportes até o momento em que o futebol surge profissionalmente, como foi? 

Fazia todos os esportes, e o futebol era um deles. Dentro de casa isso não era bem aceito, meu pai não gostava muito que eu jogava, até porque teve uma proibição, uma lei que proibia o futebol de mulheres [decreto-lei 3.199 de 14 de abril de 1941, que vigorou até 1983] então, meu pai não apoiava tanto. Em contrapartida, minha mãe e o meu irmão apoiavam bastante. Sempre joguei na rua com os meninos, depois, no colégio. Fui jogar contra um time de futsal, e através desse time, comecei a disputar a Federação. O São Paulo [Futebol Clube] me viu jogando e pediu para que eu fizesse um teste no campo. 

Nesse início seus ídolos eram homens? Quais foram seus primeiros exemplos femininos? 

A maior parte dos meus ídolos eram homens porque era o que eu mais via. Mas em certo momento, quando começou a surgir o futebol feminino e ter essa ascensão em competições olímpicas, passei a admirar a Sissi e a Roseli, que foram as pioneiras, e dentre elas, muitas outras que tive o prazer de jogar junto. 

Você vai participar de um bate-papo sobre futebol feminino, abordando diferentes aspectos, onde teremos também o lançamento do curta-metragem Luazul. No Sesc Campo Limpo, temos a prática do Futsal Feminino. Como é para você hoje, chegar em um espaço onde o futsal feminino faz parte do cotidiano?  

Sinto que valeu a pena ser perseverante, acreditar que era possível. Porque era um sonho que poucas sonhavam e hoje essas meninas têm muito mais acesso do que eu tive, foi uma luta que valeu muito a pena. Como sempre friso: [uma luta] não só minha, mas de gerações passadas, que também contribuíram com algo para que hoje tivesse essa possibilidade de meninas terem acesso ao futebol. 

Em sua carreira como atleta profissional, como você trabalhava mentalmente para manter a motivação? 

Fui e ainda sou uma pessoa muito ambiciosa para conquistar as coisas. Sempre gostei de me sentir útil a outras atletas, para construir um futebol feminino melhor. Essa era uma das coisas que motivava além do resultado expressivo de competições grandes, que era possível fazer com que outras meninas sonhassem. Sempre tive esse ímpeto de querer cada vez mais, me manter no topo por conta do que eu poderia fazer nessa parte de construção, reconstrução na verdade, do futebol feminino. 

Falando sobre legado, você acredita que já deixou sua marca ou ainda tem muito por fazer? 

Como atleta, o fato de ter me tornado uma lenda da Fifa mostra que tive esse reconhecimento do que apresentei ao longo dos anos. Esse legado, é de dar sempre o meu melhor, de perseverar junto com todas as outras atletas da minha geração, da geração passada, para que outras meninas tivessem condição de sonhar. Hoje a gente vê que as competições estão melhores, recebem um salário melhor, os pais apoiam as filhas a jogarem futebol. Acho que esse foi o maior legado como atleta. E a história continua como treinadora. 

Qual é a visão que você tem sobre o futebol feminino no país?  

Vem numa crescente enorme. Por conta dessa proibição [da prática de futebol feminino, decreto-lei 3.199 de 14 de abril de 1941, que vigorou até 1983] poderia estar muito melhor. Mas vejo que caminha a passos largos, com essas investidas da própria Fifa, que de uma certa forma impulsiona a CBF a fazer algo mais. Nas escolas acho que precisa ser mais bem incentivado, ter iniciação no futebol feminino, ter categoria de base. Isso está começando a acontecer. 

Hoje a CBF obriga os clubes da elite a manterem um time de futebol feminino em paralelo ao masculino. Ainda falta melhor estrutura e planejamento a longo prazo? 

Hoje estão estruturando um pouco melhor, mas é necessário fomentar a nossa categoria desde a iniciação, na verdade até antes. Da mesma forma que os pais jogam uma bola para o menino, seria muito interessante se as meninas também pudessem ter isso desde quando ela começa a andar, e se ela gostar, incentivá-la. A gente vai fomentando e ganhando em quantidade para que se torne possível fazer competições desde a iniciação até o principal. Enquanto isso não é possível, sempre falo que acho muito interessante as meninas terem a oportunidade de jogar com os meninos até uns 13 anos, onde a parte hormonal não interfere tanto. Além da sociabilização, que é onde a gente começa a desconstruir um pouquinho essa parte do machismo: as meninas jogando junto com os meninos e eles entendendo que ela pode sim fazer o que quer. 

No Brasil, tem muito a ideia de que um time para ser vencedor, ele necessariamente tem que estar em primeiro lugar. Você acha que isso está melhorando? 

Com toda certeza. Eu vejo diferença entre gerações, no sentido de a gente sempre colocar o futebol como um prato de comida. A vitória, a busca incessante pela vitória. Porque era bem escasso. E a gente sempre ouvia: “Olha, se vocês não ganharem, isso aqui vai acabar”, então, a gente dava 100% para que outras gerações também pudessem desfrutar disso que vem acontecendo hoje.  

Falta aos dirigentes sensibilidade para entender a relação entre a vitória e o sucesso?  

Já melhorou. Mas há algo cultural também. No Brasil, o segundo é o primeiro dos últimos, e a gente com muito menos acesso ao futebol, muito menos estrutura, comparado a países europeus e aos Estados Unidos, conseguimos um grande feito, que foram duas medalhas de prata em Olimpíada e uma medalha de prata em Copa do Mundo. Olho muito com essa perspectiva, independente do que as pessoas acham. Foi um grande feito com o que a gente tinha. Em relação às outras equipes a gente chegou muito longe, e nós dessa geração valorizamos muito os feitos. 

Como começou essa transição para tornar-se técnica de futebol? 

Comecei a fazer alguns cursos enquanto jogava. Fui para o Lyon [o clube francês Olympique Lyon], que na época era o melhor time do mundo. Lá, eles fizeram um teste avaliando o meu perfil pós-carreira. Foi diagnosticado que era inclinada a liderar processos, como gestora ou como treinadora. Já gostava muito dessa parte tática e comecei a estudar. O [curso de licença de treinadora] da UEFA foi o primeiro. Depois, fui fazer os da CBF. Fiz mais de 40 cursos. Quando me aposentei já estava certa do que eu queria e consegui adicionar a teoria à prática vivenciada, criando minha própria metodologia. 

Estando lá, conseguiu entender por que o Olympique Lyon era referência para o futebol feminino? 

O presidente do clube [o francês Jean-Michel Aulas, que está à frente do Olympique Lyon desde 1999] continua sendo um apaixonado pelo futebol feminino. Por isso, acho que foi feito com muito carinho. Ele entendeu também que poderia ser algo interessante em termos de caixa, porque o Lyon começou a ganhar tudo, a trazer patrocinadores. Quando precisava, conseguiam pegar [dinheiro] do futebol feminino, transferir para o masculino, e numa nova venda, retornaria esse dinheiro para o feminino. O Lyon é um clube formador [de atletas]. Ele foi muito visionário em entender que o futebol feminino poderia ser um “caixa dois”, caso precisasse, além de toda a competência que teve para fazer isso acontecer. 

É bom ter um exemplo sólido de gestão que dá certo, né? 

Com certeza. Que mais pessoas tenham essa visão. O futebol feminino pode sim criar a sua própria receita. Isso só precisava ser estruturado, ter um pouco de paciência e investimentos. 

A gente vive em uma geração muito conectada nas redes sociais. Qual é o desafio para as atletas manterem o foco?  

As gerações mudaram e hoje se proporciona muita tecnologia aos jovens em geral. Acho que esse é o desafio. Eles se movimentarem desde cedo, se conectarem com o esporte, não só com o celular e a tecnologia. Quando você está em alto nível, que é onde estou, penso muito que atleta tem que ser profissional. O que eu posso, é dizer o que é bom ou o que é ruim, talvez ela tenha que experimentar para sentir, e a partir disso, tomar as próprias decisões. Não sou muito de repudiar o que faz, mas para mim é importante ela saber o que é benéfico, qual é o custo-benefício de se desconectar um pouco tecnologicamente e conectar mais com o seu corpo, com a sua mente. 

É um desafio manter a regularidade das atletas e controlar o ego? 

É função de todo líder, né? Mostrar alguns caminhos que podem ser mais interessantes para uma vida de atleta. Controlar ego é muito difícil! Porque isso também tem interferências de como foi criada, a vivência dela com os pais, implica diretamente nisso, mas a função de nós que estamos à frente do processo é mostrar essas coisas: obviamente, é necessário ser humilde, mas não boba, mas o quanto isso vai fazer com que você chegue e continue. O mais difícil é se manter, e acho que quando você deixa um pouco o ego de lado, essa vaidade, a tendência é que você absorva muito melhor essas informações e se mantenha por muito mais tempo no topo. 

No campo ou fora dele, o que te dá mais prazer fazer hoje? 

Confesso que entre ser jogadora e treinadora, a sensação é muito diferente, justamente porque posso contribuir para muito mais pessoas. Consigo ajudar muito mais no sonho de cada atleta, é uma sensação incrível e é isso que me motiva: ser útil para as pessoas. Vai muito além do campo: você dar uma palavra, um reforço positivo, entender a situação que a atleta está passando. É uma sensação inexplicável. É isso que me motiva: acrescentar algo na vida de alguém. 

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