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Reflexões sobre felicidade e dignidade humana

Nos tempos que correm, em que a monumentalidade das questões políticas e econômicas sublevam a essencialidade das questões sociais e culturais, vale retomar a marca de nascença do Serviço Social do Comércio: a Carta da Paz Social - o documento-reflexão que pactua compromissos entre empresários e empregados e estabelece a missão das entidades das áreas de comércio, serviços e turismo voltadas para o bem-estar de seus respectivos trabalhadores.

E mais premente ainda se faz essa retomada por conta do tema principal que a Revista do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc traz a público, constituindo a abertura de sua segunda edição: um dossiê sobre ócio, lazer e tempo livre.

Entre 1 a 6 de maio de 1946, há exatamente 70 anos, no que ficou conhecida como a Conferência de Teresópolis, no Rio de Janeiro, representantes das entidades patronais da agricultura, comércio e indústria se reuniram para assinalar um posicionamento efetivo a favor da justiça social.

Entre os dez tópicos discutidos, que constituem o teor da Carta da Paz Social, formalizada ao fim dessa conferência, estavam presentes temas como “o Estado e a ordem econômica” e a “elevação de nível de vida da população”. Sublinho esses dois pontos para apontar a atualidade da Carta, na qual se lê que “[...] uma sólida paz social, fundada na ordem econômica, há de resultar precipuamente de uma obra educativa, por meio da qual se consiga fraternizar os homens (sic), fortalecendo neles os sentimentos de solidariedade e confiança. ”

Ela é atual na medida em que o argumento, na parte exposta acima,  traz a implicação complexa de que o sentido da paz depende de fatores sociais e subjetivos assentados num tipo de fraternidade que se estabelece melhor – ou somente – fora do sentimento de desordem econômica.

Não se trata de um argumento viciado, em linha economicista, como se o primado do material dominasse o que é da ordem do imaterial e do simbólico, algo que se poderia desconfiar numa primeira leitura; mas, sim, trata-se de um argumento que aposta numa visão de mundo mediada entre as pessoas, ou seja, de pessoas em frente de pessoas, o que leva em conta fundamentalmente a cooperação, a humildade, a esperança e até mesmo a fé, para além de um apelo sem mais à mera racionalidade, como se só ela respondesse pelas ações humanas.

É nessa envergadura que uma obra educativa pode ser entendida, e é essencialmente um ato cultural, posto que educar
(e penso no educar para o viver e para a liberdade, na linha de Paulo Freire, o que já está presente na Carta) depende de ideais, valores, socialização intraparental, relações comunitárias e identitárias, de vínculo local, regional e nacional.

São, portanto, conformações subjetivas, de interiorização, as quais se vinculam à cultura compartilhada pela população e reconhecível por quem dela faz parte e por quem dela também não faz parte, mas pode compartilhar de seus atributos.

A Carta é atual justamente porque traz para o debate, desde 1946, o  primado da educação e, consequentemente, da cultura, sem se restringir ao domínio do econômico. Também reforça entendimentos que hoje fazem parte do vocabulário cotidiano; logo mais à frente no texto, por exemplo, assevera-se a “manutenção da democracia” e o “aperfeiçoamento de suas instituições”, algo que nunca saiu da ordem do dia, num país de histórico relativamente pequeno de perseverança democrática; e do mesmo modo, vincula-se expressivamente a felicidade (individual e coletiva) a um alto e crescente estado de dignidade humana, bem-estar e elevação do padrão de vida.

No que diz respeito à felicidade e dignidade humanas constantes na Carta da Paz Social, a missão do Sesc se requalifica mantendo-se transformadora, e isso acontece justamente nos momentos em que as demandas sociais insurgem-se em forma de novas curvas de necessidades para o alcance desses ideais.

Por isso que, em nosso entendimento, o lazer e o tempo livre são basilares  para o viver bem, principalmente numa sociedade regrada pelo tempo  do relógio e o ritmo alucinado dos compromissos de trabalho, em que o descanso se torna a contraface dessa realidade. Isso significa também que, no Sesc, além das opções de lazer e usufruto de tempo livre que dispomos a público em nossos centros socioculturais e esportivos, mediante atividades de cunho educativo, é possível ainda fazer nada, deixar-se estar à revelia, desencarnar-se.

Aqui, adentramos o ócio, o conceito cuja nomeação traz antecipadamente um sentimento de culpa quase inconsciente, como se fosse um pecado até mesmo pensar e refletir sobre a ociosidade. O que me faz dizer que o principal ganho elucidativo do Dossiê deste número da Revista do Centro de Pesquisa e Formação, que o leitor poderá usufruir, relaciona-se com a multidimensionalidade de seus sentidos.

O ócio é divisado tanto como uma forma de ser quanto como um estado de espírito; uma condição a ser cultivada que depende de uma experiência  autônoma, fora de qualquer relação de utilidade; porém, apresenta-se  orientado para um ideal de felicidade, único porque individual, mas coletivo porque também pode ser pertencente a uma comunidade. O ócio é um conceito que carrega a necessidade da formação integral do ser humano –mais uma vez, a cultura aqui é capital.

Neste Dossiê de abertura da Revista, então, que conta com a apresentação do professor José Clerton de Oliveira Martins, o leitor encontrará sete artigos inéditos sobre as convergências e distinções entre ócio, lazer e  tempo livre. Cabe frisar que um dos artigos esboça uma leitura do lazer e da educação infantil no Sesc.

Em continuidade, publicamos quatro artigos inéditos sobre temas relacionados ao campo da educação e da cultura. E no Dossiê Gestão Cultural, composto pela participação dos ex-alunos do Curso Sesc de Gestão Cultural, turma de 2014-2015, com apresentação do professor José Márcio Barros, publicamos sete artigos que são fruto da pesquisa realizada para
a finalização do curso.

Na entrevista, Angel Vianna traça seu itinerário de vida e formação como bailarina à luz de seus 87 anos e da sua dedicação à dança no Brasil.

Fechamos a Revista com um conto de ficção de autoria de Airton
Paschoa.

Com os votos de uma boa leitura, desejamos que o ócio esteja mais presente
na vida de cada um de nós.

DANILO SANTOS DE MIRANDA
Diretor Regional do Sesc São Paulo