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Eu não consigo respirar

Por André Lima*

Meu nome é André Lima Ferreira. Tenho 45 anos, pai da Rebeca de seis anos, divorciado. Poderia dizer que são 45 anos convivendo com o racismo. Mas não são.

O racismo aparece na sua vida quando você toma consciência de que ele existe. Já não me recordo de quando foi a minha primeira vez. Mas a sequência, a partir de quando se toma consciência, você nunca esquece.

É na entrevista de emprego, é quando você é preterido, deixado por último, é quando os pais da sua namorada te conhecem e se assustam, é quando você nota que é sempre o único em alguns espaços ou pelo menos o único que não está servindo.

Acredito que minha filha ainda não saiba disso. Sente aquela estranheza quando às vezes reclama para mim: “fulana não quer brincar comigo”, ela ainda não sabe bem o por quê. Mas eu sei.

Filha de mãe branca, perfil latino, eu diria, sua mãe não é daquela branquitude nórdica caucasiana. Eu sempre me esforcei por conectá-la às suas raízes, promover uma identificação com o lado negro da família, e fico muito feliz quando ela se representa em desenhos, se descreve como ela mesma aprendeu a se ver: “papai é preto, eu sou marrom, e a mamãe é amarela”.

A gente sofre por antecipação pensando em todas as lutas que ela vai enfrentar por ser negra, mulher, enfim, todos os estereótipos que vai receber em cada momento da vida. Estereótipos que são características inerentes também, nem tudo é negativo. E há que encarar e enfrentar, essa é a vida.

Nesse momento, quero falar de mim, de nós, negros no momento atual do Brasil.

A sequência de acontecimentos trágicos, escancarando o racismo velado, institucional e estrutural, gera um sentimento de revolta. E o fato de nos manifestarmos, ainda que virtualmente, soa como provocação, com pessoas tendo a audácia de minimizar o sofrimento individual das vítimas atingidas diretamente, e do coletivo, que, por solidariedade e humanismo, sofre também.

Já que falta empatia e consciência, proponho que levantemos uma bandeira de luta. Um manifesto, uma atitude, seja simbólica, mas que demonstre claramente que nós, negros brasileiros, estamos juntos e prontos para lutar. Combater com atitudes imediatas, com inteligência, organização e representação.

Eu quero que as pessoas reflitam duas, três, quatro vezes, antes de agredir uma pessoa preta na rua ou virtualmente, nas redes sociais, nos comentários, nas postagens. Que sintam que onde estiver um preto, haverá outras pessoas para defender e reagir.

Chega de pedir desculpas por ser quem você é. A gente não pede desculpas pelo que não escolheu ser: preto, mulher, gay, gordo, não importa.

Parafraseando Martin Luher King, eu tenho um sonho: que a minha filha não precise gritar nunca, em nenhum momento: EU NÃO CONSIGO RESPIRAR!

*André Lima Ferreira, 45 anos, formação tecnólogo, mas ainda não sabe o que vai ser quando crescer. Pai da Rebeca, finge que sabe tocar saxofone. É agente de atendimento do Sesc Sorocaba.

Este relato faz parte de uma série de ações realizadas pelo Sesc Sorocaba dentro do Iorubrá, projeto que potencializa e valoriza as culturas negras. Leia também o manifesto produzido por funcionários da unidade.