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Crescimento econômico

Zeina Latif / Foto: Bruno Leite
Zeina Latif / Foto: Bruno Leite

Zeina Latif, doutora em economia pela Universidade de São Paulo, é consultora econômica da Gibraltar Consulting, com mais de dez anos de atuação no mercado financeiro. Foi economista chefe para a América Latina do Royal Bank of Scotland, após passagem pelos bancos ING Group, Real e HSBC. Foi também professora do Ibmec, da Faculdade de Economia da Universidade Mackenzie e pesquisadora da Fipe. Em 2006, foi incluída pela revista “Forbes” entre as mulheres mais influentes do Brasil.
Esta palestra de Zeina Latif, com o tema “Crescimento Econômico”, foi proferida no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio, Sesc e Senac de São Paulo no dia 9 de maio de 2013.

Nas últimas décadas o comportamento do PIB [Produto Interno Bruto] mundial foi caracterizado por ciclos bem marcados de mais ou menos sete anos. Períodos de crescimento relativamente robusto seguidos de depressão, como foi a de 2009, ou de uma desaceleração muito forte. O ciclo da década passada foi extraordinário, com baixa volatilidade nos mercados, crescimento muito forte, a China entrando no comércio com um impacto enorme sobre as economias emergentes e aumento do preço das commodities. Enfim, foram condições excepcionais.

Como tudo o que é excepcional, não durou e surgiram os problemas, as dívidas, as bolhas e houve uma correção. O ciclo que agora se inicia é mais modesto e sujeito a acidentes. No anterior, a média de crescimento foi acima de 4%, agora a taxa está entre 3% e 3,5%. O comércio mundial cresce a um ritmo muito mais modesto e não se pode fechar os olhos a isso. Estamos num mundo de incertezas, baixo investimento, portanto, o potencial de crescimento encolheu. É uma volatilidade que não se restringe ao mercado financeiro, mas impacta as decisões de investimento do lado real.

Os países desenvolvidos estão enfrentando desequilíbrios de toda ordem, com líderes fracos, que não conseguem encaminhar uma agenda de reformas, pois geralmente é nas crises que se busca angariar apoio político para fazer mudanças. Isso não está acontecendo, porque o clima político não é favorável. Então esses países correm o risco de ter uma década perdida.

Há também mais experimentalismo na economia, taxas de juros próximas de zero, liquidez excessiva e estímulo monetário exagerado. Na verdade, são águas nunca antes navegadas, o que significa que há riscos. Os países emergentes estão sendo afetados e o canal principal é o comércio.

Se o mundo tem um potencial de crescimento menor, não conseguimos ficar isolados. Mas foi a crise que fez o Brasil patinar nos dois últimos anos? Aqui é preciso tomar cuidado: uma coisa é a gente reconhecer que esse ciclo mundial mais modesto tem impacto no Brasil. Outra coisa é dizer que o baixo crescimento dos dois últimos anos ocorreu só por causa da crise. Sabemos que há outros fatores muito mais importantes e uma forma de verificar isso é olhar o comportamento de nossos vizinhos na América Latina. O Brasil se saiu muito bem no pós-crise de 2008, quando teve uma contração menor que os demais. Por outro lado, temos agora um crescimento modesto, muito aquém do esperado. Também em relação ao comportamento do PIB mundial, observamos que o Brasil se descolou do mundo. Então não é possível simplificar, dizer que tudo se deve à crise internacional. Se fosse assim, os demais países da América Latina estariam sentindo a retração.

Quando olhamos os canais tradicionais de contaminação de uma crise externa vê-se que o Brasil segue muito bem. Temos um mercado exportador diversificado. O Chile, por exemplo, depende totalmente do cobre. E ao mesmo tempo o destino de nossos produtos também é bastante amplo, apesar do crescimento da China em nossa pauta. Então não podemos dizer que o Brasil está vulnerável porque nosso canal exportador está fraco. Outro exemplo seriam os indicadores de solvência externa. Apesar de todas as dificuldades, o país continua muito bem e está até melhorando seus indicadores. Continuamos credores líquidos em dólar. Então há questões domésticas que precisamos analisar.

Círculo virtuoso

O economista Samuel Pessoa faz uma análise estrutural, dividindo a economia brasileira em dois períodos, o do governo Fernando Henrique e o de Lula. Na média, no primeiro, o país cresceu 2,7% e no segundo, de Lula, 4%, é claro que com ajuda também do cenário internacional. Segundo o estudo, o grande diferencial desses dois governos foram os ganhos de produtividade, mais amplos no governo Lula, em parte como a própria herança de Fernando Henrique Cardoso, que estabeleceu a base do país, fez privatizações, criou o tal tripé macroeconômico, deixou a economia mais eficiente e estabilizou a moeda. Há também méritos do governo Lula, com várias reformas importantes, a chamada agenda microeconômica, que gerou um aumento do acesso ao crédito; vimos setores urbanos crescer de forma magnífica, consolidou-se o tripé macroeconômico, houve a lei de falência e instrumentos no mercado financeiro foram criados para melhorar a intermediação. Enfim, foram medidas que também geraram aumentos de ganho de produtividade. E finalmente o próprio ciclo econômico mundial, com os preços das commodities subindo, beneficiou a atividade exportadora. Portanto, foi uma combinação que gerou um círculo virtuoso na economia.

Como se inicia o governo Dilma Rousseff? Lembramos que as reformas de Lula foram concentradas no início do governo, então seu efeito sobre a produtividade foi caindo e é preciso retomar as reformas para aumentá-la. Ainda que algumas medidas tenham sido tomadas na gestão Dilma, não tivemos esse ímpeto reformista. Assim, a produtividade sofre. E o cenário internacional é outro, não estamos tendo mais os ganhos em termos de troca. E ainda temos mais ruídos na economia. Houve uma piora do ambiente regulatório e do ambiente macroeconômico e a percepção de intervencionismo estatal crescente desestimula o investimento.

Cada vez mais há evidências de que a inflação não só reduz o poder de compra do salário, mas também diminui o ímpeto para investir. Ela já deixou de ser neutra e a demografia traz uma discussão importante sobre o mercado de trabalho, pois há menos pessoas entrando nele. Então, por todos os lados que se olha, vemos um potencial de crescimento menor. A inflação é a demonstração mais evidente de que o país precisa retomar a agenda de reformas.

Alguns anos atrás, dizia-se que o investimento se aceleraria porque havia o pré-sal, a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos etc., coisas que atrairiam recursos para a infraestrutura. Aconteceu justamente o contrário. Com tanta liquidez internacional, tivemos queda na taxa de investimento. Enquanto no Brasil é de 18%, no Chile e no México está em torno de 25%. Então se nossos vizinhos se saíram tão bem, mesmo tendo taxas de investimento maiores que as nossas, não dá para colocar toda a culpa na crise externa.

Não foi o câmbio

E por que se investe tão pouco? Aí temos questões estruturais de curto e de longo prazo. São coisas que se misturam, mas vou tentar separar um pouco a análise. O investimento do setor privado tem sido baixo e é reflexo da fraqueza da produção industrial. Por que o empresário vai aumentar sua capacidade se a produção está estagnada? Qual o estímulo que tem? O Brasil vinha na última década acompanhando o crescimento mundial, que já é baixo, dado que somos um país emergente, seria esperado que nossa produção crescesse num ritmo mais forte. Depois, quando tivemos alguns excessos pré-crise, nosso ciclo foi mais forte que o do resto do mundo. Com a crise, as políticas de estímulo fizeram a produção industrial crescer mais rapidamente. Mas com essa recuperação, a produção industrial estagnou e a partir de 2010 caiu. No ano passado a queda foi de 2,6%, contra o crescimento de 3,4% no mundo. Convenhamos, não foi só o câmbio que fez isso. É possível que ele tenha limitado o desempenho, mas há mais coisas acontecendo.

Se por um lado temos as vendas do varejo com crescimento chinês (não sei por quanto tempo) e por outro uma produção industrial que não consegue reagir aos estímulos, é claro que o espaço entre demanda e oferta é suprido pelas importações. Elas continuam subindo, mesmo com o câmbio mais fraco de 2012, e reverter esse processo não é brincadeira. O que aconteceu? Como se não bastassem todos os gargalos que o Brasil enfrenta, a sensação que fica é de que eles aumentaram. Se não se fez investimento e houve perda de ganhos de produtividade, isso significa aumento de custos generalizados na economia. O custo específico que cresceu e penaliza muito é o da mão de obra. O fato é que a conta não fecha. Se a produtividade é baixa e os salários crescem acima dela, as margens das empresas ficam comprimidas. Para quem consegue repassar para o consumidor esse custo, como o setor de serviços, ótimo. Mas a indústria não tem essa mesma capacidade de repasse, as margens encolhem bastante e aí a produção para. Se a margem está pequena, para que investir no negócio? Então se criou um ambiente que trava a economia. O custo médio da folha de salários, em termos reais, já descontada a inflação, cresceu 5,6% em 2012. É uma enormidade, pois não tivemos ganhos de produtividade de 5% que justifique isso.

Outro ponto de que os economistas falam pouco, mas considero extremamente importante, é que a inflação de serviços, que está acima de 8%, prejudica também a indústria. Não é possível falar em produção industrial sem lembrar dos serviços. Serviço é um custo, desde a manutenção da máquina, acabamento, distribuição de produtos. Jorge Arbache, da UnB [Universidade de Brasília], afirma que do valor agregado gerado na indústria 56% são serviços. José Pastore sempre lembra a questão do custo da mão de obra no Brasil fora o salário. Entre os Brics [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] temos a mão de obra mais cara. Isso atrapalha muito o investidor.

Há também questões de médio e longo prazo que tiveram piora no curto prazo. Uma delas é o ambiente regulatório, que piorou nos últimos anos. É muito difícil fazer investimento com tanta incerteza, tantas regras, tanta complexidade. O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo e fechar a economia em nada nos ajudou. Pode parecer intuitivo proteger a indústria, mas deu errado.

Nos índices de competitividade temos notas mais baixas que nossos pares, como Chile, Colômbia e México. Na verdade, infelizmente, quando procuramos ver no detalhe onde o Brasil está pior, é tudo associado à intervenção do Estado na economia. Mesmo assim mantemos alguns índices que não são ruins, porque temos um mercado interno que compensa. O fato é que pioramos do ponto de vista estrutural. Então realmente precisamos de uma nova agenda para o país.

Saber fazer

A ideia de que basta fazer a política fiscal não funciona. Primeiro tem de saber fazer, segundo precisamos de um diagnóstico e isso não está claro no país. Se o consumo está aquecido, por que estimulá-lo mais com política fiscal? No fundo é o que ela faz. Para que serve a política fiscal? Ela pode ter duas utilidades, ajudar a administrar a demanda agregada e fazer investimentos para aumentar os ganhos de produtividade.

E o investimento público? Mesmo tendo subido, não conseguimos gerar estímulos ao investimento privado para aumentar a eficiência da economia. O investimento privado não destrava e está concentrado em poucos setores. Isso quer dizer que estamos gastando mal, provavelmente os investimentos públicos não são bastante eficientes para melhorar a infraestrutura, gerar ganhos de produtividade e dessa forma estimular o investimento privado. Alguma peça nessa história não está encaixando.

Nos anos de aperto, 2009 e 2010, foi feita uma política fiscal expansionista, que ajudou o Brasil a ter uma performance superior à dos demais países, mas que teve fôlego curto. Dadas as restrições fiscais, isso não resolve questões de longo prazo na economia brasileira. Há um problema de má alocação de recursos, regras que não são claras, problemas de governança e accountability. Quando juntamos tudo, parece que o Estado não consegue delivery, não consegue entregar.

E o BNDES? Essa instituição foi mudando ao longo do tempo. Criada em 1945, sua função era financiar a infraestrutura. Chegou a auxiliar o governo Fernando Henrique nas privatizações e agora, ainda que se diga que interrompeu essa linha de ação, faz a política de eleger as empresas campeãs nacionais. Trabalhos realizados por especialistas na área mostraram que essa prática não foi bem-sucedida, serviu muito mais para reduzir os custos de funding dessas empresas do que para estimular investimento. Olhando de perto tais empresas, observa-se que a performance em relação à média da economia ou a sua taxa de investimento não cresceu, ocorreu uma redução de custos de funding. Precisamos repensar a atuação do BNDES, que ainda concentra o grosso do financiamento na economia e há evidências de que muitas linhas acabam sendo concorrentes dos bancos privados.

Quanto ao investimento direto estrangeiro, o país é um grande atrativo, mas olhando os números vemos que na verdade poderia ser muito maior; outra má notícia é que ele tem caído. Ainda que o volume seja elevado, US$ 65 bilhões, o fato é que há uma tendência de queda e a culpa disso não é exatamente do cenário internacional. Um dado interessante é que a entrada de capital está muito relacionada ao nosso ciclo de investimento. Quando o Brasil ingressa num ciclo mais forte, entra o dinheiro estrangeiro também. Por isso precisamos renovar nossa agenda para conseguir investir mais e naturalmente atrair investimento estrangeiro, gerando um círculo virtuoso.

A participação do país no investimento mundial cresceu, mas nossa percepção é que, dado o tamanho de nossa economia, poderíamos atrair mais capital, principalmente considerando a liquidez mundial e tantas oportunidades de negócios do Brasil.

Falei das restrições do lado da oferta, mas o desempenho dos indicadores de consumo é bom. Em 2012, o aumento das vendas do varejo foi de 8%, um crescimento chinês para uma indústria que caiu 2,6%. Portanto, temos um país com duas histórias muito diferentes. A agropecuária extrativa, por sua vez, teve uma queda no ano passado em função da piora do ambiente internacional, mas sempre teve performance melhor do que o resto da economia. Esse setor foi muito importante para melhorar nossas contas externas, porque é exportador. Mas ainda que tenha contribuído para melhorar a posição do Brasil no mundo, não tem um peso importante no PIB, não é puxador de crescimento. São setores que, além de terem se beneficiado do ciclo mundial, sentem pouco o custo da mão de obra mais cara, porque eles não são intensivos. Também não sofrem todos os problemas regulatórios e de infraestrutura que atingem os demais, ou mesmo o preço do câmbio, porque o valor desses produtos cresceu tanto até o ano passado que, mesmo com o câmbio instável, conseguem manter margens elevadas. A história está mudando um pouco com o impacto da desaceleração na China.

As bênçãos que tivemos no ciclo econômico passado, que ajudaram o Brasil a virar investment grade, não as teremos mais daqui para frente, pois esses setores já estão começando a sentir um pouco mais. A história da agropecuária extrativa já não é tão brilhante.

Por outro lado, quando olhamos o PIB e o consumo das famílias, não há problema de demanda no Brasil, pelo menos por enquanto, pois esse consumo cresce a um ritmo mais forte que o resto da economia. A questão é que um país não pode contar o tempo todo com a elevação do consumo como motor de crescimento, não é sustentável. Um modelo assim traz duas consequências que estamos vivendo: a piora do saldo em transações correntes e a inflação. Então esse processo tem limites.

Uma das agendas importantes de Lula foi justamente fazer com que o país crescesse e melhorasse a distribuição de renda. Foi a primeira vez que conseguimos isso no Brasil. A distribuição de renda ocorreu não só por causa do Bolsa Família, que retirou pessoas da pobreza, mas não explica o crescimento da classe média. Esse fator na verdade foi fruto de outros ingredientes, como ganhos de produtividade e aumento da renda. A melhora na distribuição de renda no Brasil começou já na gestão de Fernando Henrique e duas variáveis foram as chaves em sua gestão: a queda da inflação e a recomposição do salário mínimo. No governo Lula a melhora na distribuição de renda foi muito mais forte, mais agressiva, assim como a política de salário mínimo. Além disso, as reformas no início desse governo, a agenda Antonio Palocci de aumento da formalização da economia, geraram um crescimento muito forte da renda, principalmente da classe urbana. E também a transferência de renda, com foco na redução da pobreza. Temos hoje essa nova classe média, que é mais de 50% da população, o que significa duas vezes a Espanha ou uma vez a Alemanha.

Falei da necessidade de renovação da agenda política do país, mas infelizmente a proximidade das eleições dificulta isso. Reformas são para início de mandato, é difícil esperar um ajuste macro, quando o ambiente não é propício politicamente.

Comentei aqui sobre abertura, condições de demanda, de oferta, coisas que uma hora convergem. Mas convergir como, com a oferta reagindo ou a demanda caindo? Mais: será uma boa ou má convergência? Hoje estamos no caminho da má convergência, o que preocupa, pois o ambiente político não propicia mudanças. Quem vai discutir reformas nesse momento ou colocar a política macro nos trilhos?

Quadro de paralisia

Considerações finais: o ambiente internacional é outro, o ciclo mundial é mais modesto e afeta o Brasil. Como se não bastasse o ambiente internacional ruim, também enfrentamos problemas porque o sucesso da década passada gerou certa leniência do Brasil. Não fez reforma, não avançou e estamos colhendo os frutos. Fez apenas estímulo ao consumo, mas isso não se sustenta e agora pagamos o preço. Temos desequilíbrio macroeconômico refletido na aceleração inflacionária, intervencionismo estatal gerando incertezas e queda dos ganhos de produtividade, criando um quadro de paralisia.

Fórmulas tradicionais, crédito do BNDES e política fiscal já não funcionam. Atuaram a curto prazo, porque havia um problema de demanda muito claro, causado pela crise. Hoje a questão é de oferta, então aqueles instrumentos já não têm a mesma eficácia. O governo continua falando em política anticíclica, mas não entende que o problema não é a demanda, é a oferta. Melhorou um pouco, mas não totalmente. Insistir nessa fórmula é até contraproducente.

Em minha avaliação, deveríamos ter uma agenda de curto prazo para ajustar a política macroeconômica e não é só Banco Central, é política fiscal e creditícia. Não creio que isso gere desemprego, porque a economia está em pleno emprego, na verdade trata-se de reequilibrar a política macro. E quanto mais cedo melhor, pois estamos caminhando para uma situação em que a demanda também vai ficar mais fraca por causa da inflação.

Com uma agenda de médio e longo prazo, qualquer presidente terá de repensar o país, não há escapatória. É hora de sentar à mesa e negociar, limpar um pouco as distorções que foram colocadas na economia nos últimos anos, como se não bastassem os problemas tradicionais que já tínhamos.

O investidor estrangeiro é um grande aliado, não só porque precisamos dele, mas também porque o investimento externo é até uma forma de estimular um ambiente regulatório melhor para o Brasil. Uma coisa que preocupa é este questionamento: o Brasil vai virar uma Argentina? Alguns anos atrás essa pergunta era impensável, mas hoje não é.

A resposta é que continuo otimista em relação ao Brasil, acredito que temos instituições mais sólidas e uma sociedade que não aceita a inflação. Continuo com essa visão positiva, mas a curto prazo penso que ainda vai ter de piorar antes de melhorar.

Debate

NEY FIGUEIREDO – Não sou economista, minha área é ciência política, mas penso que se tudo desse certo, ainda assim o Brasil não daria certo. Em Santa Maria (RS), onde houve o incêndio naquela boate, um técnico em segurança afirmou que se tudo funcionasse – extintores, mangueira, água –, ainda assim morreriam muitos, porque não havia saída. No Brasil também é assim, sem infraestrutura é impossível crescer, não temos portos, aeroportos, estradas, energia.
Outra coisa: é difícil cumprir essa agenda política por causa do arco de alianças que Lula compôs, em que é impossível discutir qualquer coisa. Para terminar, Delfim Netto disse que a economia mundial está se desenvolvendo pelo lado do Pacífico – Chile e Peru – e vai para o México, para a costa leste dos Estados Unidos e dali para o Japão e a Coreia. Então estamos fora da rota. A senhora concorda com isso?

ZEINA – Quanto à infraestrutura, se o Brasil, crescendo 2,7% no ano retrasado e 2,9% no seguinte, teve portos parados, imagine se tivesse mantido o ritmo de 3,5% ou 4%. Ia implodir, teríamos racionamento, apagão de todos os lados. Quando falo em mudar a agenda do país, quero dizer que o Estado deve atrair mais a iniciativa privada, dar-lhe mais condições, limpar a mesa das questões regulatórias. Fernando Henrique estabilizou a moeda, modernizou o Estado, fez privatização. Lula consolidou esse processo e melhorou a distribuição de renda. E qual é a agenda de hoje? Não sei.

ZEVI GHIVELDER – Há agenda ideológica?

ZEINA – Exatamente por causa desse tipo de risco é que se pergunta tanto se o Brasil vai virar uma Argentina. Por isso coloco a importância de uma renovação da agenda política. A questão agora é investir em infraestrutura, melhorar as condições de oferta e deixar o setor privado livre para trabalhar, porque liquidez existe, há recursos, mas precisamos de mais segurança jurídica e de um ambiente regulatório favorável.
Em relação à dificuldade para fazer acordos, precisamos de uma reforma política, pois o desenho partidário não favorece reformas. Muitas vezes resta a estratégia de comer pelas bordas, mas neste momento nem isso estamos conseguindo fazer.
Como Delfim Netto afirmou, realmente o Brasil está isolado do ponto de vista geográfico e nada fizemos para melhorar esse quadro. Por que não reativar o comércio atlântico? Por que o Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo? Privilegiar o Mercosul foi um equívoco, os países da América Latina voltados para o Pacífico têm vários acordos bilaterais muito mais interessantes que os nossos. A agenda para melhorar o comércio com o mundo está na mesa, podemos abrir mais a economia.

FRANCISCO BARBOSA – O Brasil contribui com cerca de 1% do comércio internacional e não acredito que essa participação, mesmo que fosse bem maior, consiga contaminar a economia interna. A crise de 2008, nos Estados Unidos, poderia ter contaminado o mundo, mas a China, maior exportador para os americanos, teve apenas uma pequena oscilação, não foi atingida. Ou seja, não existe contaminação entre países, a não ser em condições muito especiais, como no caso da nação que produz apenas petróleo. Por outro lado, o câmbio é o grande problema da indústria brasileira.
Durante o período do real, de 1994 até 2012, houve seis desativações industriais graves e a atual é a mais longa. Elas significam uma flutuação completa, ou seja, muita volatilidade da economia brasileira. Isso acontece desde 1980, tornando fraco nosso crescimento. Em parte atribuo ao câmbio, mas principalmente à política monetária do Banco Central, por um fato muito simples: o setor produtivo é muito mais sensível à taxa alta de juros do que o consumidor.

ZEINA – Discordo na questão da contaminação externa. No baixo desempenho da economia brasileira, o cenário internacional tem uma influência marginal. Mas ao longo do tempo, pensando no cenário de médio e longo prazo, o ambiente externo é relevante. A correlação entre o ciclo econômico do Brasil e o mundial é muito clara, ainda que o nosso seja mais volátil. Por mais que uma economia esteja fechada para o comércio, ela sente a influência internacional. Isso ficou muito claro em 2008, quando houve um colapso do crédito mundial que influenciou o crédito no Brasil. Então, mesmo para uma economia mais fechada, a queda de 30% da exportação de manufaturados não é brincadeira. Outro canal, pouco lembrado, é a confiança do empresário, muito sensível ao cenário internacional.
Em relação ao câmbio, a literatura é controversa. Se ele fica muito tempo fora de um suposto equilíbrio, tem impacto nas condições de oferta. O consumidor sai beneficiado, pois o câmbio apreciado ajuda a conter a inflação, mas prejudica os setores da manufatura tradicional. Não sou xiita a ponto de acreditar que o câmbio só mexe em condições de demanda e não interfere nas de oferta. Meu ponto é que o problema vai muito além do câmbio.
Em relação aos ciclos do PIB, sempre foram voláteis, uma gangorra o tempo todo, desde a República. A política monetária, no final das contas, é muito mais reflexo disso do que causa.

MANUEL HENRIQUE FARIAS RAMOS – Como empresário, quero me posicionar contra o pessimismo que foi colocado aqui. O Brasil saiu da crise de 2008 graças ao mercado interno. Então, quando falamos em abertura, precisamos saber como fazê-la. Um sociólogo polonês, o Zygmunt Bauman, utilizando dados de 1991 da ONU, mostrou que a globalização pauperizou os pobres. Então, ao falar em abertura, é preciso saber como vamos ficar.

ZEINA – Você afirmou que tinha uma posição mais otimista e não consegui ver otimismo em seu discurso. Sobre o mercado interno, você tem razão, todos os estímulos criados em 2009 e 2010 foram para ele, isso foi importante. Meu ponto sobre a abertura comercial é este: a primeira coisa é que o Brasil está muito isolado e precisa se inserir nas cadeias mundiais, ainda que seja para ser fornecedor de insumos. A competição é saudável. Temos vantagem comparativa em vários setores. Aliás, Jorge Gerdau, meses atrás, afirmou num seminário que com o grau de distorções do sistema tributário, tão cumulativo, já não sabemos mais onde o Brasil tem vantagem comparativa. Então precisamos limpar a mesa. Reduzir a carga tributária e descobrir em que somos fortes, explorar as vantagens comparativas e abrir a economia para estimular o investimento, a inovação. Mas essas coisas têm de vir juntas, senão prejudicamos a indústria.

MANUEL HENRIQUE – Portugal assinou o Tratado de Methuen com a Inglaterra [1703], aplaudido pelo economista David Ricardo. Os portugueses produziam os melhores vinhos e os ingleses, os melhores tecidos, só que Portugal ficou atrasado na história e a Inglaterra avançou. Portanto, precisamos tomar muito cuidado com nossas commodities.

ZEINA – Vamos pensar no conceito moderno de vantagens comparativas, não naquela velha ideia mercantilista.

CLÁUDIO CONTADOR – Concordo que a curto prazo estamos com o problema de resgatar, dentro de uma agenda saudável, o tripé que foi câmbio, juros e gastos da administração Fernando Henrique, acoplado a reformas. A médio e a longo prazo, talvez mais para o longo prazo, sou razoavelmente otimista. Estamos observando claramente uma fadiga dos instrumentos de estímulo pelo lado da demanda. Lembro que o Japão insistiu muito nesse lado e teve fadiga de material, ao contrário da Coreia e da China que enfatizaram a oferta. É muito difícil conciliar as três vertentes que temos hoje: a inclusão social, a democracia e o crescimento econômico. Se olharmos alguns bons exemplos, como o da China, vemos que falta alguma coisa nesse tripé. O Brasil já teve crescimento chinês, mas sem democracia e com concentração de renda durante a época do “milagre econômico”.
Finalmente, acredito que aprendemos com as crises, desde a do petróleo, que foi fantástica para o país, pois gerou a Embrapa e diversas mudanças tecnológicas. Portanto, tenho certeza de que dentro de 20 a 30 anos estaremos mais imunizados a esse respeito.

ZEINA – Concordo, acredito em nossas instituições e no bom pragmatismo, no sentido de termos políticos que vão entender a necessidade de renovação. Infelizmente, na ciência política vemos que é somente na crise que se fazem ajustes. Passamos por anos brilhantes e isso nos acomodou, não fizemos reformas. Temos lições importantes para lembrar e não sou pessimista no longo prazo.

LUIZ GORNSTEIN – Gostaria de ouvi-la sobre o que acontece nos Estados Unidos, onde a produção industrial está renascendo.

ZEINA – A capacidade de reação da economia americana é invejável. Um exemplo é a inovação tecnológica do gás de xisto, que reduziu o preço do produto e obviamente beneficiou a indústria. Tem um pouco a ver com o encarecimento da mão de obra na China, que está gerando uma reestruturação das estratégias das empresas, beneficiando o México. Mas os americanos conseguiram ter reações rápidas à crise, ainda que com um experimentalismo que poderá trazer problemas adiante. Essa é uma lição para o Brasil, de como é importante estimular a inovação e os ganhos de produtividade na economia.

JOSÉ ROBERTO FARIA LIMA – Parece que no Brasil o passado não passa, o futuro nunca chega e continuamos a viver uma realidade triste. Alguma coisa precisa realmente ser feita. Quanto à inovação, ela resulta da aplicação sistemática de tecnologia, que vem da pesquisa, e tudo isso está nas mãos das grandes empresas internacionais. Foram elas que fizeram esses rearranjos todos, que inventaram a China como a nova zona industrial do planeta. E os americanos querem recuperar sua própria indústria, com estímulos econômicos ao México.

JOSEF BARAT – Concordo que a situação é crítica a curto prazo e o que se observa são políticas fragmentadas em todos os níveis de decisão, sem uma visão abrangente da transição. O favorecimento a determinados grupos empresariais é muito nítido, com políticas que visam esses grupos, porque o único objetivo é fortalecer alianças para eleição, financiamento de campanha etc. Então como sair da armadilha do curto prazo? Você falou dos acordos bilaterais, e lembro que, anos atrás, a ex-embaixadora americana fez uma palestra aqui, dizendo de uma forma objetiva e franca que era muito mais negócio para o Brasil ter firmado um acordo bilateral com os Estados Unidos do que insistir com o Mercosul, carregando a Argentina nas costas. Como é que se faz uma transição num contexto desses?

ZEINA – Acho que o governo tem boas intenções, sinceramente. Quando analiso algumas políticas, as falas da presidente e de membros do governo, penso que há boas intenções. Às vezes, são diagnósticos com os quais não concordo, visões diferentes, mas também devo imputar a responsabilidade disso à oposição. Onde ela está? Agora começa a aparecer alguma coisa por causa do clima eleitoral. Mas onde estava a oposição nos últimos dez anos? Em que contribuiu para o debate? Nas últimas campanhas presidenciais, que debate econômico houve no país? Então não é culpa do atual governo, existem responsabilidades de vários grupos e elas têm de ser compartilhadas. Quem sabe a crise seja um gatilho para discussões mais profundas. Qual é nossa estratégia, qual é nosso plano? O que queremos do país? Que tamanho de governo precisamos?

ZEVI GHIVELDER – Vejo no Executivo uma posição antiamericana, que me parece infantil a esta altura. No Legislativo, não vejo perspectiva de melhoria. Fiquei muito surpreso com sua afirmação, de que me permito discordar, de que existirá uma luz no fim do túnel se tivermos líderes que sejam mais capazes para conduzir melhor este país. Não é um pouco de exagero de otimismo?

ZEINA – Eu não disse isso. Acredito nas instituições brasileiras, esse foi meu discurso, e na capacidade de nossa sociedade de repudiar a inflação alta e reagir. Não estou esperando um redentor, qualquer que seja o novo presidente terá de fazer uma arrumação, repensar a agenda política do país. Em minha opinião, já estamos correndo o risco de sofrer retrocesso em relação às conquistas da última década e vejo cada vez mais sinais de enfraquecimento da economia. Apesar dos avanços na distribuição de renda na última década, que é um exemplo para a experiência internacional, o fato é que continuamos sendo um país muito desigual, em que 70% das pessoas ganham menos de R$ 1 mil por mês. Precisamos, sim, de crescimento mais elevado. Discordo da visão de que não temos de crescer tanto assim porque o aumento populacional é menor, pois a desigualdade ainda é muito grande.
Qualquer partido que tenha um projeto de poder precisa promover o crescimento. E o melhor caminho neste momento, dada a agenda que se coloca no país, é destravar o lado da oferta. Nossa situação é diferente da Europa, que não tem tendência para o consumo. Aqui a disposição para o consumo é enorme e o crédito tem espaço para crescer, mas precisamos de condições pelo lado da oferta. Qualquer partido que quiser se manter no poder terá de entregar mais crescimento econômico e já ficou muito claro que apenas estimular o consumo não está funcionando.