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Foto: Leila Fugii
Foto: Leila Fugii


Após décadas de impasses sobre mobilidade urbana, São Paulo necessita desatar o nó do trânsito e viabilizar alternativas para o uso diário dos carros


Na década de 1960, o automóvel era uma espécie de estrela das rádios brasileiras: “Meu carro é vermelho, não uso espelho pra me pentear”, cantava Eduardo Araújo em O Bom; “Mandei meu Cadillac pro mecânico outro dia”, entoava Roberto Carlos em Calhambeque; “Entrei na Rua Augusta a 120 por hora”, versava Ronnie Cord em Rua Augusta. As músicas reproduziam a opinião pública, que exaltava o carro como meio de transporte ideal e símbolo de sucesso. Recentemente, os problemas de mobilidade urbana têm feito essa imagem mudar pouco a pouco. Hoje, em São Paulo, além de ser improvável que alguém entre na Rua Augusta a 120 km/h (segundo a Companhia de Engenharia e Tráfego – CET –, a velocidade média na capital paulista é de 18 km/h), começa-se a questionar o modelo “carrocêntrico”.

Para o engenheiro civil e sociólogo Eduardo Vasconcellos, a abertura a diferentes modos de locomoção se deve a dois fatores. “O primeiro é o claro esgotamento do modelo pró-automóvel, no sentido de as pessoas perceberem que a ampliação do sistema viário não reduz o congestionamento”, observa. “O segundo é a visão da juventude atual, influenciada pelo movimento ambientalista internacional, apoiando formas amigáveis de transporte, como andar a pé e de bicicleta, e pedindo transporte coletivo com mais qualidade.”

Para que o modelo “carrocêntrico” seja superado, segundo o engenheiro, seria preciso rever o apoio a esse meio de transporte. “O Estado brasileiro tornou-se sócio e refém da indústria automobilística e, por isso, evita-se adotar medidas de restrição ao uso excessivo do automóvel”, opina. Eduardo completa que, tomando como exemplo a experiência em outros países, o sistema só se transformará quando forem cobrados os custos sociais e ambientais do uso do carro em um sistema congestionado, além da garantia de maior qualidade e segurança para quem quiser caminhar, usar bicicleta e transporte coletivo. “A maior parte das pessoas na Europa tem carro, mas elas o usam menos porque o custo desse uso em grandes cidades é entre cinco e seis vezes o do transporte coletivo”, compara.

Na opinião do consultor em mobilidade urbana e um dos líderes da rede Bicicleta para Todos Daniel Guth, as mudanças de comportamento em relação ao uso de carro em São Paulo fazem parte de um processo que ocorre desde a década de 1980 e têm sido ampliadas com a implantação das ciclovias e ciclofaixas. “Essas ciclovias vão maximizar um processo histórico que já estava em curso, e isso é excelente”, afirma.

Daniel refere-se à meta da prefeitura de implantar 400 km de ciclovias na capital até o final da gestão atual. Outra meta é a ampliação do número de corredores exclusivos para ônibus. Após a construção de mais de 350 km de corredores, a CET registrou um aumento de 45% na velocidade média dos ônibus na cidade.

Relação com a cidade

A imagem do carro como veículo associado à liberdade vem perdendo força, como constata Daniel. “Por muito tempo, a publicidade esteve voltada para vender um sonho associado à criação de uma autonomia”, diz. “Como o sistema foi se colapsando, isso virou muito mais uma peça de marketing do que a realidade, porque, a partir do momento em que você tiver a experiência de dirigir em São Paulo, você vai ter exatamente o estímulo contrário. Vai ser chato, estressante, difícil, caro.”

Deixar o carro na garagem e buscar outras formas de locomoção pode significar uma mudança na maneira como nos relacionamos com a cidade. “Quando a pessoa passa a caminhar ou pedalar, por exemplo, ela passa a entender a cidade de forma mais crítica, a ver as pessoas, sentir cheiros, ver cores, fachadas”, acrescenta Daniel, citando como exemplo a cidade de Bogotá, na Colômbia. Lá, o aumento na infraestrutura de ciclovias elevou de 1% para 5% o uso de bicicletas. “Caíram os índices de criminalidade, melhorou o uso dos espaços públicos e a fluidez”, ressalta. “A gente não pode olhar apenas a eficiência e a capacidade de atendimento de um modo de transporte, desconsiderando tudo o que simbolicamente e na prática está embutido naquela maneira de se deslocar.”

O engenheiro inglês especialista em segurança no trânsito Philip Gold, que se mudou de Londres para o Brasil há mais de 30 anos, percebe que São Paulo começa a viver algo parecido com o que ocorreu na capital inglesa nas últimas décadas. Ele conta que, quando morava em Londres, dizia-se ser impossível criar ciclovias na cidade. Aos poucos, contra a vontade de quem usava automóvel, instalou-se uma rede cicloviária que hoje tem 40 km. “Atualmente, Londres oferece diversas possibilidades de locomoção. Há restrição para dirigir no centro, mas existem opções de metrô subterrâneo, trem de superfície, transporte pelo rio, ônibus, ciclovias e boas condições para caminhar a pé”, descreve Philip. “Foi uma mudança de comportamento.”

Recentemente, em São Paulo, Philip observou uma transformação similar ocorrer na própria família: a filha de 38 anos passou a utilizar a bicicleta para fazer o trajeto Perdizes-Bom Retiro, entre a casa e o trabalho. Apesar de ela e o marido terem um carro, atualmente o utilizam apenas quando necessário, para fazer grandes compras ou levar a filha em algum lugar, por exemplo. Para Philip, esta seria uma tendência possível para o futuro da capital paulista: “As pessoas podem até possuir um automóvel, mas sabendo que não precisam usar só o carro como meio de transporte”.


Números do trânsito paulistano

Aumento das viagens por modo entre 2007 e 2012
(Pesquisa de Mobilidade Metrô SP; 2012)

aumento de 9% a pé
aumento de 19% de carro
aumento de 44% de moto
aumento de 45% metrô
aumento de 55% taxi
aumento de 62% trem
 

Paulistanos que têm carro em casa
(Pesquisa de Mobilidade Urbana Rede Nossa São Paulo e Ibope, 2014)
2013 - 52%
2014 - 62%


Tempo médio gasto no trânsito por dia
(Fonte: Pesquisa de Mobilidade Urbana Rede Nossa São Paulo e Ibope, 2014)
CARRO - 2h53
ÔNIBUS - 2h46

Paulistanos que usam o carro diariamente
(Pesquisa de Mobilidade Urbana Rede Nossa São Paulo e Ibope, 2014)
2013 - 27%
2014 - 38%

Paulistanos que utilizam bicicleta como meio de transporte
(Ibope, 2014)
2013 - 174,1 mil
2014 - 261 mil


Taxa de Motorização na Grande São Paulo
(Pesquisa de Mobilidade Metrô SP, 2012)
2007 - 1,94 carros para cada 10 habitantes
2012 - 2,2 carros para cada 10 habitantes


Consideram o trânsito da cidade como ruim ou péssimo
(Pesquisa de Mobilidade Urbana Rede Nossa São Paulo e Ibope, 2014)
70%


Deixariam o carro na garagem se considerassem existir uma boa alternativa de transporte 
(Pesquisa de Mobilidade Urbana Rede Nossa São Paulo e Ibope, 2014)
71%

 

Cultura do pedal

Passeios ciclísticos, palestras, oficinas, ações educativas e outras atividades buscam difundir a bicicleta como meio de transporte, lazer e atividade física


Criados há 15 anos, os clubes do pedal do Sesc têm como objetivo a realização de passeios e atividades com a bicicleta, além de proporcionar um encontro e espaço de convivência entre os praticantes da atividade. Hoje os clubes do pedal acontecem nas unidades de Belenzinho, Bom Retiro, Pinheiros, Birigui, Campinas, Piracicaba, Ribeirão Preto, Santos e Sorocaba. Para participar da atividade, que é gratuita, basta fazer a inscrição na unidade de interesse.

A bicicleta também está presente em outras programações do Sesc, como palestras, oficinas, passeios ciclísticos e roteiros turísticos. “Além de um meio de transporte, a bicicleta é considerada uma excelente opção de lazer e de atividade física, que auxilia no condicionamento físico dos praticantes e, consequentemente, na saúde e no bem-estar”, explica a assistente técnica da Gerência de Desenvolvimento Físico Esportivo Carol Seixas.

As unidades desenvolvem projetos como o Pedalar (Sesc Bauru), Pedala Cidadão (Pinheiros), Bicicletada (Santana), Bicicletando (Sorocaba), Ciclorrota (Itaquera), Pedal Belém (Belenzinho), Bicicletar (Bom Retiro) e Pedaladas (Santos). Entre as atividades, estão vivências, saídas orientadas para iniciantes, passeios pela cidade, trilhas, oficinas, programação destinada a pais e filhos, ações educativas e programas relacionados à mobilidade urbana, com o objetivo de desenvolver a cultura do pedal de forma consciente e crítica.

No mês de janeiro ocorrem atividades integradas ao projeto Sesc Verão em diversas unidades do estado.