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Desgaste nas articulações

Primeiro atinge as mãos, depois outras partes do corpo / Foto: Adam Gault/Science Photo Library
Primeiro atinge as mãos, depois outras partes do corpo / Foto: Adam Gault/Science Photo Library

Por: MILU LEITE

Dores nas articulações ainda nos remetem à ideia de que estamos diante de sinais inequívocos do envelhecimento. Quem nunca ouviu a piada “Estou na idade do condor, com dor aqui, com dor ali...” numa roda de amigos com mais de quarenta anos? Ocasionada inicialmente pelo desgaste das articulações, a osteoartrite, o nome do mal, é uma das causas mais frequentes de dor musculoesquelética, doença que causa incapacidade para o trabalho em todo o mundo. Apesar de ser prevalente em idosos, a enfermidade atinge também adolescentes e adultos jovens, e está relacionada à capacidade funcional. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 80% da população global com mais de 65 anos tem a doença. Ela é a terceira maior causa de afastamento do trabalho no Brasil, ficando atrás apenas das dores nas costas e da depressão, segundo dados da Previdência Social. Tem mais: o Ministério da Saúde informou recentemente que a osteoartrite afeta cerca de 15 milhões de brasileiros.

Durante muitos anos, ela foi considerada doença progressiva, natural com o avançar da idade e, portanto, sem perspectivas de modificação em seu curso evolutivo. Nas últimas duas décadas, porém, médicos e especialistas descobriram que a doença, apesar de crônica, pode ser controlada com o uso de terapias associadas. Essa mudança no trato da enfermidade tem a ver, sobretudo, com uma nova maneira de encarar seus sintomas, evolução que levou, inclusive, à alteração de seu nome. Se antes a designação artrose (osteoartrose) parecia suficiente para classificá-la, hoje o termo é usado apenas quando se quer fazer referência específica à degeneração da cartilagem. Artrite e artrose são expressões compostas pelo prefixo “artro” – originário do grego arthros, que significa articulação. Ora é justaposto ao sufixo “ite”, usado para designar um processo inflamatório, ora ao sufixo “ose”, aplicado para dar nome a um processo degenerativo, detalha o reumatologista Antonio Carlos Novaes, coordenador do site osteoartrose.com.br.

A denominação mais aceita internacionalmente para a doença, como preconiza o Projeto Diretrizes, da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) de 2003, é osteoartrite por englobar aspectos diversos e não somente o processo degenerativo. “Atualmente, preferimos denominá-la osteoartrite, pois sempre existe algum grau de inflamação nesse processo”, esclarece Arnaldo José Hernandez, ortopedista e traumatologista do Hospital Sírio-Libanês.

Para entender como a doença é gerada, se desenvolve e se intensifica, é preciso mergulhar no interior das células. É ali que tudo começa. Uma articulação normal é formada por células chamadas condrócitos, e a função básica delas é produzir todas as substâncias necessárias para o bom funcionamento da cartilagem articular. Esta, por sua vez, é um tipo especial de tecido que reveste dois ossos que de algum modo se articulam entre si. O joelho, por exemplo, é uma articulação móvel que conecta o fêmur à tíbia (coxa à perna) e, se ele não funciona bem, a vida pode se tornar muito complicada e dolorosa.

Pois bem, uma das substâncias fundamentais fabricadas pelos condrócitos é o conhecido colágeno. Essa singular celebridade, vendida em cápsulas para ser ingerida mediante a promessa de elasticidade e vigor da pele, tem como finalidade primeira agir como uma malha de sustentação para reter as outras substâncias importantes no interior das cartilagens. Quando algo não vai bem dentro das células, temos um grande problema para as articulações, um quadro pintado de negro que explica a prevalência da doença na velhice. “Com o processo de envelhecimento, a capacidade de formação de cartilagem através do condrócito diminui”, elucida Novaes. Segundo ele, pacientes que se submeteram a tratamentos com uso de radioterapia ou quimioterapia podem ter o agravamento de sintomas específicos de algumas doenças musculoesqueléticas por comprometimento da atividade dos condrócitos. “Sarcopenia (perda de massa muscular) e osteoporose (perda de massa óssea) são exacerbadas por estes procedimentos”, exemplifica.

Dor e inchaço

Não são apenas os condrócitos, entretanto, os agentes de uma boa função articular. O líquido sinovial (que lubrifica essas conexões) e os ligamentos (que as mantêm estáveis e interligadas) são atores indispensáveis desse complexo sistema. Alterações em quaisquer destes elementos podem resultar em degradação articular (osteoartrose). Estes processos, na maior parte das vezes, geram inflamações articulares (artrites). Vale destacar que artrite e osteoartrite (artrose, osteoartrose) são doenças diferentes, mas podem ter sintomas parecidos. Os principais sintomas da artrite são dor, vermelhidão, inchaço e dificuldade para mover uma ou mais articulações.

Há diversos males relacionados à artrite, incluindo a artrite reumatoide. Outras doenças ou condições também apresentam inflamação articular, casos da febre reumática, da espondilite anquilosante, da gota, do lúpus, da psoríase, de trauma articular e das infecções (artrite séptica), entre outras. “Tanto a artrite quanto a osteoartrite podem levar à dor e à incapacidade, mas o tratamento das duas condições é bastante diferente”, explica a reumatologista Licia Maria Henrique da Mota, coordenadora da Comissão de Artrite Reumatoide, da SBR. “Portanto, em caso de dor articular, com ou sem inchaço, deve-se procurar um médico especialista que fará a investigação e dará início ao tratamento adequado para cada condição.”

A artrite pode começar com apenas uma ou com poucas articulações inchadas, quentes e dolorosas (artrite ou sinovite). A dor é geralmente acompanhada de rigidez na movimentação das articulações, principalmente pela manhã, e pode durar horas, sintoma conhecido por rigidez matinal. O quadro clínico mais comum é caracterizado pela artrite nos dois lados do corpo, especialmente nas mãos, punhos e pés, que evolui para as articulações maiores e mais centrais como cotovelos, joelhos, ombros, quadris e tornozelos. Em todos os pacientes as mãos, invariavelmente, são acometidas (o cansaço também é uma manifestação frequente). A evolução é progressiva sem o tratamento adequado, determinando desvios e deformidades decorrentes do afrouxamento ou ruptura dos tendões e das erosões articulares. O diagnóstico rápido é essencial, pois quando o tratamento é correto e precoce pode prevenir o aparecimento de deformidades, além de melhorar a qualidade de vida da pessoa portadora da doença.

Atualmente, há catalogados 250 tipos de artrite. Parte deles atinge preferencialmente as crianças – caso da febre reumática –; outros, como a osteoartrite, incidem mais sobre adultos e principalmente idosos, e há casos em que ela aflige os três grupos, como a artrite reumatoide, cuja vilania habita os piores pesadelos de quem recorre a um reumatologista pela primeira vez. E com razão. “Trata-se de uma doença crônica cuja principal característica é a inflamação das articulações (juntas), embora outros órgãos também possam estar comprometidos”, salienta Licia Maria. O surgimento da enfermidade decorre de vários fatores que incluem, por exemplo, a predisposição genética, a exposição a fatores ambientais e, possivelmente, as infecções. A causa mais importante, sem dúvida, é a herança genética, acreditando-se que alguns genes possam interagir com os outros fatores causais da doença. Apesar desse conhecimento, sabe-se que alguns pacientes não têm tais genes e a presença deles não significa, necessariamente, que a enfermidade poderá se instalar no indivíduo.

“Além dos fatores genéticos, inúmeras bactérias e muitos vírus foram investigados como possíveis causadores da artrite reumatoide, mas, até o momento, nada ficou esclarecido. Infecções periodontais podem predispor ao aparecimento da doença, porém, as novas descobertas ainda precisam ser confirmadas”, explica a médica da SBR. Ainda em relação à sua causa, é sabido que os fumantes têm grande probabilidade de desenvolver a doença – e isto pode acontecer até mesmo com os fumantes passivos. Outros fatores de exposição ambiental, como os poluentes do tipo sílica, também elevam o risco de desenvolvimento da doença. “Fatores hormonais também estão relacionados com a artrite reumatoide e isto, por si só, explica o fato de a enfermidade se pronunciar três vezes mais em mulheres e apresentar melhora clínica na gestação”, esclarece Licia Maria. Todavia, embora prevalente em mulheres com idade entre 35 e 50 anos, a artrite reumatoide pode despontar em qualquer faixa etária, da infância à terceira idade.

Exercícios físicos

Uma coisa é certa: por ora, ela não tem cura, mas se tratada de forma precoce e adequadamente, apresenta uma boa evolução, com grande melhora e até o desaparecimento dos sintomas. O tratamento correto pode evitar deformidades e incapacidade, ensinam os especialistas. Os medicamentos que controlam a doença são os que regulam a autoimunidade exagerada, diminuindo a inflamação e suas consequências para as juntas e outros órgãos. Eles formam a classe dos imunossupressores que funcionam muito mais como reguladores do sistema imunitário. Na reumatologia são denominados medicamentos antirreumáticos modificadores e controladores da doença, e podem ser sintéticos ou fabricados por engenharia biológica (conhecidos como agentes biológicos ou apenas como “biológicos”). Licia Maria destaca que muito se avançou no tratamento da artrite reumatoide, e que quanto mais cedo for feito o uso desses medicamentos específicos, maior e melhor será a resposta. Após o controle da doença, é necessário manter o tratamento específico por tempo prolongado, e, em alguns casos, é possível diminuir ou até suspender os medicamentos.

Outro aliado importante no tratamento são os exercícios físicos, exceto nos períodos de crise. Quem sofre de artrite reumatoide pode e deve praticar atividade física, com acompanhamento de profissional qualificado, sobretudo para manter o condicionamento cardiovascular. É também importante conservar o fortalecimento da musculatura como um todo, pois ela dá sustentação às articulações. As atividades não devem ser exaustivas e nem causar impacto, e nos períodos de atividade da doença, o repouso deve ser indicado. “Um programa específico de exercícios pode ser orientado pelo médico, fisioterapeuta ou educador físico, após avaliação cuidadosa de cada caso”, diz a reumatologista.

A osteoartrite acomete todas as raças, contudo, é mais frequente em brancos, mulheres e em obesos. O aumento da longevidade, do excesso de peso e da exposição ao trauma (exercícios físicos com carga) tem tornado essa situação cada vez mais frequente.

Do ponto de vista clínico, a osteoartrite se divide em dois grupos. O primeiro, denominado de osteoartrite primária, é formado por indivíduos que já dispõem de um patrimônio genético relacionado à doença. Nestes casos, a patologia poderá se desenvolver independentemente de fatores externos.

O segundo grupo, denominado osteoartrite secundária, é formado por pessoas que, em virtude de algum fator agressivo acontecido em determinado período de sua vida, passam a amargar a patologia. Fazem parte deste grupo as pessoas muito obesas, aquelas que sofreram algum traumatismo articular (entorses, fraturas, luxações), as que passaram por algumas alterações hormonais específicas e as que praticam esportes com traumatismos de repetição ou esportes de desaceleração. Esses indivíduos, em especial, fazem parte de um grupo de risco e devem iniciar, portanto, algum tipo de tratamento preventivo precocemente, a fim de evitar ou minimizar os efeitos da enfermidade.

A osteoartrite afeta poucas pessoas antes dos 40 anos de idade, mas é muito comum após os 60 anos. Apesar dessa prevalência, a primeira recomendação feita aos médicos no Projeto Diretrizes da SBR é para que não vinculem a doença ao envelhecimento. Sabe-se hoje que a idade é um dos principais fatores de risco, mas não é o único. Outras recomendações dizem respeito à motivação e o envolvimento do paciente no programa de reabilitação, orientações acerca de atividades físicas e esportivas, no uso de rampas e escadas e na observância da ergonomia do trabalho doméstico ou profissional.

Além da idade, outros fatores de risco para osteoartrite secundária são a obesidade (principalmente no caso da artrose do joelho), o sedentarismo e pertencer ao sexo feminino. As articulações atingidas pela doença são a coluna, os joelhos, o quadril e as mãos. As articulações distais, notadamente a interfalangiana distal, localizada mais perto das unhas, são as mais afetadas e costumam provocar a formação de pequenos caroços, chamados nódulos de Heberden. A progressão da doença, em geral, se dá com o surgimento de uma modificação na cartilagem articular. Um processo inflamatório leva ao desgaste da articulação e à formação de nódulos. Quando esse quadro se torna evidente, infelizmente a doença já superou a fase inicial, o que representa que os nódulos de Heberden nunca mais desaparecerão.

Boa alimentação

O principal sintoma desse processo é a dor, que normalmente piora com esforço físico e fica mais fraca com o repouso. Ela se agrava no final do dia e após longos períodos de inatividade. Conforme a osteoartrite progride, a dor pode surgir com a simples realização de atividades banais, chegando, por fim, a dar as caras mesmo quando a pessoa dorme ou simplesmente descansa. A rigidez também é uma queixa comum em pacientes com osteoartrite. Antigamente, achavam que a doença era um problema de cartilagem; sabe-se hoje, todavia, que se trata de um problema atinente a toda a articulação, exigindo atenção multidisciplinar. “Como a enfermidade pode ocorrer por vários motivos, sua prevenção vai depender da causa em questão e do controle do problema de base”, explica o ortopedista do Sírio-Libanês, doutor Hernandez.

De todo modo, as recomendações para a prevenção enfatizam que deve se evitar abusos sobre as articulações (especialmente traumas), que seja mantido uma boa função dos músculos e que se controle o peso. Com o tratamento rapidamente iniciado são maiores as chances de sucesso com o uso de terapias combinadas. No exemplo da osteoartrite, ele se baseia no fornecimento de determinadas substâncias capazes de auxiliar o condrócito na fabricação de cartilagem. Sulfato de glicosamina, sulfato de condroitina, suplementação de proteínas, vitaminas e minerais, colágeno hidrolisado e boa ingestão hídrica são estratégias usadas para diminuir a velocidade da doença, de acordo com Novaes, do site osteoartrose.com.br.

No caso das osteoartrites secundárias a macro traumas ou desvios posturais, “o tratamento certo e as correções posturais atuam de maneira significativa tanto na melhora da sintomatologia, quanto no retardo da evolução da doença”, ele explica. Portanto, há uma gama de opções. As mais comuns fazem uso de apenas analgésicos (nos casos da osteoartrose, em que não há inflamação e consideradas mais brandas), de analgésicos associados a anti-inflamatórios e, em casos extremos, cirurgias.

A acupuntura tem efeitos benéficos, sendo indicada, principalmente, para aliviar a dor. Um estudo publicado em 2013 pelo Institute for Social Medicine, Epidemiology, and Health Economics do Charité University Medical Center (Berlim, Alemanha) demonstrou que essa técnica de tratamento alivia as dores crônicas no joelho e no quadril de portadores de osteoartrite.

O cloreto de magnésio, bastante em voga nos últimos anos como agente de cura de muitas doenças ósseas, é ainda visto com cautela pelos médicos alopatas. “Embora não costumem ser danosas para o corpo, substâncias desse tipo e algumas outras são mencionadas como capazes de ajudar no controle da osteoartrite”, afirma o doutor Hernandez.

Ele informa que as pesquisas atuais sobre tais doenças têm caminhado na direção de uma saída biológica para o problema. “Voltam-se para fatores de crescimento ou até mesmo para a célula-tronco, mas, infelizmente, uma possível solução por esses caminhos ainda está distante da realidade atual e de eventual aplicação clínica”, afirma o médico do Sírio-Libanês.

Já Antonio Carlos Novaes salienta outro aspecto dos estudos mais recentes. “Inúmeras pesquisas tentam identificar algum fator imunológico como agravante da doença, porém, ainda nada de concreto existe”. Fiquemos, portanto, com a receita básica sugerida por ele para a prevenção desta e outras enfermidades: hábitos de vida saudáveis, com exercícios corretos e adaptados para cada biótipo, boa alimentação, com ingestão proteica adequada bem como uma suplementação de vitaminas e minerais para aqueles cujo organismo não apresenta as doses recomendadas – Ingestão Diária Recomendada (IDR) – pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) .