Sesc SP

postado em 18/02/2013

Aos turistas e aprendizes

Editorial Dest Thumb Turismo

      


Turismo e patrimônio cultural: interpretação e qualificação, de Flávia Roberta Costa, lança um olhar inovador sobre as atividades turístico-culturais

 

Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente.
Fernando Pessoa

 

O turismo cultural nos dias de hoje, sobretudo quando voltado à fruição de bens arquitetônicos, vem sendo consumido como mais uma atividade de lazer e entretenimento de massa do que propriamente como uma ação sociocultural de inestimável valor educativo. Justamente por isso, todo um circo de opções de divertimentos ligeiros, como bares, restaurantes, danceterias, lojas de artesanato e casas de show, tem sido montado em torno de diversos sítios turísticos, desconvidando tanto os viajantes quanto o público local a exercitar o senso crítico e a tentar compreender o que seja, de fato, um patrimônio cultural. Assim, a revitalização de áreas de inegável valor histórico se dá com base unicamente na recuperação cenográfica das edificações, na melhoria das condições de segurança ou na oferta de opções de distração e passatempo, impedindo a efetiva educação patrimonial de seus participantes.

No final da década de 1970, uma pesquisa constatou que, em visita a sítios patrimoniais, turistas e residentes acabam se interessando mais pelos chamados “atrativos animados” – como os espetáculos históricos que veiculam visões estereotipadas a respeito de fatos do passado – do que pela construção crítica de um conhecimento pessoal adquirido e/ou elaborado ao longo da viagem.

Disposta a investigar como as atividades de turismo cultural desenvolvidas no Brasil podem comunicar a turistas e residentes os conteúdos e significados dos sítios patrimoniais visitados, acentuando o caráter educativo de suas experiências e tornando-os cientes do papel ativo que desempenham em sua conservação, a pesquisadora Flávia Roberta Costa escreveu o livro Turismo e patrimônio cultural: interpretação e qualificação, lançado pelas Edições Sesc São Paulo em parceria com a Editora Senac São Paulo.

Coordenadora de turismo social do Sesc São Paulo e especialista em estudos em museus de arte, Flávia responde a este desafio baseando-se no conceito de “comunicação interpretativa”, aplicado a diversos sítios patrimoniais (naturais e culturais) em todo o mundo. A comunicação interpretativa postula que os programas de turismo cultural devem propiciar a compreensão dos significados dos patrimônios tanto para a comunidade anfitriã quanto para os visitantes, sempre de modo equilibrado e agradável. A fim de alcançar esse objetivo, tais programas devem ter visível cunho “interpretativo”, explorando, assim, os “significados” daquele patrimônio (em qualquer um de seus níveis – universal, regional ou local) de maneira relevante e acessível, por meio de métodos apropriados, atrativos e atuais em matéria de educação, informação e tecnologia.

Desse modo, a comunicação interpretativa oferece aos viajantes e à comunidade do entorno a possibilidade de construírem uma visão diferente do ambiente em que estão inseridos, reagindo a novas informações, criando novas categorias, novas formas de ver o mundo e novos roteiros comportamentais. Um sítio patrimonial tende a induzir os visitantes a um estilo de comportamento e cognição mais aberto e plural quando oferece ampla variedade de mídias interpretativas impessoais (painéis, computadores, exposições, material gráfico...) e pessoais (baseadas no contato direto entre o visitante e o intérprete) à sua disposição.

Com o objetivo de despertar, mediante uma aproximação educativa e lúdica, o interesse dos visitantes pelo meio que os rodeia, a comunicação interpretativa tem se mostrado eficaz em países como Inglaterra, Escócia, Espanha, Austrália, Estados Unidos e Canadá. No livro, Flávia Roberta Costa mostra que, no Brasil, apesar da crescente importância que as atividades turísticas culturais vêm adquirindo, os programas de visitação existentes na grande maioria dos sítios patrimoniais ainda não se fundamentam no conceito de comunicação interpretativa, embora muitos canais similares às mídias interpretativas estejam sendo utilizados em alguns sítios naturais e culturais.

Turismo e patrimônio cultural: interpretação e qualificação está dividido em duas partes. A primeira contempla o fenômeno turístico cultural, desde sua origem – a partir das grandes viagens oitocentistas – até sua atual configuração, estabelecida no formato de turismo de massa convencional. Nela, a autora analisa a variedade de ideais contida no significado do turismo cultural nos dias de hoje, discutindo os principais elementos que o integram: seu objeto, sujeito, objetivo, oferta e organização.

A segunda parte apresenta ao leitor a ideia de comunicação interpretativa, expondo didaticamente os pontos essenciais que fundamentam o desenvolvimento deste trabalho educativo em sítios naturais e culturais em diversas partes do mundo – com destaque especial para a teoria e a prática norte-americanas, uma vez que o país é o berço da atividade e serve de referência para o desenvolvimento dela em outras partes do mundo. Aqui, são tratados assuntos como a filosofia da comunicação interpretativa, seu conceito, seus fundamentos cognitivos, o desenvolvimento histórico da atividade e sua aplicação no Brasil atual. Os princípios da filosofia interpretativa são contemplados na compilação dos métodos precursores de Freeman Tilden e por sua atualização, proposta por Larry Beck e Ted Cable, com o objetivo de adaptá-los ao mundo contemporâneo e introduzi-los no século XXI. Em seguida, são apresentadas as mais destacadas mídias interpretativas atualmente disponíveis, tanto em seu desenvolvimento personalizado quanto em mídias impessoais.

As páginas de Turismo e patrimônio cultural: interpretação e qualificação também veiculam outras questões essenciais. A democratização do conhecimento ambiental e a popularização do patrimônio histórico e cultural brasileiro – cujo acesso tem se mantido restrito, há muitos anos, àqueles com instrução, dinheiro e tempo disponível para buscá-los em outras fontes, como a educação formal ou atividades de lazer elitizadas – não são esquecidas. Os autores examinados por Flavia defendem a ideia de que a interpretação patrimonial é um instrumento eficaz de orientação a visitantes e de gerenciamento de recursos, auxiliando na diminuição dos danos causados aos sítios pela grande concentração de pessoas em um único local. Ressaltam, ainda, que o planejamento, a implantação e a gestão da comunicação interpretativa, com a participação e o envolvimento da comunidade, podem contribuir para a instrumentalização e a capacitação dos quadros técnicos locais, num momento em que a responsabilidade política pela gestão do patrimônio natural e cultural é transferida para a esfera municipal, diminuindo a dependência dos órgãos públicos e ajudando a sanar não só o problema da recuperação de sítios e seu posterior abandono pela população, como também sua tão criticada transformação em cenário turístico – como no caso do Pelourinho, em Salvador (BA).

Turismo e patrimônio cultural: interpretação e qualificação propõe uma relação mais próxima entre as noções de turismo e patrimônio, convidando o leitor a trilhar um caminho de múltiplos itinerários e infinitos entroncamentos: o da viagem como um ato de conhecimento de si mesmo e dos outros.