Sesc SP

postado em 28/06/2016

Cultura, educação e liberdade

Imagem a partir da capa. Mark Power - Magnum / Latinstock
Imagem a partir da capa. Mark Power - Magnum / Latinstock

      


No livro Na base do farol não há luz, Mauro Maldonato e Danilo Santos de Miranda abordam assuntos candentes da contemporaneidade

Por Renato Janine Ribeiro*

 

Mauro Maldonato procura, neste livro, inquietar a boa consciência da democracia. Com efeito, desde pelo menos a queda do Muro de Berlim e o advento do que Francis Fukuyama chamou de “o fim da História”, construiu-se um amplo consenso sobre a superioridade de um tipo de democracia, que se caracteriza por dois pontos. Primeiro, a liberdade individual: o direito de cada um a escolher sua religião, seus parceiros na amizade e no amor e, ainda, valores que não agridam a existência da sociedade em que vive. Segundo, a liberdade política: liberdade de expressão, de organização e de voto. Tudo isso gera uma sociedade na qual a diferença – de concepções políticas e religiosas, mas também de orientações sexuais e de modos de ser – é aceita como nunca antes foi. Daí, no limite, que se pense na possibilidade de medir o teor de democracia de cada sociedade, como todo ano faz o Índice de Democracia publicado pela revista The Economist. A democracia seria quantificável, como qualquer produto.

O que Mauro Maldonato nos propõe é duvidar disso tudo. Em vez de uma vitória da democracia sobre a ditadura, e se estivermos vivendo hoje numa “democracia totalitária”? A expressão parece – e é – contraditória, mas o autor não receia escandalizar. Para sustentar sua crítica à democracia realmente existente, o autor percorre a história da filosofia; é curioso que dê menos importância à filosofia política do que ao pensamento sobre o horror, sobre os campos de concentração, sobre a ética. A seu ver, não só o comunismo com seu explícito controle radical da vida, mas também a democracia liberal efetuam uma perda do vivido, um sacrifício da diferença ao padrão, um desalojamento do páthos, com sua infinita diversidade, em prol de uma razão instrumental.

Mas isso não significa que Maldonato seja avesso à democracia: no elogio-proposta que faz de uma educação diferente da atual – que ele critica porque “tem como objetivo formar cidadãos previsíveis, neutralizar as novidades e a imprevisibilidade” – o autor recorda Rabelais, cuja escola ideal tinha por única regra “Faze o que quiseres”. E proclama: “A culture de l’esprit continua a ser o sal da democracia, mesmo que, sob muitos aspectos, seja subalterna à técnica científica”. É a cultura que nos vem de Atenas e Jerusalém, lembra.

Na verdade, a democracia se torna totalitária quando troca o fim pelo meio, substituindo o logos como criação por uma razão reduzida a mero instrumento, esquecendo assim, como disse Heidegger, que “a essência da técnica não é nada de técnico”. Na defesa do que chamamos humanidades, Maldonato vê uma forte possibilidade de enfrentar o achatamento das diferenças, a destruição das riquezas singulares que é o grande risco da sociedade atual. Daí que seu livro provoque, incomode, mas convide a mudar o mundo em que vivemos. E vale lembrar que parte significativa de sua obra se dá em diálogo com o Brasil e em especial com o Sesc, como podemos ler na apresentação e nas reflexões meditadas por Danilo Santos de Miranda.

 


*Renato Janine Ribeiro é professor de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Foi ministro de Estado da Educação entre abril e setembro de 2015. Este texto foi originalmente publicado na orelha do livro.

 

Veja também:

:: Na base do farol não há luz | Autores participam de lançamentos na Casa da Cultura de Paraty, dentro da programação da Flipmais, e no Sesc Consolação

:: Mauro Maldonato no Brasil | Em visita ao país, o escritor e psiquiatra italiano participa de uma série de conferências e lança livro com Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo

:: 14ª Festa Literária Internacional de Paraty | Dentro da programação do evento, que acontece entre 29 de junho e 3 de julho, as Edições Sesc promovem lançamento de livro e debates abertos ao público

:: Trechos do livro

 

 

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