Sesc SP

postado em 07/03/2013

Uma imensurável biblioteca

lit expandida

      


Livro sobre artista francesa propõe uma reflexão original a respeito da arte feita nos dias atuais

 

Literatura expandida: arquivo e citação na obra de Dominique Gonzalez-Foerster, de autoria da pesquisadora Ana Pato, é mais uma obra que amplia o espectro dos trabalhos editados pela Associação Cultural Videobrasil em parceria com as Edições Sesc São Paulo. O objetivo desta parceria é o de difundir pesquisas novas e relevantes nascidas nos meios acadêmicos e intelectuais que ofereçam uma contribuição real às reflexões sobre arte contemporânea que tomam forma no Brasil hoje.

O livro é o resultado da dissertação de mestrado em artes visuais que Ana Pato defendeu, em 2011, no programa de pós-graduação stricto sensu da Faculdade Santa Marcelina, sob a orientação da professora e crítica de arte Lisette Lagnado. Além de promover um estudo rigoroso sobre a produção desafiadora da artista francesa Dominique Gonzalez-Foerster, Literatura expandida oferece uma contribuição inestimável à teoria das artes plásticas ao questionar o papel do arquivo na contemporaneidade, analisando, para isso, as práticas artísticas que partem da ideia do mundo como um grande acervo ou uma imensurável biblioteca.

Dominique Gonzalez-Foerster nasceu em 1965 em Estrasburgo, na França. Formada em arte em Grenoble e Paris, ela começou a expor no fim dos anos 1980. Na década seguinte, seus trabalhos seriam vistos em mostras coletivas e individuais em instituições como o Centro Georges Pompidou, em Paris (2002); o Kunsthalle Zürich, em Zurique (2004); o Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris (2007); a Tate Modern, em Londres (2008); o Museo de Arte Contemporáneo de Castilla y Leon, em Leon, Espanha (2008); e a Hispanic Society of América, em Nova York (2010). Premiada com o Mies van der Rohe Award (1996-1997), na Alemanha, e o Marcel Duchamp Award (2002), na França, ela participou de diferentes edições da Bienal de Veneza; do Skulptur Projekte Münster (2007); e da Documenta 11, em Kassel (2002). Em 2011, apresentou as performances T. 1912, em colaboração com a The Wordless Music Orchestra, no Solomon R. Guggenheim Museum, em Nova York, e M.31/K.62/K.85, com o compositor e maestro Ari Benjamim Meyers, no HAU, em Berlim. Dominique Gonzalez-Foerster tem trabalhos nas coleções do 21st Museu de Arte Moderna e Contemporânea de Genebra, na Suíça, e do Instituto Inhotim, em Brumadinho, Minas Gerais, dentre outros. Atualmente, ela vive e trabalha em Paris e no Rio de Janeiro. 

A artista é conhecida por obras que, transitando de forma particular entre o cinema, o vídeo e a instalação, têm a potência de conduzir o público por ambientes radicalmente novos. As atmosferas que ela concebe evocam o sentido de distopia da paisagem e a dimensão do tempo, funcionando como uma forma deslocada e, por vezes, incômoda de ficção científica. Em muitos de seus trabalhos, o recurso recorrente à apropriação – de obras de arte, textos literários, imagens ou fragmentos de outros autores – sustenta um modelo próprio e, para alguns, desnorteante, de autoria.

De muitas formas, o livro é material estruturante nos projetos que a artista desenvolve. O modo como articula a experimentação envolvendo o texto literário a aproxima do método e do pensamento de autores contemporâneos que, diante dos excessos de um mundo onde tudo já foi escrito, exortam à cultura da citação. Uma das estratégias de Gonzalez-Foerster consiste justamente em transpor esse método para o campo das artes visuais. Ao servir-se, assim, de um dispositivo singular, sua prática prenuncia a possibilidade de um novo tipo de escrita: uma literatura que se expande para o espaço de exposição, e que não está mais circunscrita à palavra ou à comunicação linguística, gozando antes de um caráter pluridimensional.

As reflexões que estabelecem os parâmetros para a pesquisa do livro nasceram da análise e da observação do acervo constituído pela Associação Cultural Videobrasil. Colaboradora muito próxima da Associação, cujos projetos dirigiu por mais de dez anos, Ana Pato esteve à frente de uma série de ações envolvendo o acervo do Videobrasil, em especial da construção de uma base de dados digital para abrigar obras e informações, e de uma interface que permite consultá-la e alimentá-la permanentemente. Atuando desde 2000 na área de gestão cultural, ela organizou quatro edições do Festival Internacional de Arte Contemporânea Sesc Videobrasil e cuidou das exposições de Sophie Calle (2009), Joseph Beuys (2010), Olafur Eliasson (2011) e Isaac Julien (2012).

Amparada por uma densa bibliografia, na qual se destacam autores como Michel Foucault, Gilles Deleuze e Vilém Flusser, Ana Pato vê nas práticas de Dominique Gonzalez-Foerster uma lógica “arquivista”, identificando ainda um mecanismo sistemático de apropriações e citações de obras de arte e literatura – que ela considera uma ação possível em um mundo saturado. O surgimento de uma forma expandida de literatura e o intrincado tema da autoria estão no cerne das questões que a pesquisadora levanta, para as quais conta ainda com a força expressiva de escritores como Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares e Enrique Vila-Matas.

Artista jovem, Gonzalez-Foerster é objeto de uma bibliografia crítica ainda insuficiente. De caráter ensaístico, o livro de Ana Pato investiga como, na prática, as ideias de apropriação e citação respondem a certa intranquilidade diante do acúmulo de informações e da impossibilidade de criar algo novo. Nesse cenário, surge a noção de um universo convertido em biblioteca ou arquivo, em que autores do passado e do presente convivem simultaneamente. Vale notar que em tal universo as relações que podem ser estabelecidas entre objetos guardados – e sacramentados pela prática museológica – são tão ou mais importantes do que os próprios objetos.

Literatura expandida sugere que atentemos para as potencialidades do arquivo e das citações nos dias atuais e para nosso próprio papel diante de tais recursos.