O álbum Virgínia Rosa Canta Clara é mais que uma homenagem à icônica Clara Nunes — é um reencontro entre gerações. A voz de Virgínia possui um registro que aproxima Clara desses anos 2000 e tantos que vivemos. Para além da homenagem, é algo que fica na cabeça da gente pela beleza dos arranjos e pela interpretação pungente

As canções “Um ser de luz” e “Iracema” dão prova do alcance e da capacidade de interpretação reverente de Virgínia, sem, no entanto, deixar de imprimir sua marca aveludada que já esteve a serviço de outros grandes da nossa música, como Tetê Espíndola e Itamar Assumpção. A “Iracema” do parágrafo acima é aquela mesma do Adoniran – “Iracema, eu perdi o seu retrato…”, música doída do bigode mais famoso de São Paulo.

Nesta escolha específica é possível dar forma às intenções de Virgínia e Ogair Júnior ao escolher um repertório que não fosse claramente associado à Clara – ainda que “O Mar Serenou” e “Banho de Manjericão” marquem presença no disco – mas que expandisse a nossa percepção sobre quão plural foi a carreira de intérprete e pesquisadora da primeira mulher a vender mais de 100 mil cópias de disco no Brasil.

O encontro de Virgínia com o repertório de Clara Nunes não é algo de ocasião. “Clara é uma de minhas cantoras preferidas e por quem sempre tive enorme admiração. Seu canto direto, forte e popular inspirou-me e me ajudou a encontrar minha personalidade musical e um jeito próprio de cantar” atesta a intérprete na dedicatória que prefacia o álbum. Nela, Virgínia sintetiza os porquês deste projeto; para entender melhor sobre a cantora, recomendamos o texto de Swami Jr., parceiro longevo, testemunha da força musical da cantora.

Permita-se e divirta-se!

Virgínia & Clara,
por Swami Jr.

Virgínia Rosa é daquelas imensas artistas de quem o Brasil tem de se orgulhar: brilhante cantora, intérprete prodigiosa, visceral, intensa e vibrante.

Tive o privilégio de durante muitos anos estar ao seu lado na música e na vida. Fomos parceiros na lendária Banda Mexe com Tudo, depois em um show intimista, com violão e percussão (seu primeiro trabalho solo) que foi desembocar no primeiro álbum, Batuque, produzido e arranjado por mim em 1997.

Nesse disco há uma canção nossa chamada “Vou na Vida”, cuja letra escrevi sobre uma melodia de Virgínia que, na verdade, era um improviso feito no show e que aos poucos foi se cristalizando e virando uma canção. A letra diz o que é Virgínia para mim, o que é compartilhar de sua imensa entrega e dedicação à música, de seu mergulho cego e corajoso na aventura de cantar canções com a alma e de estar no palco.

Ouvi-la cantar sempre me dava a sensação de estar diante de alguém pleno, repleto de sua vocação, daí os versos: “quando eu canto parece que tudo encontra de vez o seu lugar/eu esqueço da dor e do medo, cantando é que eu posso me salvar”. E salvava-nos a todos do chumbo da vida cotidiana.

Estar com ela, quase cúmplice, era perceber a esplêndida beleza que há em alguém que se abandona à experiência da vida completamente: “vou na vida por inteiro/vou enquanto ela durar/sei que a vida vem primeiro/é a vida que eu tenho pra levar” diz a canção. Para mim Virgínia sempre significou a música, a voz que quer levar, celebrar a vida e tentar desvendar os mistérios, desvendar o indesvendável. Era como se eu a visse dizendo: “eu começo meu dia bem cedo/pedindo pra Deus me ajudar/a levar minha voz meu segredo/meu jeito da vida celebrar”… “vem a voz e se deita nos lábios/querendo ser solta pra voar/quer um dia de sol quer o mundo/no fundo da alma encontrar”… E ela continua indo na vida por inteiro, com seu canto que vem de longe, “de Minas, da
África e do mar/vem dos olhos da mãe, vem do bonde/dos trilhos, da terra e do luar”.

Neste novo e maravilhoso álbum, debruçando-se reverente e emocionada sobre o canto da gigante Clara Nunes, lá está ela de novo por inteiro, revelando outros matizes, novos ângulos das canções escolhidas do repertório de Clara, com emoção e musicalidade na medida exata, ensinando-nos a ir na vida por inteiro, enquanto ela durar.

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