Cellule [Cela] | Bienal Sesc de Dança

02/09/2025

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Foto: Mark Maborough

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Entrevista com Nach | Coreografia, dança, texto e imagens

De que maneira o Krump influencia seu trabalho e que outros universos guiam sua criação?
Descobri a riqueza do movimento Krump e parecia que, antes do seu nascimento, havia outros movimentos que buscavam narrar existências de forma potente, a partir de espaços à margem, invisibilizados pelas sociedades supremacistas dominantes . Espaços de genialidade. É assim que me deixo vibrar por manifestações como o flamenco, certos tipos de teatro de rua, o palhaço, o butô. As artes da palavra, que a todo custo se manifestam com eloquência e urgência. O rap, os sermões gospel, a poesia, a reinvenção de sistemas, de formas. Eu me interesso muito pelas formas criativas dos negros.

Minha cela orgânica, minha dança, me ajuda a me libertar – provocou uma desfolhagem que permite me encontrar, pela primeira vez, nua, frágil e inteira

Foto: Dainius Putinas
Foto: Dainius Putinas

Em Cellule, você transforma o corpo em território de luz e sombra, desejo e violência. Como foi traduzir essas forças internas em uma linguagem própria?
Tudo começou bem espontaneamente. Cellule é o meu primeiro solo. A minha primeira escrita. Eu não tinha uma metodologia, uma consciência da escrita coreográfica. Eu tinha fome. Na época, eu não sabia nada sobre o mundo da dança contemporânea e sua engrenagem. Não tive formação acadêmica em dança, me formei nas ruas, então precisei confiar em mim. Fiz um inventário do que eu realmente queria compartilhar com os outros. O que eu tinha de mais sólido? Minha experiência. Minha compreensão de que eu me encerro numa cela de prisão, em dúvida, tentando me encaixar nos moldes, de ser uma identidade específica, quando na verdade sou uma infinidade delas. Incendiando códigos e modelos que não me servem. Minha cela orgânica, minha dança, também ela múltipla, me ajuda a me libertar – provocou uma complexa desfolhagem que me permite me encontrar, pela primeira vez, sem concessões, nua, frágil e inteira. Hoje estou me aproximando do estudo da escrita e das partituras na dança, do teatro e da música. Na origem desse estudo, está a necessidade de (re)escrever nossas histórias de seres deslocados, de não esquecer e de transformar nossos matrimoines [em francês, reapropriação, no feminino, de “patrimônios”]. Não quero me prender a nada. Tento viver o presente da forma mais honesta possível. Eu flutuo com o tempo, com as épocas. A forma como a peça é escrita me permite isso. Porque, no fim, minha própria identidade e minhas visões estão em constante evolução – felizmente.

Como você enxerga o papel da dança na sociedade atual e o que ela pode mobilizar ou revelar sobre nossos tempos?
Hoje, e já há muito tempo, a dança nos permite conectar-nos com os outros, conosco e com o invisível ao nosso redor. Para mim, tornou-se uma forma de criar novos rituais aos quais eu não tinha acesso, nascida nos subúrbios de Paris e deslocada de uma terra, de uma cultura cabo-verdiana, senegalesa e vietnamita sobre a qual sei muito pouco. É uma forma de acolher o fim do mundo e o declínio da nossa humanidade. A dança convida a viver nas falhas de um mundo caótico. Ela nos permite criar novas visões, novos corpos encarnados, novos mundos. A dança cura e repara.

Foto: Mark Maborough
Foto: Mark Maborough

Sinopse

Cellule [Cela]

Em seu primeiro solo, a francesa Nach faz um testemunho livre e pessoal do Krump (sigla de Kingdom Radically Uplifted Mighty Praise), estilo que permeia toda a sua carreira. Vertente do hip-hop, essa dança nasceu no início dos anos 2000, em resposta à repressão policial e aos conflitos raciais em bairros periféricos de Los Angeles. Os movimentos em cena partem da base do estilo (com típicas paradas bruscas e solavancos), mas não se restringem a ele . São costurados a outros universos e poéticas e se abrem a outras expressividades. Pouco a pouco, desvelam uma infinidade de personagens, um caleidoscópio de imagens e sensações, que vão da delicadeza à violência. Isso em meio a um jogo de claro e escuro, com o revelar e apagar das luzes e das projeções sobre as paredes. Ao desvencilhar-se de amarras de linguagem e de conceitos, Nach apresenta um corpo múltiplo, repleto de possibilidades, e cria um manifesto contra o confinamento.


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Interview with Nach | Choreography, dance, text, and images

How does Krump influence you and what other universes guide your creative work?
I discovered the richness of the Krump movement and it seemed that, before it emerged, there were other movements that aimed to provide powerful narratives about existences from settings on the margins that were rendered invisible by the ruling supremacist societies. Settings of genius. This is how I let myself be moved by expressions like flamenco, different kinds of street theater, clowning, Butoh. The arts of the word, which manifest with eloquence and urgency at all cost. Rap, gospel sermons, poetry, the reinvention of systems and forms. I’m very interested in Black creative forms.

My organic cell, my dance, helps me to free myself — it has caused a complex de-leafing that allows me to find myself, for the first time, bare naked, fragile and whole

Foto: Dainius Putinas
Foto: Dainius Putinas

In Cell, you turn your body into a territory of light and shadow, desire and violence. How was the process of translating these internal forces into your own language?
It all started quite spontaneously. Cell is my first solo. My first piece of writing. I didn’t have a methodology, an awareness of choreographic writing. I was hungry. At the time, I didn’t know anything about the world of contemporary dance and how it worked. I had no academic training in dance, I trained on the streets, so I had to rely on myself. I took stock of what I really wanted to share with others. What was the most solid thing I had? My experience. My understanding that I’m locked in a prison cell, wondering, trying to fit into molds, as if I were one identity, when I’m actually a multitude of identities. Setting fire to codes and models that don’t suit me. My organic cell, my dance, which is also multiple, helps me to free myself — it has caused a complex de-leafing that allows me to find myself, for the first time, without concessions, bare naked, fragile and whole. Today I’m approaching the study of writing and scores in dance, theater, and music. At the root of this study is the need to (re)write our stories as displaced beings, to not forget and to transform our matrimoines (in French, the feminine reappropriation of ‘patrimonies’). I do not want to be tied down to anything. I try to live in the present as honestly as possible. I fluctuate with time, with eras. The way this piece is written allows me to do that. Because, in the end, my own identity and my visions are constantly evolving — fortunately.

How do you see the role of dance in today’s society and what can it mobilize or reveal about our times?
Today, and for a long time now, dance has allowed us to connect with others, with ourselves, and with the invisible around us. To me, it has become a way of creating new rituals I had no access to, as I was born in the suburbs of Paris, displaced from Cape Verdean, Senegalese, and Vietnamese cultures I know very little about. It’s a way of embracing the end of the world and the decline of our humanity. Dance invites us to live in the gaps of a chaotic world. It allows us to create new visions, new embodied bodies, new worlds. Dance heals and repairs.

Synopsis

Cellule [Cell]

In her first solo show, France-born Nach provides an unencumbered and personal account of Krump (acronym for Kingdom Radically Uplifted Mighty Praise), a style that has permeated her entire career. An offshoot of hip-hop, this dance was born in the early 2000s in response to police brutality and race riots in poor neighborhoods of Los Angeles. Her movements on stage draw from it (its typical stops and jerks), but are not restricted to it . They are interwoven with other universes and poetics and open up to different expressions. Little by little, they unveil a plethora of characters, a kaleidoscope of images and sensations, from gentleness to violence. All this happens amid a play of light and darkness, as lights and projections come on and off on the walls. By breaking free from the constraints of language and concepts, Nach presents a multiple body, full of possibilities, and creates a manifesto against confinement.

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