Dança Monstro | Bienal Sesc de Dança

02/09/2025

Compartilhe:
Foto: Benita Rodrigues

🇧🇷 🇺🇸

Entrevista com Telma César | Concepção e direção-geral

Dança Monstro é o último espetáculo de uma trilogia do grupo que se baseia nas relações entre dança, ambiente e cultura. De que forma esses três campos se conectam no trabalho?
O projeto poético da Companhia dos Pés prima pelas singularidades, reconhecendo o encontro entre as diferenças como potência de inventividade. Essa é a base ética de nosso plano de composição em dança. Essas singularidades se constroem por meio de contaminações contínuas e recíprocas entre corpo e ambiente. Tendo o corpo como ponto de partida para o desenvolvimento de uma dramaturgia processual, prescrutamos as sabedorias ancestrais circunscritas em nossas memórias dançantes e que circulam em nosso grupo cultural. Tomamos as danças tradicionais e populares brasileiras como lugar de conhecimento, cujo repertório poético-musical-coreográfico é, em si, a síntese cultural de uma poética (como modo de operar em arte) em que vida e arte, sagrado e profano, individual e coletivo, trabalho e lazer não atendem a perspectivas binárias, de opostos, mas realizam, em dança, um modo de ser e existir configurado em forma de arte. Lançamos nosso olhar para o infinito de possibilidades de conhecimento que o corpo pode abarcar quando temos a base fincada no chão que nos fez humano, território alagoano, nordestino, brasileiro.

A ideia de “monstro” é perpassada pela noção de que ele se diferencia da norma. O que seria a norma hoje em termos da vivência da nossa corporeidade?

Foto: Silvia Machado
Foto: Silvia Machado

A obra parte da nudez para traçar uma conexão com o que há de mais essencial no humano. Nesse sentido, o que o corpo nu em cena diz sobre nós?
No desenvolvimento da trilogia, fomos aprofundando camadas na relação com a nudez, que alcança dimensões éticas, estéticas e políticas. Como dito, o projeto poético da Companhia dos Pés prioriza as singularidades. Enxergar-se como singularidade no mundo é, em si, um ato político: implica desnudamento. Em Dança Monstro, buscamos expor a nudez no patamar mais natural, poético e atávico que nos foi possível, na intenção de revelar nossa animalidade humana. Como uma espécie de retorno ou um convite para olharmos para trás e vermos o atrás no agora, num tempo circular. Somos concebidos, gerados e nascemos nus. Historicamente, a ideia de “monstro” é perpassada pela noção de que o monstro é aquele que se diferencia da norma. O que seria a norma hoje em termos da vivência da nossa corporeidade? Dança Monstro intenta apresentar essa corporeidade atávica, que hoje se faz monstra, na medida em que se diferencia da norma, regida por um corpo domesticado e cativo, de tal modo condicionado que anula a imanência perdida de sua animalidade essencial.

Como você enxerga o papel da dança na sociedade atual e o que ela pode mobilizar ou revelar sobre nossos tempos?
O espectro da dança, seu lugar e função na sociedade são tão amplos que se torna difícil responder a essa pergunta de modo sucinto, mas poderíamos pensar que a dança possui, em potencial, a capacidade de lembrar. Lembrar do papel primordial do corpo e do movimento na percepção da própria existência e de mobilizar a consciência da dimensão coletiva dessa existência. Acho que diante desse tempo de pós-verdade, numa época de crise de discursos e de narrativas, a dança pode gerar novas formas de sentir, perceber e apreender o mundo.

Foto: João Erisson
Foto: João Erisson

Sinopse

Dança Monstro

Último espetáculo da trilogia da Companhia dos Pés, que investiga as relações entre dança, ambiente e cultura, a obra dirigida por Telma César toma a nudez como ponto de partida para buscar uma conexão com o que há de mais essencial no humano como ser da natureza. A dramaturgia, estruturada na imbricação entre som e movimento, encontra nas danças tradicionais brasileiras um lugar de identidade e de identificação, dialogando com o tambor de crioula maranhense e o toré indígena, além de princípios do tai chi chuan. Com os pés fincados ao chão e a cabeça conectada ao céu, os performers se lançam numa espiral umbilical e universal, horizontalizando o olhar para as possibilidades de conhecimentos abarcadas pelo corpo e propondo uma perspectiva circular da existência, que traça linhas de fuga contra a reverência colonial.


🇧🇷 🇺🇸

Interview with Telma César | Director and Artistic Creator

Monster Dance is the final show in a trilogy by the group based on the relationships between dance, environment, and culture. How do these three fields connect in your work?
Companhia dos Pés’s poetic project strives for singularities, acknowledging the encounter between differences as the power of inventiveness. This is the ethical basis of our dance composition. These singularities are built as body and environment continuously contaminate each other. Having the body as the starting point for the development of a process-driven dramaturgy, we gaze at the ancestral wisdom circumscribed in our dance memories circulating in our cultural group. We take traditional and folk Brazilian dances as a place of knowledge, with a poetic/musical/choreographic repertoire that is itself the cultural synthesis of a poetics (as a way of operating in art) in which life and art, sacred and profane, individual and collective, work and leisure do not answer to binary, opposing perspectives, but realize, through dance, a way of being and existing arranged in the form of art. We look at infinite possibilities of knowledge that the body can encompass when we have a deep-rooted foundation in the ground that has made us humans — the Brazilian Northeastern territory of Alagoas.

The idea of “monster” is pervaded by the notion that it differs from the norm. What is the norm today in terms of the experience of our corporeality?

Foto: Benita Rodrigues
Foto: Benita Rodrigues

The performance starts from nudity to draw a connection with what is most essential in the human. In this sense, what does the naked body on stage say about us?
As we developed this trilogy, we have deepened the layers of the relationship with nudity, which reaches ethical, aesthetic, and political dimensions. As I said, Companhia dos Pés’s poetic project prioritizes singularities. Seeing oneself as a singularity in the world is itself a political act — it implies laying oneself bare. In Monster Dance, we strive to expose nudity on the most natural, poetic, and atavistic level, aiming to reveal our human animality. As a kind of return or an invitation to look back and see the past in the now, in a circular time. We are conceived, generated, and born naked. Historically, the idea of “monster” has been pervaded by the notion that the monster is that who differs from the norm. What is the norm today in terms of the experience of our corporeality? Monster Dance endeavors to present this atavistic corporeality, which is today a monster as it differs from the norm that is governed by a domesticated, captive body, so conditioned that it annuls the lost immanence of its essential animality.

How do you see the role of dance in today’s society and what can it mobilize or reveal about our times?
The spectrum of dance, its place, and its role in society are so broad that it is hard to provide a succinct answer to this question — but we may consider that dance potentially has the capacity to remember. To remember the primordial role of the body and movement in one’s own perceived existence and to mobilize the awareness of the collective dimension of this existence. I think that in these post-truth times, amid a crisis of discourses and narratives, dance can generate new ways of feeling, perceiving, and apprehending the world.

Synopsis

Monster Dance

This is the final show in a trilogy by Companhia dos Pés that investigates the relationship between dance, environment, and culture. The piece, directed by Telma César, takes nudity as a starting point to pursue a connection with what is most essential in the human as a being of nature. The dramaturgy is structured around the imbrication of sound and movement, drawing from traditional Brazilian dances to find a place of identity and identification, in a conversation with Tambor de Crioula from Maranhão and the Indigenous Toré, also applying Tai Chi Chuan principles. The performers, with their feet planted on the ground and their heads connected to the sky, launch into an umbilical and universal spiral, horizontalizing the gaze toward the possibilities of knowledge the body encompasses and proposing a circular perspective of existence that draws lines of flight against colonial reverence.

Conteúdo relacionado

Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.