KDEIRAZ | Bienal Sesc de Dança

02/09/2025

Compartilhe:
Foto: Mayra Azzi

🇧🇷 🇺🇸

Entrevista com Natália Mendonça | Direção artística

Como o deslocamento de um objeto de sua função questiona o lugar do fantástico e do normativo?
Qual a linha imaginária que delimita o fim da infância? Talvez ela comece no momento em que somos pressionados a abandonar a brincadeira e a responder de forma “útil” e “produtiva” à sociedade. “Você não acha que já está muito grande para continuar brincando assim?”. E, pronto: acaba a fantasia, e uma ideia de futuro nada prazerosa é apresentada. Esse corte brutal rumo à vida adulta cancela o “estar interessado” para nos apresentar “o que é interessante” aos olhos do resto do mundo. Lembrei de uma fala do palhaço Avner, numa entrevista para o Sesc: “Durante anos como professor, percebi que as pessoas têm muito medo no palco. O maior medo delas é o de não ser interessante. Então a resposta é: esteja interessado”. E se o brincar fosse a chave para nos aproximar do que estamos interessados e nos distanciar, ainda que um pouco, do que dizem ser o interessante?

E se o brincar fosse a chave para nos aproximar do que estamos interessados e nos distanciar, ainda que um pouco, do que dizem ser o interessante?

KDEIRAZ. Foto: Mayra Azzi
Foto: Mayra Azzi

Qual o papel do brincar como estratégia de interação com o mundo e possibilidade de exploração do corpo?
Gosto de pensar que KDEIRAZ é mais sobre brincadeira do que sobre dança. E para que isso aconteça, uma das ferramentas é entrarmos nessa ficção de que nossas cadeiras são nosso parquinho. O parquinho é – ou deveria ser – um ambiente que propõe uma experimentação com risco e, por consequência, abre espaço para as situações improvisadas que nele acontecem. As cadeiras exigem de nós, intérpretes, crianças de 30 e 42 anos, acordos sobre jogos, criatividade para lidar com essas matérias, estratégias físicas e lúdicas para inventar esse mundo temporário. Compartilho um “segredinho”, uma estratégia que inventei: para não perder de vista que a peça é mais sobre brincar do que sobre dançar, nunca me aqueço antes das apresentações. Perigoso? Talvez. Inconsequente? Provavelmente. Mas quem se aquece antes de brincar no parquinho?

Como você enxerga o papel da dança na sociedade atual e o que ela pode mobilizar ou revelar sobre nossos tempos?
“Precisa acabar com essa história de achar que a cultura é uma coisa extraordinária, cultura é ordinária!”. Amo essa frase do Gilberto Gil. Como é incrível quando uma obra nos emociona… e mais incrível ainda é saber que podemos nos emocionar num dia comum. Extraordinário é incorporarmos o contato com as artes como uma prática ordinária. Sobre a dança, especificamente, sobre a dança para as infâncias: acho que existe uma assimetria entre a oferta de teatro e a de dança infantil. A dança é capaz de se apresentar como uma proposta de apreciação que foge à lógica oral. Ainda me inspira apostar numa linguagem em que as coisas não estão sublinhadas por meio de palavras e/ou propostas narrativas. Em vez de entender a ausência da palavra como falta, em uma suposta fragilidade de discurso, podemos reconhecer a potência da linguagem não verbalizada em ampliar esse espectro da percepção, sugerindo outros mergulhos para outras formas de encantamento.

KDEIRAZ. Foto: Mayra Azzi
Foto: Mayra Azzi

Sinopse

KDEIRAZ

KDEIRAZ é uma peça de dança para crianças de todas as idades que se utiliza da experimentação de jogos cênicos com o intuito de problematizar o uso excessivo da cadeira no nosso cotidiano. Convocando Manoel de Barros, quando este diz “palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria”, partimos do princípio de que queremos brincar com os motivos para ressignificar a relação com esse objeto. Em cena, os dançarinos deparam-se com cadeiras comuns e fantásticas e ficam curiosos por descobrir quais as possibilidades de brincadeiras cada uma – com sua forma e personalidade – pode propor. Uma cadeira aranha gigante, outra que se esconde, outra que quebra e uma cãodeira. Entre o ordinário e o extraordinário, aqui a cadeira é a protagonista desta viagem e a grande propulsora de experimentações sem fim!


🇧🇷 🇺🇸

Interview with Natália Mendonça | Artistic director

How can displacing an object from its purpose challenge the place of fantasy and the norm?
What is the imaginary line that marks the end of childhood? Perhaps it begins when we are pressured to abandon play and respond in a “useful” and “productive” way to society. “Don’t you think you’re too old to keep playing like that?” And that’s it — the fantasy is over, and a future that holds no pleasure is posed. This brutal cut to adulthood cancels out “being interested” and presents us with “what is interesting” in the eyes of the rest of the world. I remember something clown Avner said in an interview for Sesc: “During my years as a teacher, I realized that people are very afraid on stage. Their greatest fear is not being interesting. So the answer is: be interested.” What if playing were the key to bringing us closer to what we are interested in and to distancing us, even if only a little, from what they say is interesting?

What if playing were the key to bringing us closer to what we are interested in and to distancing us, even if only a little, from what they say is interesting?

KDEIRAZ. Foto: Mayra Azzi
Foto: Mayra Azzi

What role does play have as a strategy for interacting with the world and exploring the body?
I like to think that KDEIRAZ  [TCHAIRZ] is more about play than dance. And for that to happen, one of the tools is to enter into this fiction in which our chairs are our playground. The playground is — or should be — an environment that encourages experimentation with risk and, as a result, opens up space for the improvised situations that happen there. The chairs require that we — the performers, children aged 30 and 42 — agree on games, use creativity to handle these materials, and employ physical and playful strategies to make up this temporary world. I will share a “little secret,” a strategy I devised: in order not to lose sight of the fact that the show is more about playing than dancing, I never warm up before performances. Is it dangerous? Perhaps. Irresponsible? Probably. But who warms up before playing at the playground?

How do you see the role of dance in today’s society and what can it mobilize or reveal about our times?
“We need to stop thinking that culture is something extraordinary — culture is ordinary!” I love this quote by Gilberto Gil. How incredible it is when a work of art moves us… And even more incredible is knowing that we can be moved on an ordinary day. It is extraordinary to incorporate contact with the arts as an ordinary practice. About dance, specifically, about dance for children: I think there is an asymmetry in terms of how many plays are out there and how many children’s dance shows there are. Dance can present a proposal for appreciation that escapes verbal logic. I am still inspired to invest in a language in which things are not underlined by words and/or narrative proposals. Instead of understanding the absence of words as something that is lacking, in a supposed fragility of discourse, we can recognize the power of nonverbal language to broaden this spectrum of perception, suggesting other dives into other forms of enchantment.

Synopsis

TCHAIRZ

KDEIRAZ [TCHAIRZ] is a dance piece for children of all ages that uses experimentation with theatrical games to question the excessive use of chairs in our daily lives. Drawing from Manoel de Barros, who said “poetic words must reach the level of play to be serious,” our starting point here is the principle that we want to play with the reasons for reframing our relationship with this object. On stage, the dancers encounter ordinary and fantastic chairs and are curious to discover the possibilities for play that each one — with its own shape and personality — can offer. A giant spider chair, a chair that hides itself, another one that breaks, and a pooch-air. Between the ordinary and the extraordinary, the chair here is the protagonist of this journey and the great driving force behind endless experimentation!

Conteúdo relacionado

Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.