
O espetáculo é uma homenagem ao livro Changó, el Gran Putas, de Manuel Zapata Olivella. O que o guiou ao adaptar essa obra literária para o universo da dança?
A dança também é uma forma de escrita que se manifesta no corpo. O mestre Manuel Zapata Olivella é um escritor que nos foi negado nas escolas, onde nos são impostos autores brancos-mestiços. No entanto, em Zapata nos reconhecemos, encontramos as marcas do nosso passado, presente e as luzes que nos guiam para o futuro. Sem dúvida, Changó, el Gran Putas nos inspira e nos oferece bases sólidas para enfrentar o desafio de ver a literatura como uma expressão que nos pertence. Esta obra é uma homenagem nossa ao mestre Zapata e às suas lutas, que também são nossas.
A dança tradicional é também uma dança contemporânea que nos protege, nos dá liberdade criativa e um discurso político enraizado em nossas histórias.

Você e sua companhia propõem uma leitura da experiência negra para além dos estereótipos coloniais, cruzando o tradicional e o contemporâneo. Quais narrativas e tempos são costurados no trabalho?
Dançar, mais do que para ser visto, é para ser escutado! Nosso interesse é criar narrativas nas quais decidimos como nos apresentamos, manifestando uma voz autorreferencial. As narrativas que construímos refletem os conhecimentos locais e diversos das comunidades negras na Colômbia, visibilizando as opressões e a ausência do Estado. Também celebram as lutas pela existência, a resistência e o posicionamento social e político por meio da dança. Propomos desmantelar o conhecimento estabelecido que nos desumaniza graças à colonialidade para construir uma sociedade mais justa, não apenas para nós, mas para todos os colombianos. Para nós, afrodescendentes, a dicotomia entre o tradicional e o contemporâneo não existe. Sankofa significa retornar às raízes; é um convite a conhecer nosso passado, compreender o presente e construir um futuro sólido. Assim, o tempo é cíclico, e a dança de ontem nos guia nas transformações que a dança de hoje realiza para abordar os contextos sociais e as lutas dos corpos que dançam na atualidade. Não nos desligamos de nossas raízes, continuamos a ouvi-las. Portanto, para nós, a dança tradicional é também uma dança contemporânea que nos protege, nos dá liberdade criativa e um discurso político enraizado em nossas próprias histórias de vida.
Como você enxerga o papel da dança na sociedade atual e o que ela pode mobilizar ou revelar sobre nossos tempos?
A dança nas comunidades negras sempre foi uma fonte de conhecimento, rebeldia, luta e posicionamento político. Por isso, é nossa responsabilidade não permitir que o capitalismo, o colonialismo e o olhar que exotiza e erotiza nossa manifestação artística e espiritual despojem essas expressões de seu significado no presente. Pelo contrário, devemos aprender a analisá-las em seus contextos sociais, políticos e comunitários, para assim refletir sobre nós mesmos e encontrar soluções que nos permitam afirmar nossa visão e voz em uma sociedade que constantemente tenta silenciar o corpo que dança.

Homenagem ao escritor colombiano Manuel Zapata Olivella e à sua obra mais célebre, o espetáculo da Sankofa Danzafro olha para a história e suas marcas no presente. Publicado em 1983, o romance Changó, el Gran Putas – algo como Xangô, o Grande Fodão – recria a saga da diáspora africana no continente americano, centrando-se na experiência de escravização, sobrevivência e luta pela liberdade desses povos. O espetáculo segue a estrutura do livro, costurando dança e música como um ritual épico. A narrativa remete a presságios, rebeliões e libertações, além do esforço em manter a conexão com o território africano; durante a travessia do Atlântico, os personagens são acompanhados por seus ancestrais, pelos mortos e por orixás. Partindo da literatura para acercar-se da vivência de corpos afrodescendentes, a companhia detém-se nos traços que perduram, celebrando a força vital de um povo.
This performance is a tribute to Manuel Zapata Olivella’s novel Changó, el Gran Putas [Changó, the Biggest Badass]. What guided you in adapting this literary work into the universe of dance?
Dance is also a form of writing that manifests in the body. Master Manuel Zapata Olivella is a writer denied to us in schools, where white-mestizo authors are imposed instead. Yet in Zapata we recognize ourselves, we find the marks of our past and present, and the lights that guide us into the future. Without a doubt, Changó, el Gran Putas [Changó, the Biggest Badass] inspires us and offers solid foundations to face the challenge of seeing literature as an expression that belongs to us. This work is our homage to Master Zapata and to his struggles, which are also ours.
Traditional dance is also contemporary dance, it protects us, grants creative freedom, and roots political discourse in our own life stories.

You and your company propose a reading of Black experience beyond colonial stereotypes, crossing the traditional and the contemporary. What narratives and temporalities are woven into the work?
To dance is less to be seen than to be heard. Our goal is to create narratives in which we decide how to present ourselves, asserting an autoreferential voice. The narratives we construct reflect the local and diverse knowledge of Black communities in Colombia, making visible the oppressions and the absence of the State. They also celebrate struggles for existence, resistance, and social and political positioning through dance. We seek to dismantle established knowledge that dehumanizes us through coloniality, in order to build a more just society, not only for us, but for all Colombians. For us, Afro-descendants, the dichotomy between traditional and contemporary does not exist. Sankofa means returning to the roots; it is an invitation to know our past, understand the present, and build a solid future. Time is cyclical, and yesterday’s dances guide the transformations of today’s dances as they address the social contexts and struggles of the bodies that dance today. We do not sever ties with our roots, we continue to listen to them. Thus, to us, traditional dance is also a contemporary dance that protects us, gives us creative freedom, and sustains a political discourse rooted in our own life stories.
How do you see the role of dance in today’s society, and what can it mobilize or reveal about our times?
Dance in Black communities has always been a source of knowledge, rebellion, struggle, and political stance. That is why it is our responsibility not to allow capitalism, colonialism, and the gaze that exoticizes and eroticizes our artistic and spiritual practices to strip these expressions of their meaning in the present. On the contrary, we must learn to analyze them within their social, political, and communal contexts, so that we can reflect on ourselves and find solutions that allow us to affirm our vision and voice in a society that constantly seeks to silence the dancing body.
Paying tribute to Colombian writer Manuel Zapata Olivella and his most celebrated work, Changó, el Gran Putas [Changó, the Biggest Badass], Sankofa Danzafro’s performance looks at history and its traces in the present. Published in 1983, the novel recreates the saga of the African diaspora in the Americas, focusing on enslavement, survival, and the struggle for freedom. The performance mirrors the novel’s structure, interweaving dance and music into an epic ritual. Its narrative recalls omens, rebellions, liberations, and the effort to remain connected to the African territory; during the Atlantic crossing, characters are accompanied by their ancestors, the dead, and orishas. From literature to the lived experience of Afrodescendant bodies, the company reflects on what endures, celebrating the vital force of a people.
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