Para todos os dias: fazer, sentir e reconhecer o amor

28/08/2025

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* Por Cris Rosa

Vez ou outra me pego tentando localizar o amor em meu próprio corpo, como quem quer mapear o seu trajeto, ainda que não o veja como um elemento exatamente delineável. Ao longo de anos buscando sentidos para esse pretensioso tema, uma pergunta tem sido fundamental: que amor eu quero construir?

Lembro da manhã em que estava saindo atrasada para a faculdade e me deparei com uma banana num saco pendurado no portão de casa. Imediatamente pensei: “painho lembrou”! Não costumo sair sem comer e naquele momento senti algo que li, anos depois, nas palavras de bell hooks: “o amor é o que o amor faz”. A situação e a máxima compõem, para mim, uma bússola relacional.

Embora a leveza seja uma expectativa comum ao falar sobre amor, quando nos deparamos com os conceitos propostos por autoras negras como Beatriz Nascimento e Lélia González, nos damos conta de que relações que deveriam ser nutridas por ele, às vezes são guiadas por outros elementos. Carinho e familiaridade, por exemplo, não são sinônimos de amor, embora o componham.

Encontrar com o seu significado pode inclusive conduzir à
percepção de que nunca fomos verdadeiramente amadas – um
momento necessário para encararmos com verdade as brechas que nos constituem. Sublinhá-lo a partir das nossas experiências e desejos, porém, pode nos direcionar a uma ética amorosa e a invenção de futuros “onde a lei seja o amor”, como canta Dominguinhos.

Para bell hooks – autora que tem sido a minha referência principal neste e em outros temas –, o amor é uma combinação de respeito, cuidado, confiança e compromisso, entre outros. Quando analisamos a maneira como as relações afetivo-sexuais nos são ensinadas, percebemos que há no seu bojo aspectos que impedem o amor de se revelar. Em relações heterossexuais, a manutenção das hierarquias socialmente construídas pode fazer com que o poder sufoque o amor. Outra face dessa manutenção é reiterada por aquele amor incondicional vendido nos filmes hollywoodianos, em que escolha e responsabilidade perdem espaço para satisfação imediata e idealização. Vende-se um amor impossível e depois tentam comprá-lo.

Para mulheres negras, quase invisíveis nas narrativas hollywoodianas, o amor foi pintado da mesma maneira: um vácuo. As reflexões em torno da autodefinição revelam como as lacunas emocionais cravadas no nosso percurso interferem em posicionamentos, escolhas e sonhos, não raramente resumidos no eco silencioso da pergunta: “eu mereço ser amada?”. Se, por um lado, reconhecermo-nos como sujeitas e elaborar narrativas que conectam as nossas histórias cria espaço para o amor, por outro lado, sinto que ainda é necessário lembrar diariamente de nutrir um cuidado genuíno e fazermos por nós mesmas o que queremos para o mundo, tomando o presente como um sonho em continuação. Tais práticas de fortalecimento individual e coletivo são o que eu tenho aprendido sobretudo entre mulheres que, com seus gestos, palavras e sons, me lembram que, sim, eu mereço ser amada (e sou).

Mergulhar de corpo inteiro no que sentimos e criar contextos em que possamos falar a respeito é um caminho para tornar o amor possível, para fazê-lo, já que amar é ação. Seja nos círculos íntimos ou não, compartilhar nossos olhares pode criar conexões que nos retroalimentem e impulsionem a invenção de sentidos, fazendo daquele vácuo um grande espaço para o novo. A propósito, que amor queremos construir?

* Cris Rosa é baiana, pesquisadora, escritora e professora. Possui experiência em pesquisas voltadas para os seguintes temas: divisões racial, social e sexual do trabalho, o trabalho do cuidado, apropriação do corpo e do tempo das mulheres, espaços públicos,lesbianidades e heterossexualidade, decolonialidade, autocuidado coletivo como estratégia de articulação de mulheres, escritas e narrativas sobre si, construção de subjetividade para mulheres negras; entre outros. Também é fundadora da Lab Rachadura – Laboratório de Estudos sobre a Imbricação Racismo-SexismoCapitalismo.

Cris Rosa integra a programação do Maré Delas 2025, evento potente dedicado ao protagonismo feminino, com as oficinas “Amor, poder e autodefinição”, atividade de literatura direcionada para as mulheres e “Por onde passa o amor” voltada para as crianças do projeto Curumim. Este ano, mergulhamos em um tema que atravessa e transforma vidas: o amor como força ativa, criadora e política – capaz de desafiar estruturas, reconfigurar relações e ampliar redes de solidariedade entre mulheres.

🌿 Saiba mais: https://www.sescsp.org.br/editorial/amar-e-mudar-as-coisas/

🔗 Confira a programação completa: sescsp.org.br/projetos/mare-delas  

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