
O espetáculo foi criado a partir de uma residência com mulheres rapanui. Como foi esse processo?
Este projeto começou em 2018 como um workshop-laboratório que conectava a cena com a Antropologia. Após anos de pesquisa sobre a história do povo rapanui, em 2023 realizamos um laboratório de criação em residência na ilha, imersas na comunidade. Trabalhar com mulheres rapanui foi profundamente revelador. Elas habitam um povo que dança desde os tempos ancestrais, são artistas por tradição. Criar com a comunidade é gestar uma linguagem que nasce do testemunho vivo. Sob a premissa “não estamos todos”, erguemos um espaço simbólico que evoca aqueles que partiram, foram esquecidos ou apagados pela história. Assim, a obra se converte em um ato de reparação, uma invocação para recompor o tecido da memória coletiva. Cantar para não esquecer.
A obra é um ritual para não esquecer. A partir desse olhar é que entendemos a dança: um ritual evocativo de um corpo-ilha com memória.

A obra traz um enfoque feminino e coral para visibilizar os rapanui. De que maneira esses códigos traduzem a memória de um povo?
Te mana hakaâra é esse poder feminino e o mana (espírito-força) que habita a ilha. Nesta montagem, o corpo feminino é reconhecido como um repositório de memórias: é através dos seus gestos, da sua voz, da sua força expressiva, que uma história silenciada é reativada. Fizemos um delicado trabalho de desconstrução da dança tradicional para transformá-la em uma partitura física que fala do íntimo e do coletivo. Em cada movimento estão presentes suas ancestrais. O corpo é um arquivo vivo e uma bandeira: um corpo político que dá seu testemunho de uma memória fragmentada, uma história que foi deslocada, mas que ressurge a partir da cena. A mulher indígena se destaca como figura central, reivindicando o reconhecimento da história de Rapa Nui [Ilha de Páscoa] como patrimônio vivo. O espetáculo entrelaça corpo e voz, e um dos seus pilares é o riu, canto ancestral que nos permitiu construir a partir da evocação e da ressonância simbólica. Mergulhamos no significado desses cantos, compreendendo o que narram e o que vibram. O trabalho performático gera imagens, estados emocionais e paisagens internas. A narrativa foi sendo bordada entre o movimento e o canto, a partir de uma lógica não linear, em que cada corpo-coro convoca aqueles que já não estão e dá sentido àqueles que continuamos aqui. A obra é um ritual para não esquecer. A partir desse olhar é que entendemos a dança: um ritual evocativo de um corpo-ilha com memória.
Como você enxerga o papel da dança na sociedade atual e o que ela pode mobilizar ou revelar sobre nossos tempos?
Acredito que a dança não é algo exclusivo dos bailarinos, é uma expressão profundamente humana, que atravessa gerações e territórios. Nos tempos em que vivemos, a dança pode mobilizar a memória, o corpo e a comunidade. Tem a capacidade de revelar e desvendar o que às vezes não pode ser dito com palavras: a resistência, a identidade, a dor, mas também a esperança. É uma linguagem que desperta o sensível e nos conecta com o essencial de estar vivo.

Criado a partir de pesquisas e oficinas conduzidas com o povo rapanui, habitante da Ilha de Páscoa, o espetáculo costura a herança dessa população por meio das vozes e da corporalidade de mulheres da comunidade. TE MANA HAKAÂRA (“o poder que permanece”, na língua rapanui) enfoca a perspectiva feminina e tem como um dos pilares o riu, canto ancestral, que estrutura a narrativa a partir da evocação e da ressonância simbólica. O que se vê em cena, portanto, é um ritual que entrelaça corpo e voz, baseando-se em danças e cânticos tradicionais para resgatar paisagens íntimas e coletivas. Os corpos das performers rapanui surgem como arquivos vivos, repositório de memórias e também emblema políticos: são testemunhas de reminiscências fragmentadas, de uma história apagada, mas que ressurge em cena nesta cerimônia de invocação para recompor o tecido da memória coletiva.
The performance was created through a residency with Rapanui women. What was this process like?
This project began in 2018 as a workshop-laboratory connecting stage work with anthropology. After years of research into the history of the Rapanui people, in 2023 we held a creative residency on the island, immersed in the community. Working with Rapanui women was profoundly revealing. They belong to a people who have danced since ancestral times — artists by tradition. Creating with the community is to shape a language born of living testimony. Under the premise “we are not all here,” we built a symbolic space that evokes those who departed, were forgotten, or erased by history. Thus, the work becomes an act of reparation, an invocation to recompose the fabric of collective memory. Singing so as not to forget.
The work is a ritual not to forget. From this perspective, we understand dance as an evocative ritual of a body-island with memory.

The work brings a female and choral focus to make the Rapanui visible. How do these codes translate the memory of a people?
Te mana hakaâra is that feminine power and the mana (spirit-force) that inhabits the island. In this piece, the female body is recognized as a repository of memory: it is through gestures, voice, and expressive strength that a silenced history is reactivated. We undertook a delicate deconstruction of traditional dance, transforming it into a physical score that speaks of the intimate and the collective. In each movement, their ancestors are present. The body is a living archive and a flag: a political body bearing witness to fragmented memory, to a history displaced yet reborn through performance. The Indigenous woman emerges as a central figure, demanding recognition of Rapa Nui [Easter Island] history as living heritage. The performance interlaces body and voice, with the riu ancestral chant as one of its pillars, allowing us to build through evocation and symbolic resonance. We delved into the meanings of these chants, grasping what they narrate and what they vibrate. The performance generates images, emotional states, and inner landscapes. The narrative was woven between movement and chant, following a non-linear logic in which each body-chorus summons those no longer here and gives meaning to those who remain. The work is a ritual not to forget. From this perspective, we understand dance as an evocative ritual of a body-island with memory.
How do you see the role of dance in today’s society, and what can it mobilize or reveal about our times?
I believe dance is not something exclusive to dancers; it is a profoundly human expression that crosses generations and territories. In today’s world, dance can mobilize memory, the body, and community. It can reveal and unveil what sometimes cannot be spoken: resistance, identity, pain, but also hope. It is a language that awakens the sensorial and connects us with the essence of being alive.
Created through research and workshops with the Rapanui people of Easter Island, the performance weaves their legacy through the voices and embodied presence of women from the community. TE MANA HAKAÂRA (“the power that remains” in Rapanui) highlights women’s perspectives and is rooted in the riu, an ancestral chant that structures the narrative through evocation and symbolic resonance. On stage, the piece unfolds as a ritual intertwining body and voice, grounded in traditional dances and chants to recover intimate and collective landscapes. The performers’ bodies emerge as living archives, repositories of memory, and political emblems: witnesses of fragmented reminiscences, of a history erased yet reawakened on stage in this ceremony of invocation to restore collective memory.
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.