
Um passeio visual pela história do hip-hop, com movimentos, traços e sons que surgiram nos Estados Unidos e se enraizaram no Brasil
Por Rachel Sciré
Leia a edição de SETEMBRO/25 da Revista E na íntegra
Nos vagões de trens transformados em telas por grafiteiros, nos encontros de b.boys e b.bgirls pelas esquinas da cidade ou nas block parties (festas de rua) comandadas por DJs, é possível perceber como o hip-hop é uma cultura de rua que se desenvolveu a partir da realidade urbana. Em São Paulo (SP), seu epicentro foi a estação São Bento, na região central, onde cerca de dois mil jovens se reuniam aos sábados, durante a década de 1980, para compartilhar informações, sociabilizar e criar expressões próprias inspiradas em manifestações originadas nos Estados Unidos.
O ponto de partida do movimento é a cidade de Nova York, nos anos 1970, mais especificamente o sul do Bronx, distrito afetado por tensões e exclusões, como a pobreza, o desemprego, a brutalidade policial, as brigas de gangues e o racismo. Essa realidade hostil seria reinterpretada pela juventude em termos estéticos, a partir de redes culturais, como mostram imagens de dançarinos em movimento e vagões pintados, clicadas pelos fotógrafos Martha Cooper e Henry Chalfant. “Eles foram os primeiros a enxergar aquilo como uma manifestação artística que estava acontecendo em Nova York”, explica o artista Gustavo Pandolfo, da dupla OSGEMEOS, um dos curadores da exposição HIP-HOP 80’sp – São Paulo na Onda do Break, em cartaz no Sesc 24 de Maio [leia mais no box Próxima estação: hip-hop].
A negociação da condição marginalizada imposta também se revela no modo como DJs se apropriaram de tecnologias para produzir música, sem depender de formas tradicionais de instrumentação. Assim, exploraram novas sonoridades ao manipular discos de vinil e o canto falado dos mestres de cerimônia, os MCs. Ao mesmo tempo, essas práticas revisavam experiências culturais afrodiaspóricas, com destaque para as gravações de funk e soul, mas também para o cinema blaxploitation e as iniciativas de organização política dos negros estadunidenses.
No Brasil, a popularização do hip-hop aconteceu por meio dos veículos de comunicação de massa, como o cinema e a televisão. Filmes como Wild Style (1983), Beat Street (1984) e Breakin’ (1984) influenciaram jovens dançarinos a formar seus próprios grupos de break. A dança foi o primeiro elemento a ganhar visibilidade no país, e b.boys e b.girls tornaram-se atrações de programas de auditório, além de ocupar as ruas da cidade. Já o rap chegou em meio aos embalos de James Brown (1933-2006), Michael Jackson (1958-2009), Tim Maia (1942-1998) e Sandra Sá, no contexto da black music, em bailes promovidos por equipes de som, como Chic Show, Zimbabwe e Black Mad.
Na metade dos anos 1980, a juventude negra e periférica que assumiria a transformação do hip-hop em cultura nacional descobre o espaço da estação São Bento, atraída pelo piso que favorecia os giros e movimentos de dança. Ali, também trocariam recortes da imprensa, fitas k7 e VHS, traduções de textos, letras de rap, traços de grafite. “Existe uma tradição de procurar livros, discos, materiais e compartilhar com outras pessoas. É a materialização do ‘quinto elemento’ da cultura hip-hop, que é a busca por conhecimento. A gente faz isso institivamente”, explica Rooneyoyo O Guardião, memória viva do hip-hop paulistano. “Eu aprendi com o J.R. Blaw [articulador na São Bento] a não guardar a informação para si e a agregar pessoas”, explica a pioneira Sharylaine, ao comentar a sua atuação para o fortalecimento da coletividade feminina no rap.
É seguindo essa batida que o hip-hop promove a consciência sobre a realidade e o autoconhecimento, sempre de forma coletiva e imerso em experiências locais. “É curioso perceber o improviso, a forma como as pessoas criavam as próprias roupas e tênis, a mistura de sprays para fazer uma cor. Tudo isso gerou uma originalidade muito forte, uma linguagem brasileira do hip-hop que também é mostrada aqui [na exposição]”, aponta o artista Otávio Pandolfo, de OSGEMEOS. Ao relembrar os tempos da São Bento, quando começou como b.boy e se eternizou como MC, Thaíde revela: “nós não tínhamos ideia de que o hip-hop no Brasil se tornaria tão grande, mas sempre acreditamos na grandeza de cada um que estava exercendo a cultura”.










Exposição no Sesc 24 de Maio revive expressões que marcaram a cidade de São Paulo na década de oitenta
A esquina da rua 24 de Maio com a Dom José Gaspar é o marco zero do hip-hop brasileiro. Foi ali, nos anos 1980, que os movimentos quebrados, robóticos e dinâmicos de dançarinos, como Nelson Triunfo e o grupo Funk & Cia. hipnotizaram jovens, curiosos e trabalhadores no Centro da capital paulista. “Muitos dançarinos e artistas começaram naquela esquina, então faz todo sentido realizar a exposição HIP-HOP 80’sp – São Paulo na Onda do Break no Sesc 24 de Maio”, destaca Gustavo Pandolfo, da dupla OSGEMEOS.
A mostra, inaugurada em 24 de julho, segue a tradição coletiva da cultura hip-hop e foi idealizada por OSGEMEOS e Rooneyoyo O Guardião. Além deles, integram a curadoria b-boy ALAM Beat, Thaíde, Sharylaine, Rose MC e DJ KL Jay. O acervo é composto por mais de três mil itens de coleções pessoais, que vão de peças de roupas a adereços, passando por equipamentos de som, fitas K7 e VHS, vinis, desenhos, fotografias, recortes da imprensa, panfletos de eventos, entre outras relíquias. Entre as preciosidades, o tape-deck utilizado por Pepeu e Mike para criar “Melô do Bastião”, a fita master do álbum Hip-hop cultura de rua (1988), uma das coletâneas que marcou época, além de documentos do produtor Milton Sales que, entre outras iniciativas, uniu os quatro integrantes do Racionais MC’s.

Para contar o início das expressões artísticas do hip-hop nos Estados Unidos, na década de 1970, a exposição inclui objetos e obras de acervos internacionais. Entre eles, fotografias inéditas de Martha Cooper – que documentou o nascimento do hip-hop na cidade de Nova York –, o documentário Style Wars (1983), de Henry Chalfant, e gravações exclusivas do artista visual Michael Holman, que imortalizou as primeiras batalhas de break.
Segundo o diretor do Sesc São Paulo, Luiz Deoclecio Massaro Galina, a realização de HIP-HOP 80’sp reitera o compromisso do Sesc “com a valorização e a historicização de matrizes culturais diversas, caracterizadas pela combinação entre contestação e inventividade, por entender que nas transgressões estéticas reside a semente de necessárias transformações sociais”. O público também poderá vivenciar essa cultura como espaço de aprendizado e troca por meio de uma programação educativa que prevê oficinas de DJ, grafite, dança e rodas de conversa.
24 DE MAIO
HIP-HOP 80’sp – São Paulo na Onda do Break
Até 29 de março de 2026. Terça a sábado, das 9h às 21h. Domingos e feriados, das 9h às 18h. GRÁTIS.
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