
Grupos de corrida promovem saúde e bem-estar, além de possibilitarem novas formas de ver, viver e interagir com a cidade
Por Lucas Veloso
Leia a edição de SETEMBRO/25 da Revista E na íntegra
Sábado de manhã. O relógio marca 16ºC na Praça Roosevelt, no Centro de São Paulo. Um grupo de 14 pessoas se reúne e faz uma rodada de apresentações, incluindo os pronomes de identificação de gênero de cada participante. Em seguida, inicia-se o aquecimento físico para a atividade do dia. Entre um “estica aqui” e “alonga ali”, o educador físico propõe um desafio coletivo para espantar o frio: amarelinha africana. Na caixa de som, toca a música que embala os pulos sincronizados entre 16 quadrados. Enquanto cantam a sequência “Minuê, minuê / le gusta la dancê/ Le gusta la dancê/ la dança, minuê”, os pés se equilibram em movimentos coordenados. Depois de três repetições, o grupo atravessa a avenida Consolação em direção ao Elevado Presidente João Goulart, conhecido como Parque Minhocão.
Esse é o início do treino do grupo Trans no Corre, um coletivo formado majoritariamente por pessoas trans, que se reúne para praticar corrida. A iniciativa nasceu da conexão entre cinco pessoas trans e, com o tempo, ganhou força ao reconhecer a importância de criar um espaço seguro e acolhedor para a participação de mais pessoas LGBTQIAPN+ no esporte. “Chamamos gente que nunca tinha feito exercício na vida, mas que, desde a infância, foi apartada desses ambientes. Em outros espaços, às vezes, bastava um erro de pronome para que a pessoa não voltasse”, relata Gael Penha, um dos idealizadores.
A proposta é garantir um ambiente onde ninguém se sinta deslocado. “Queríamos evitar que a pessoa viesse uma vez, passasse por uma experiência ruim e não voltasse”, acrescenta Penha. Criado em 2022, o grupo viu a demanda pela corrida crescer entre seus participantes, que incluem pessoas trans e cis.
O Trans no Corre reflete uma tendência: o interesse pela corrida de rua tem aumentado significativamente no Brasil. Segundo dados do Google Trends, houve um crescimento constante nos últimos anos. Em 2020, a média anual de buscas pelo tema era de 26 pontos na escala da plataforma. Cinco anos depois, em 2025, o índice já alcançou 75 pontos, um salto que indica a popularização do interesse pela prática. Esse movimento começou a se consolidar a partir de 2022 e ganhou força especialmente em 2024 e 2025, acompanhando um movimento global de valorização do esporte e da atividade física ao ar livre.
Quando se fala em competições, os números também não param de subir. “O cenário é de um crescimento sem precedentes”, resume o presidente da Federação Paulista de Atletismo, Joel Oliveira. O ano de 2023 já havia registrado um recorde histórico: 734 provas homologadas no estado. Em 2024, houve um crescimento de 40% de provas, mas nesse ano, promete ir além. Entre janeiro e agosto, foram emitidos 599 “permits” – autorizações técnicas para a realização de eventos –, uma alta de 49% em relação ao mesmo período do ano passado. A projeção é de que 2025 termine com mais de mil corridas oficiais.
Outro aspecto é a descentralização: o número de cidades paulistas com corridas homologadas saltou de 80, em 2022, para 146, em 2024. As provas acontecem majoritariamente nas ruas, mas parques como o Villa–Lobos e o Ceret se tornaram polos na capital. O perfil dos participantes também se mantém estável, 70% têm entre 35 e 60 anos, e a divisão por gênero é equilibrada, com ligeira maioria masculina.
Aos 65 anos, a empreendedora social Neide Santos está à frente do Projeto Vida Corrida, no Capão Redondo, na zona Sul de São Paulo, projeto que incentiva a prática da corrida entre mulheres e crianças, e confirma o que os números indicam. “É incrível como a corrida se espalhou por todo o Brasil. Hoje você encontra grupos no Rio de Janeiro (RJ), em Belo Horizonte (MG) e em outras capitais, reunindo pessoas que treinam sem preocupação com performance”, exemplifica. “Venho de uma época em que todos treinavam para melhorar tempos e resultados. Hoje, o foco é qualidade de vida e isso me deixa muito feliz”, resume.
Outra lembrança que Santos destaca é o crescimento do interesse das mulheres pela corrida, um público que, segundo a empreendedora, muitas vezes não encontra tempo na rotina para cuidar de si, devido às demandas familiares e profissionais. “No início dos anos 2000, pouco mais de 800 corredoras completavam a São Silvestre, uma das competições mais tradicionais do país. Já em 2023, foram mais de 14 mil”, destaca. A última edição, em 31 de dezembro de 2024, reuniu cerca de 37.500 corredores, número recorde, de acordo com a organização. “Participo de competições com mais de duas mil vagas. Em minutos, elas se esgotam”, observa. “O futebol pode ser o esporte mais amado do Brasil, mas o mais praticado é a corrida de rua.”
A relação da corredora com a modalidade começou por acaso, aos 14 anos, ainda no colégio, quando foi chamada para substituir uma colega no revezamento 4×100. Naquele dia, em 1974, deixou o handebol e nunca mais parou de correr. A medalha que recebeu nessa primeira prova marcou o início de uma paixão que se fortaleceu por décadas. Para ela, a corrida tinha um valor especial, já que, ao contrário dos esportes coletivos, não exigia companheiros nem equipamentos sofisticados, apenas o próprio corpo e a vontade de se movimentar.
Depois que pegou gosto, passou a treinar de madrugada, por volta das cinco horas, antes do trabalho. Logo, outras mulheres da região começaram a se juntar a ela, reconhecendo na corredora uma líder e exemplo. Esse movimento, nascido de forma espontânea, consolidou-se na década de 1990 com a criação do projeto Vida Corrida. Desde então, mais de cinco mil pessoas já passaram pela iniciativa que hoje atende, semanalmente, cerca de 800 mulheres e crianças.
Formado em educação física e especializado em treinamento esportivo e natação, Ademir Paulino está envolvido com a corrida há mais de três décadas. Hoje, comanda uma assessoria esportiva em São Paulo e treina cerca de 600 pessoas. Ao longo da carreira, acompanhou de perto duas grandes ondas de crescimento da modalidade no país: a primeira, no início dos anos 2000, e a segunda, mais recente, após a pandemia.
Para o educador, a motivação que leva cada vez mais pessoas a aderirem à prática vai além da busca por performance. “O que aconteceu foi a conscientização de colocar a atividade física como parte fundamental da vida”, afirma. A corrida, segundo o especialista, é um esporte simples e acessível, que facilita a entrada de novos praticantes. “A pessoa pode começar com o tênis que tiver, com a roupa que for, que já está dentro do esporte. É algo que facilita muito a adesão.”
Quando o assunto é saúde, os benefícios são amplos e visíveis. “Você melhora a autoestima, a qualidade de vida, evita doenças relacionadas à saúde mental”, elenca Paulino. O fortalecimento de músculos e ossos, o aumento da longevidade e a contribuição para o desenvolvimento humano também estão entre os ganhos.
Acostumado a treinar corredores, Paulino destaca que praticar a corrida de forma gradativa é essencial. Nas primeiras experiências, ele recomenda evitar correr todos os dias, permitindo que o corpo tenha tempo para se recuperar. Também orienta os praticantes a não aumentarem a distância ou o tempo de treino de forma brusca. “O ideal é que o aumento seja gradual, permitindo que o corpo se adapte às atividades”, aconselha.
O educador sugere evitar começar correndo sozinho. Caso não seja possível contratar um treinador, a dica é buscar um grupo de corrida, em que a motivação e a orientação fazem diferença. Ele lembra ainda que a corrida é um esporte de impacto e, por isso, a qualquer sinal de dor ou dúvida, deve-se buscar um especialista. “Faça uma avaliação antes de começar. Isso pode prevenir lesões no futuro.” Cuidados assim são essenciais para garantir a longevidade na prática.
Com a prática da corrida iniciada em 2020, a assistente administrativa Niya Hari Ferreira de Morais, moradora da Vila Formosa, na zona Leste de São Paulo, passou a conhecer melhor a cidade. “Descobri ainda mais o Centro, muitas partes da zona Sul e da própria região onde eu moro”, conta. Para ela, estar nas ruas vai além do exercício físico: é explorar, desmistificar e mostrar que corpos trans também são corpos atléticos e saudáveis. Ocupar as ruas como exercício de cidadania também é um dos objetivos de Francisco Carlos da Silva, o Fran Kauê, morador da Vila Corberi, periferia da zona Leste da cidade. Em uma das ruas da região, ele criou um espaço para práticas esportivas e para a convivência. Munido de latas de tinta e de boa vontade, pintou marcas e raias no chão, criando uma pista improvisada que hoje é símbolo de resistência e pertencimento. “Naquele momento, entendi que não era só sobre corrida, era sobre mostrar para as crianças que elas também podem ocupar esses espaços”, ressalta.
A iniciativa começou de forma simples e, rapidamente, ganhou a adesão de jovens e famílias da comunidade, que hoje praticam corrida nas faixas pintadas. Além de treinar, passaram a enxergar a rua como um local seguro, de encontro e de aprendizado. “A pista virou um ponto de referência. As crianças não vêm só para correr, elas vêm para aprender sobre disciplina, respeito e convivência”, explica.
Para Kauê, ocupar o espaço público com o corpo em movimento também é um ato político. “Sempre mostram a periferia como lugar de violência, mas aqui a gente mostra outra realidade. Aqui tem esporte, tem cultura, tem gente com talento e vontade de mudar de vida”, afirma. “A corrida não é só sobre performance, é sobre criar oportunidades e abrir horizontes. E se essa rua já mudou a vida de algumas crianças, para mim, já valeu a pena.”

“Obcecada por corrida” é como se define a influenciadora Nathalia Guarienti, que até pouco tempo atrás corria sozinha. Por trabalhar em casa e sentir falta de um passatempo social, decidiu conhecer um clube de corrida. Logo no primeiro contato, apaixonou-se pela atmosfera, pelas pessoas e pela coletividade. A experiência fez com que percebesse que havia dezenas de grupos espalhados por São Paulo. Foi então que surgiu um desafio: conhecer o maior número possível de clubes na cidade.
Desde então, Guarienti já frequentou 27 clubes, sendo 24 em São Paulo, dois em Lima, no Peru, um em Tóquio, no Japão, e um em Seul, na Coreia do Sul. A cada encontro, registra não apenas a corrida, mas também a experiência que cada grupo proporciona. “Ocupar a cidade pelo esporte virou o meu jeito favorito de viver nela”, afirma. Entre as lembranças mais marcantes, cita a primeira vez que correu no Centro de São Paulo, quando descobriu que podia haver beleza naquela região à noite.
Organizado pela Prefeitura de São Paulo, o Circuito Popular de Corrida de Rua registra um crescimento expressivo na procura. Até agosto deste ano, já foram mais de 9.100 inscrições, superando com folga as 6.665 registradas em todo o ano anterior. A contadora Flávia Lima viu nas competições uma chance de reunir a família e os amigos. Ela participou das primeiras provas em 2018, mas só retomou o hábito no ano passado,, após uma caminhada de Dia das Mães com a filha. Pouco depois, descobriu o Circuito Popular, e levou o companheiro e a filha para o evento. Em semanas, a experiência virou tradição familiar. Hoje, mãe, tias, primos e amigos começaram a se juntar para as atividades. Nos cálculos, ela garante já ter levado mais de 20 pessoas para correr pela primeira vez.
Responsável por toda a logística, da inscrição à retirada dos kits, a contadora organiza um grupo de oito a dez participantes por prova, sem foco em performance. “É um hobby, sem nenhuma obrigação de ter um bom desempenho em toda corrida”, diz. “Algumas provas terminam em piqueniques no parque para celebrarmos mesmo. Aí, aproveitamos para comer e rir em família”, comemora.

Quem também vive no corre é o músico e compositor Viegas, cofundador do Corre Kilombo, coletivo que promove a corrida e a caminhada como espaços de acolhimento à comunidade negra. O artista também entende a atividade física como algo fundamental para o corpo, seja pelos benefícios à saúde, seja pelas interações coletivas que proporciona. “Costumo falar que temos a necessidade de praticar alguma atividade. Muitas pessoas acham isso chato, mas acredito que, às vezes, elas só não encontraram o esporte delas”, observa. “No meu caso, e para muitas pessoas, a corrida criou um lugar de acolhimento. O esporte salva, me salvou e pode salvar você também”.
Iniciativas ao longo do ano nas unidades do Sesc São Paulo fomentam a corrida e outras práticas esportivas para públicos de todas as idades
A corrida ocupa um lugar permanente nas ações do Sesc São Paulo, sendo incorporada de forma contínua a seus programas e projetos. “Em consonância com os valores da instituição, as atividades de corrida são programadas para promover a saúde e o bem-estar entre nossos frequentadores, por meio de projetos pontuais, como palestras e vivências, e programas permanente, como os Clubes de Corrida e o Circuito Sesc de Corridas”, destaca Carol Seixas, gerente na Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo.
Iniciativa integrante do Programa Sesc de Esportes, o Clube da Corrida é um curso permanente dedicado a essa modalidade, entendendo-a como uma manifestação cultural capaz de transmitir valores ligados ao esporte e à convivência. É voltado tanto para quem deseja iniciar quanto para quem busca aperfeiçoar seu desempenho. Atualmente, conta com 67 turmas distribuídas em 32 unidades do Sesc São Paulo, atendendo 2.650 participantes.
Outro destaque é o Circuito Sesc de Corridas, que incentiva a prática tanto para o público prioritário do Sesc quanto para a comunidade em geral. Ao longo do ano, são realizadas corridas em diversas cidades do estado de São Paulo, promovendo a saúde e encontros entre visitantes e alunos de diversas unidades do estado. As informações sobre cada etapa podem ser acompanhadas nas páginas e redes sociais das unidades do Sesc.
Confira outros destaques:
SANTO ANDRÉ
Corrida das Lanternas
A Semana MOVE 2025 começa iluminando Santo André com o retorno da tradicional Corrida das Lanternas, que marcou gerações nos anos 1960. Dia 23/9, terça, às 20h. GRÁTIS. Informações em sescsp.org.br/santoandre
AVENIDA PAULISTA
(Re)Correr incentiva novos passos
O projeto convida iniciantes a explorar a corrida, com treinos, debates e clínicas com atletas. Até dezembro de 2025.
GRÁTIS. Informações em sescsp.org.br/avenidapaulista
IPIRANGA
Corrida Fora da Caixa
Realizada mensalmente, aos domingos, propõe unir prática esportiva e reflexão sobre a cidade. Dia 21/9, domingo, concentração às 7h30 (Portaria 3 – Rua Xavier Curado, Sesc Ipiranga). Saída às 8h. Percurso aproximado de 10 km. GRÁTIS. Saiba mais em sescsp.org.br/ipiranga
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