Larissa Luz: abre caminhos

01/09/2025

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Cantora, atriz, diretora e apresentadora, Larissa Luz faz de sua trajetória artística multifacetada uma ferramenta de mudança social  

Por Maria Júlia Lledó 

Leia a edição de SETEMBRO/25 da Revista E na íntegra

Durante a infância em Salvador, a artista Larissa Luz gostava de brincar de criar. Filha única, encontrava nas palavras que lhe foram apresentadas pela mãe, professora de literatura, companhia e acalanto. Também percebeu que com as palavras poderia fazer música, e assim o fez com as poesias de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Cecília Meireles (1901-1964). Mas foi quando a menina escreveu seus próprios versos que notou como pareciam melódicas cambalhotas a saltar-lhe da boca. Nascia, naquele momento, a compositora. Apoiada pela família, Larissa Luz enveredou pela música e pelo teatro, e a partir da adolescência passou a buscar oportunidades que a levariam ao reconhecimento na cena artística brasileira contemporânea.  

Entre 2007 e 2012, foi cantora da banda Ara Ketu, que há mais de 40 anos agita a história do axé na música brasileira, mas se consagrou mesmo nos palcos do teatro, interpretando personagens famosos pela resiliência e coragem. Em seu espetáculo de estreia, Gonzagão, a lenda (2012), interpretou as mulheres que marcaram a vida d’O Rei do Baião. Já em Elza (2018), interpretou a cantora Elza Soares (1930-2022) em premiada atuação. Desde 2024, atua como a protagonista Bibiana na adaptação para os palcos do best-seller de Itamar Vieira Júnior, em Torto Arado – o musical (2024). Pelo papel, recebeu indicações dos prêmios APCA e Shell de Melhor Atriz. Larissa Luz também lançou dois discos autorais – Território conquistado (2016) e Trovão (2019) –, atuou no cinema, onde coleciona alguns papeis – e apresentou, de 2022 a 2024, o programa de televisão Saia Justa, no canal GNT.  

Aos 38 anos, a multiartista ainda realiza outros trabalhos como diretora, produtora e curadora. “Me dispus a ser multiartista e me tornar uma personalidade que pudesse transitar entre diversos estilos e linguagens artísticas”, explica. Neste Encontros, Larissa Luz conta como foi o começo da carreira, a importância do legado de Elza Soares, e o que gostaria de deixar para futuras gerações. 

BRINCADEIRA 

Minha mãe é professora de literatura e esse foi o começo da minha relação com a arte. Todo esse meu envolvimento com a arte partiu da literatura. Minha mãe me apresentou livros muito cedo. Enquanto filha única, com os livros e com os jogos, fui adentrando esse universo lúdico da criação. Criar histórias e mundos se tornou meu passatempo favorito. Um portal se abriu e nunca mais se fechou. Então, comecei a escrever e a ler poesia muito nova. Das poesias, comecei a musicar poemas de [Carlos] Drummond, de Cecília Meireles. Depois, passei a escrever e musicar os meus próprios poemas, foi aí que descobri que estava compondo.  

PROFISSIONAL 

Sempre fui muito obstinada. Então, pedi para a minha mãe para fazer aulas de canto e de teclado. Comecei a cantar e minha professora me colocou para fazer apresentações em shoppings. Até que uma professora da escola me chamou para fazer parte de um grupo de dança, o Interarte, que tinha música também. Era uma companhia profissional, que cantava em navio de cruzeiro. Todo mundo já era mais velho e eu entrei com 15 anos. Corri atrás para aprender com tantas pessoas, tantos bailarinos e profissionais incríveis. Nessa idade, eu já estava cantando profissionalmente, ganhando cachê. E com 18 anos, entrei no Ara Ketu. 

ARA KETU 

Em Salvador, eu vivi um momento em que a cena do axé estava muito embranquecida. Eu fui parar num teste, não sabia o que era e, depois de muitas etapas, soube que era para o Ara Ketu. Eu não entendia muito do axé, eu era roqueira. Mas o Ara Ketu tinha uma história negra muito forte e um projeto social incrível. Achei que estando ali, eu poderia ser uma mudança de paradigma, uma representação imagética para inspirar nosso povo. Porque o axé é totalmente negro, e é mais do que justo que ele seja representado pelos negros e pelas mulheres negras. Foi um grande aprendizado [trabalhar no Ara Ketu], mas chegou um momento onde eu precisei ter mais liberdade criativa. Por isso, resolvi sair e seguir carreira solo. 

Não me importo de assumir essa responsabilidade de ser alguém que está trabalhando para construir um cenário melhor para as meninas pretinhas que vão chegar aqui nesse mundo de peito aberto

No premiado musical Elza, apresentado no Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros, Larissa Luz assina direção musical, além de dar voz e corpo à resiliência da cantora Elza Soares, que assistiu ao espetáculo em 2018. Foto: Laura W. Rosenthal 

ÁFRICA 

A gente bebe de uma fonte inesgotável chamada Mãe África, que para a gente não tem uma definição única, porque viemos de um berço muito rico e múltiplo em possibilidades artísticas. Eu gosto de experimentar essa fusão rítmica que a África nos permite, partindo do pressuposto de que estamos no Brasil, e de que somos brasileiras e brasileiros. Sempre tive problemas em encaixar minha música numa prateleira. Para mim, tudo faz parte desse universo da música negra. Minha música é uma fusão de ritmos negros. 

MÚLTIPLA 

Me dispus a ser multiartista e me tornar uma personalidade que pudesse transitar entre diversos estilos e linguagens artísticas. Estou sempre pensando em estratégias para que essas diversas de mim possam estar agindo em confluência, para que as pessoas me entendam enquanto uma personalidade que consegue tanto criar um arranjo, uma produção musical, uma letra, uma música, mas também atuar, cantar. Tudo isso para comunicar o que eu acredito: fazer da minha arte uma ferramenta de transformação social. 

MUSICAIS 

Gonzagão (2012) foi o primeiro grande projeto no teatro. Quando eu cheguei no Rio de Janeiro, João [Falcão, diretor e dramaturgo] me viu dando uma entrevista e Laila [Garin, atriz] estava saindo do elenco para fazer Elis. Aí, ele falou: “Vamos chamar você para entrar no lugar de Laila em Gonzagão”. Fiz uma leitura rápida [da peça], ele já gostou e ali eu comecei um grande percurso dentro do teatro musical. João foi um grande mestre, uma das primeiras pessoas que me sacou enquanto atriz, e que me deu uma oportunidade no escuro. Ele também falava: “Tem uma Elza [Soares, cantora] aí, tem alguma coisa”. Aí, fui trilhando esses passos e fiz a Ópera do Malandro (2014) com ele também. Depois cheguei em Elza (2018). Eu achava que tinha tudo a ver comigo, porque a gente está falando de artistas que falam do Nordeste, de artistas que discutem de pautas e causas como feminismo e racismo. Histórias que, de alguma forma, diziam respeito àquele propósito inicial, de transformar, e de contribuir para fomentar e fortalecer a cultura do nosso país.  

ELZA 

Eu brinco que Elza [Soares] e eu nos aproximamos até virarmos uma só. Porque ela me conheceu cantando no edital da Natura e me falou um monte de coisa linda: “Eu me vi ali, no palco. Você tem uma coisa que eu tenho também. Vamos nos aproximar, nos conhecer e trocar ideia no Rio”. Aí, eu a chamei para participar do meu disco Território conquistado e ela topou, foi uma querida. Logo na sequência, me chamaram para fazer o musical [Elza]. Ela queria realmente se ver ali. Comecei a estudar muito como ela ria, falava, quais eram suas indignações. Percebi coisas muito profundas como essa “não mágoa” de um sistema que a oprimiu durante toda a vida. Elza queria que fosse um espetáculo do qual as pessoas saíssem acreditando no poder de resiliência dela, na força que ela teve para vencer e que se sentissem encorajadas. Para mim, isso foi um norteador de vida. Despertou um “lugar Elza” dentro de mim, para onde vou quando estou cansada, desmotivada ou desacreditada.  

BIBIANA 

[Torto Arado – O musical (2024)] Foi bem desafiador porque a gente conhece a Bibiana do livro.  É uma personagem que estava ali no papel – não sei como ela é, como ela anda, também não sei como é que ela sente. Tive que dar um corpo para aquela pessoa que está ali, em linhas. Fiquei muito honrada com o convite, me senti convocada. A obra é extremamente necessária. É fictícia, mas fala de um povo real, de um povo que vive e sofre com a disputa de terras, sob a premissa do medo. A obra de Itamar [Vieira Júnior, escritor] reflete a realidade de uma forma muito intensa. Ver uma obra de literatura fazer um sucesso desse e reverberar da forma que está reverberando é uma satisfação sem tamanho, porque faz a minha vida valer a pena. Me faz acreditar na arte e entender por que estou fazendo arte.  

A atriz e cantora Larissa Luz como a personagem Bibiana, em espetáculo musical inspirado no best-seller Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior, encenado no Teatro Raul Cortez, do Sesc 14 Bis, em 2024. Foto: Fernanda Baldo 

LEGADO 

Acho que a gente está construindo – eu e outras da minha geração – um cenário um pouco melhor para as meninas que estão vindo. Não me importo de assumir essa responsabilidade de ser alguém que está trabalhando para construir um cenário melhor para as meninas pretinhas que vão chegar aqui nesse mundo de peito aberto. Eu não quero que elas passem por coisas que eu passei, que Elza [Soares] passou, que outras de nós passamos lá atrás. Espero que elas estejam mais seguras de si, da sua beleza, da sua importância, sabendo muito mais sobre a sua cultura, coisas que a gente não via muitas vezes nos livros, e que elas entendam melhor as referências artísticas e culturais que constroem e construíram sua história e ancestralidade. Para que elas partam de outro lugar e que tenham segurança para ser o que elas realmente são. 

  • A multiartista Larissa Luz participou da reunião do Conselho Editorial da Revista E, no dia 30 de julho de 2025. A mediação do bate-papo foi de Adriana Macedo, que integra a equipe de teatro da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo. 

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