
Foto: Daisy Serena
Pensado para discutir a opressão feminina vivida desde os tempos do Brasil Colônia, o espetáculo Carta à Rainha Louca, do Núcleo Toada, entra em temporada no Sesc Bom Retiro entre os dias 12 de setembro e 12 de outubro de 2025 , com sessões às sextas e aos sábados, às 20h, e, aos domingos, às 18h, além de uma sessão extra no dia 10 de outubro, sexta, às 15h. Os ingressos já estão à venda online e presencialmente nas bilheterias das unidades do Sesc SP. Confira o programa de sala digital clicando aqui.
Baseado no livro homônimo de Maria Valéria Rezende, publicado em 2019 e contemplado com o Prêmio Oceanos em 2020, o espetáculo conta a história de Isabel das Santas Virgens que, isolada num convento em Olinda, escreve uma carta à Rainha Maria I de Portugal, conhecida como Rainha Louca, relatando sua trajetória e denunciando as violências cometidas pelos homens no período do Brasil colônia. Isabel é presa e acusada injustamente por tentar estabelecer na região de Minas Gerais um convento feminino clandestino, quando na verdade tratava-se de uma comunidade criada para acolher mulheres pobres, sem família, sem renda, sem destino: as chamadas ‘sobrantes’.
O livro Carta à Rainha Louca foi concebido e escrito a partir de uma carta verdadeira encontrada por Maria Valéria Rezende nos arquivos ultramarinos em Lisboa. A autora escreve sobre memória, sobre feminismo e sua obra se debruça sobre o Brasil profundo, tendo livros publicados em mais de oito países. Educadora popular e freira integrante do movimento da Teologia da Libertação, estreou na literatura quase aos 60 anos, tornando-se um nome reconhecido no campo da literatura, com prêmios Jabutis, Oceanos e Casa de las Américas.
Com idealização de Lilian de Lima e Núcleo Toada, dramaturgia de Bárbara Esmenia e direção de Patricia Gifford, o trabalho utiliza o poder de um coro de 17 vozes para ampliar as questões apresentadas no livro. A música, então, ganha um papel de destaque e é Fernanda Maia quem assina a direção musical, as composições e os arranjos.
Em cena, além de Maia, estão Carla Vitor, Cida Portela, Eli Weinfurter, Joice Jane Teixeira, Legina Leandro, Márcia Fernandes, Marta Mendes, Priscila Ortelã, Rebeka Teixeira, Rommaní Carvalho, Simone Julian, Uriã de Barros, Wilma Elena, Giullia Assmann e Mayara Alencar.
“Esse coral poderoso, com uma equipe artística grande ao redor – é composto por pessoas com diferentes idades, com variadas experiências em teatro, vindas de diferentes territórios, numa diversidade étnico-racial e de gênero – enfrentando a beleza do desafio de formar um coro. Quisemos evocar a coletividade, trazendo o sentido de uma rede, de uma aliança, de uma força, de um certo sentido de comunitarismo, porque é uma história de opressão”, conta a diretora.

A história
No fim do século XVIII, em Minas Gerais, Isabel das Santas Virgens fundou uma comunidade com o objetivo de acolher mulheres pobres, sem família, sem renda e sem destino conhecidas como “sobrantes”, população constantemente vítima de violência. No entanto, o ato incomodou os poderosos e ela foi presa no convento do Recolhimento da Conceição, localizado em Olinda (PE), sob a falsa acusação de tentar criar um convento feminino clandestino.
Encarcerada por cerca de três anos, ela acreditava que sua libertação viria através do poder das palavras. Por isso, escreveu uma carta à Maria I, conhecida como Rainha Louca de Portugal, relatando sua história e os abusos praticados pelos homens da Coroa contra a população vulnerável. “Somente uma outra mulher seria capaz de entender suas dores. E, sendo a Rainha uma mulher com autoridade e poder, Isabel acreditava que ela poderia tirá-la da prisão”, comenta Lilian de Lima.
Maria Valéria, que durante muitos anos exerceu a atividade de freira missionária, na ocasião em que pesquisava os arquivos históricos ultramarinos em Lisboa, em 1982, encontrou uma carta real, uma carta verdadeira, endereçada à coroa portuguesa, que apresentava a defesa de uma mulher alegando ter sido presa injustamente por insubmissão à Igreja. A ideia do romance nasceu a partir desse fato. “Maria Valéria queria preencher as lacunas deixadas pelo tempo sobre a vida dessa mulher tão subversiva”, completa a idealizadora do projeto.
Utilizando um vocabulário tradicional dos anos 1700, sem abrir mão no entanto de ter sua escrita compreendida nos dias de hoje, a escritora recria essa história, colocando em foco as mulheres consideradas loucas pela sociedade.
Para Patrícia Gifford, a peça do Núcleo Toada poderia ser facilmente um monólogo – já que, no livro, existe apenas uma narradora contando a sua vida – mas, como o grupo mantém uma relação forte com a música, a ideia de ocupar o palco com um coro potente logo começou a tomar forma. Assim, a peça consegue dar protagonismo às mulheres pobres, enclausuradas em conventos, às mulheres escravizadas, às meninas de famílias ricas usadas como moeda de troca em casamentos arranjados e tantas que foram apagadas da história.
E, por ter um elenco numeroso em cena, Carta à Rainha Louca explora a ocupação do palco para criar as impactantes imagens que ambientam a trama. O figurino e cenário de Thaís Dias e Carol Gracindo, juntamente com os adereços, tem a capacidade de se expandir, transformando-se em múltiplos elementos de cena.
Em relação à sonoridade, além das próprias vozes como instrumentos, estão presentes em cena um contrabaixo, violoncelo, piano elétrico, sanfona, violino, rabeca, diversos instrumentos de sopro e percussão. “Fernanda se preocupou em remeter tanto aos estilos musicais comuns do século XVIII quanto aos ritmos mais contemporâneos e de domínio público, como em uma cena em que um coro de lavadeiras entoa uma cantiga de roda antiga, cantada até os dias de hoje”, comenta Lilian.

Bate-papo
A temporada no Sesc Bom Retiro também inclui o encontro Do Romance ao Palco – Bate-papo sobre o livro Carta à Rainha Louca. Maria Valéria Rezende, Lilian de Lima e Patrícia Gifford conversam sobre as motivações da escritora para criar a obra e sobre o processo de adaptação do texto para o teatro. O evento acontece no sábado, dia 4 de outubro, a partir das 16h, grátis. Saiba mais clicando aqui.
Sobre Maria Valéria Rezende
Nasceu em 1942, em Santos, em uma família de escritores e artistas santistas e mineiros, e vive na Paraíba desde 1976. Conheceu Paulo Freire e sua obra aos 18 anos e desde então dedicou-se à Educação Popular, em diferentes regiões do Brasil e no exterior. Publicou seu primeiro livro de ficção às vésperas de completar 60 anos. Desde então publicou mais de 20 livros para crianças, jovens e adultos, recebendo vários prêmios (Jabuti, São Paulo, Oceanos, Biblioteca Nacional, Casa de las Americas, etc). Tem obras traduzidas e publicadas na França, Espanha, Itália, Portugal, Argentina, República Dominicana, China, Inglaterra e Rússia.
Sobre Lilian de Lima
Atriz, cantora, dramaturga e preparadora vocal, Lilian de Lima é formada em Interpretação pela Escola de Arte Dramática ECA/USP e em Expressão Vocal/Canto pelo Studio Voz em Movimento. No teatro, é fundadora do Núcleo Toada, com espetáculos como: “Trilogia Toadas Para João e Maria, O Amor Segundo Chico Buarque” e o musical “Pagu, Anjo Incorruptível”, entre outros. Integra a equipe artística de diversos coletivos teatrais e espetáculos da cidade de São Paulo.
Sobre Patrícia Gifford
Atriz, diretora e professora. Cofundadora da Cia São Jorge de Variedades que atua há 25 anos na cidade de São Paulo, com 10 espetáculos no seu repertório e extensa pesquisa registrada em artes cênicas. É professora na Escola Livre de Teatro de Santo André e em diversas parcerias artísticas com outras companhias, sempre interessada em fomentar a pesquisa continuada de grupos de teatro com trabalho continuado e independentes.
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