Nós vamos sorrir 

30/09/2025

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O avanço da tecnologia, aliado a cuidados humanos, promove saúde, que começa pela boca 

POR LUCIANA ONCKEN
FOTOS NILTON FUKUDA

Leia a edição de OUTUBRO/25 da Revista E na íntegra

O tempo em que ir ao dentista era sinônimo de angústia pode estar cada vez mais distante na memória. O avanço no tratamento odontológico, principalmente nos últimos anos, tem transformado a relação da população com os consultórios. Hoje, o acesso à informação, à educação e a novas ferramentas tecnológicas permite uma prevenção mais eficaz, tratamentos mais eficientes e acompanhamentos ainda mais personalizados. Um exemplo bem-sucedido de tecnologia a serviço do cuidado humano. 

A mudança tem sido alcançada por fatores como a integração entre as chamadas tecnologias leves às tecnologias duras. Na prática, enquanto as tecnologias leves envolvem práticas de escuta, acolhimento, criação de vínculo, educação para a saúde e promoção de autonomia do paciente, as chamadas tecnologias duras englobam recursos físicos, como equipamentos odontológicos, radiografias digitais, scanners, impressoras 3D, tomografia, entre outros. No campo da saúde bucal, a prática profissional e novos estudos comprovam que a combinação entre ambas as tecnologias tem resultado em atendimentos mais integrais e em abordagens mais humanizadas. 

Papel social 
A professora Luciane Miranda Guerra, da Faculdade de Odontologia da Universidade de Campinas (FOP-Unicamp), traz um exemplo impactante de como as tecnologias duras aliadas às tecnologias leves fazem diferença na vida dos pacientes. Ela lidera uma equipe de pesquisadores que atua no desenvolvimento de pesquisas sobre o atendimento a vítimas de violência, incluindo mulheres, idosos, crianças, pessoas com deficiência e a população LGBTQIAPN+. 

“O cirurgião-dentista é um dos primeiros profissionais a serem acessados pelas vítimas de violência doméstica”, revela a professora. Isso ocorre porque a maior parte das lesões, não por acaso, é em cabeça e pescoço, com a intenção de destruir a identidade da vítima, explica a pesquisadora. A partir daí, o primeiro desafio do profissional é não apenas reconstruir essa face, mas ir além da tecnologia dura, aplicando a tecnologia leve: com empatia, cuidados e, também, notificação compulsória – o ato de comunicar a suspeita ou confirmação de doença, agravos ou outros eventos de saúde pública às autoridades responsáveis. A complexidade não está no procedimento odontológico, como uma restauração, extração ou reabilitação, por exemplo, está no acolhimento, no encaminhamento, na notificação compulsória”, observa Guerra.  

Para preencher essa lacuna na formação, o Grupo de Estudos e Pesquisa Qualitativa (GEPEQ), liderado pela professora Luciane Guerra, desenvolve ações de capacitação profissional por meio de um curso de extensão. Nas aulas, aprende-se a lidar com o sistema de informações do Sistema Único de Saúde (SUS) e a maneira correta de fazer a notificação compulsória, além do cuidado na abordagem da pessoa que sofreu a violência, para que não se sinta constrangida ao falar sobre o assunto. 

Uma solução desenvolvida pelo grupo da Unicamp, em parceria com o Práxis, da Universidade Estadual do Piauí (Uespi), financiada pelo Projeto Centelha/Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí (FAPEPI), integra tecnologias duras e leves: trata-se de um WebApp, atualmente em fase de teste nas unidades de saúde da família, com três interfaces (usuárias, profissionais e gestores), por meio das quais profissionais e gestores podem, com oito níveis de classificação de risco, identificar mulheres em situação de violência. “Ao mesmo tempo, a tecnologia permite que as mulheres solicitem acolhimento psicológico e orientações sobre notificação e a rede de atenção, inclusive a de saúde bucal”, resume a professora Brunna Verna, pesquisadora do Práxis Uespi. Esse é um exemplo de como a tecnologia pode humanizar o atendimento. 

Em consultórios do Sesc Florêncio de Abreu, em andar recém-inaugurado, tecnologias e atendimento humanizado contribuem com a promoção da saúde bucal. 

Além da boca 
“A boca é um instrumento de trabalho, de reivindicação de direitos, de comunicação, de prazer, de dor. É um instrumento que alimenta. Então, o nosso grande desafio contemporâneo é se afastar um pouco, para ver o indivíduo que carrega essa boca e onde esse indivíduo vive, mora, se relaciona, trabalha. Porque essas coisas estão integradas”, afirma o professor Paulo Sávio Goes, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Faculdade de Medicina de Olinda (FMO). 

Goes coordena o programa Community Oral Health Research Equity (CORE) no Brasil, projeto focado na equidade em saúde bucal, liderado pelo Instituto Nacional de Pesquisas do Reino Unido. “O objetivo central do programa é traçar estratégias em saúde bucal que possibilitem atender de forma mais adequada as pessoas que mais precisam”, conta. Para isso, o programa trabalha com engajamento comunitário e codesenvolvimento, no qual as próprias comunidades, junto aos pesquisadores, definem as intervenções de saúde necessárias. 

Para o especialista, a equidade é fundamental. “Tratar pessoas com necessidades diferentes de forma igual apenas aumenta as diferenças”, alerta. O caminho é composto por modelos que usam critérios de vulnerabilidade para corrigir desigualdades, combatendo o que o médico britânico Julian Tudor Hart (1927-2018) definiu, em 1971, como Lei do Cuidado Inverso, que diz que os serviços de saúde tendem a atender mais aqueles que menos precisam. 

A tecnologia dura contribui diretamente para o acesso e a equidade. Um exemplo é a tele-estomatologia, um recurso que auxilia no diagnóstico de doenças bucais, como o câncer de boca. Um dentista em área remota pode fotografar a boca de um paciente com seu celular. A imagem é enviada para um centro especializado, que faz a análise e entra em contato indicando, por exemplo, a necessidade de uma biópsia. “Essa tecnologia é vista como uma oportunidade incrível para pessoas que vivem e trabalham em áreas distantes, pois ajuda a acelerar o diagnóstico de problemas de saúde bucal”, salienta o coordenador do CORE no Brasil. 

Revolução digital 
O radiologista e coordenador do curso de pós-graduação em radiologia odontológica do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Márcio Yara Buscatti, representa a face mais tecnológica dessa transformação. O especialista explica que essa área foi a primeira especialidade odontológica a entrar no mundo digital, ainda no início dos anos 2000. “Anteriormente, os centros de radiologia eram apenas locais de diagnóstico, mas hoje, tornaram-se centros de planejamento que trabalham lado a lado com outras especialidades odontológicas”, conta. 

“A gente não trata dente, a gente trata pessoas. Por trás daquela radiografia, temos um paciente com sua dor, sua dificuldade, sua história”, ressalta Buscatti. Quando o dentista usa o scanner, explica ao paciente o que está acontecendo, a tecnologia aproxima. “Assim, o paciente desenvolve confiança no tratamento”, observa. “Isso é humanização também: você envolve o paciente no seu processo terapêutico”, complementa. 

A gente não trata dente, a gente trata pessoas. Por trás daquela radiografia, temos um paciente com sua dor, sua dificuldade, sua história.

A inteligência artificial é vista como outra ferramenta que aprimora o trabalho sem substituir o profissional. “Ela otimiza nossos laudos e nos dá mais tempo para o que realmente importa: cuidar de pessoas. Ou seja, faz com que o dentista ganhe tempo para ouvir o paciente e entender quem ele é, de onde vem, qual a sua história”, explica o professor.  

Outro benefício das novas tecnologias está na democratização do acesso a essas ferramentas, a partir da redução de custos. Com impressoras 3D, é possível confeccionar próteses totais de forma mais rápida e barata. “Isso acaba barateando o resultado final. Já existem projetos, junto a várias prefeituras, de confecção de próteses totais via impressão 3D”, destaca Buscatti. Em clínicas com alta tecnologia, é possível que um paciente entre de manhã e, à tarde, saia com uma prótese total, processo que antigamente levava semanas. 

Saúde integral 
A literatura científica comprova que problemas bucais se refletem em todo o organismo. “As doenças crônicas orais, como a cárie dentária e a periodontite, podem predispor um indivíduo a doenças cardiovasculares e metabólicas, além de estar ligada à nutrição, à autoestima e a outros problemas, como de saúde mental”, lembra o professor Paulo Goes. “O diabetes, por exemplo, tem extrema intimidade com a boca. Se você não tem condição bucal saudável, isso pode afetar sua glicemia”, complementa a professora Luciane Guerra. 

Essa compreensão de saúde integral explica por que a odontologia foi a primeira área não médica incorporada às equipes de Saúde da Família em 2001. “Quem está ali não é um dente, não é uma polpa, um canal. É uma pessoa que mora em um território, que sofre dificuldades para chegar ao consultório”, diz Guerra, referindo-se ao conceito de Clínica Ampliada. 

A boa notícia é que essa percepção sobre a importância do cuidado com a saúde bucal para preservação da saúde integral tem feito parte das ações do governo, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). “A saúde bucal demorou a ser reconhecida como um direito e a ser incluída de forma robusta no SUS. Foi um processo que levou mais de duas décadas para se consolidar”, recorda Goes. 

Em 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) pautou a saúde bucal pela primeira vez na história. A OMS estabeleceu o Plano de Ação para a Saúde Bucal 2023-2030 com metas ambiciosas: 80% da população mundial deve ter direito a serviços essenciais de saúde bucal e alcançar uma redução relativa de 10% na prevalência das principais doenças bucais. “Esse foi um momento bastante estratégico para a saúde bucal no mundo”, celebra Goes. 

Equipamentos tecnológicos, como tomógrafos, foram incorporados à área de Saúde Bucal do Sesc Florêncio de Abreu, permitindo diagnósticos mais precisos e tratamentos mais eficazes. 

Desafios e perspectivas 
Apesar de avanços nas ciências e de políticas públicas em âmbito nacional e mundial, desafios significativos permanecem na promoção da saúde bucal. “Nossa formação é muito biomédica, muito dura. Pouco se discute sobre acolhimento, humanização, vínculo paciente-profissional durante a formação”, observa Guerra. “O aluno está focado em aprender a parte técnica, fazer um dente direito. Mas você está atendendo um ser humano”, complementa Buscatti.  

O acesso aos tratamentos também é uma questão central. Cerca de 27% dos pacientes em Centros de Especialidades Odontológicas faltam às consultas. “Isso nos faz refletir: ele não vai por quê? Tem acesso ao transporte? Como é acolhido?”, questiona Goes. 

A boa notícia é que, apesar do alto custo de equipamentos como scanners e tomógrafos, a terceirização permite acesso à tecnologia sem a necessidade de elevado investimento individual. “O dentista não precisa ter todo esse investimento individualmente. Ele pode terceirizar o serviço com um centro de diagnóstico, onde a tecnologia já está disponível, e torná-la acessível ao seu paciente”, destaca Buscatti. 

A convergência entre tecnologias duras e leves aponta para um futuro mais inovador e humano na área da odontologia. “É imprescindível que tenhamos as tecnologias como parceiras. O desafio será manter nossa face humana e potencializar ainda mais o uso delas”, projeta Goes. Para Guerra, professora da Unicamp, “é do encontro dos seres humanos que surge algo único, mesmo que seja por meio de uma tela”, indicando que, no cerne da revolução em curso, a tecnologia não vai substituir o ser humano, mas pode potencializar conexões, cuidado e equidade.  

para ver no sesc / saúde 
Expandir cuidados 
Sesc São Paulo investe em tecnologia e amplia ação na Odontologia com inauguração de três novos espaços na unidade Florêncio de Abreu 

Desenvolvido desde 1946, programa de Saúde Bucal, do Sesc São Paulo, conta com 34 clínicas em todo o estado e se moderniza com novas tecnologias e espaços no Sesc Florêncio de Abreu. 

O programa de Saúde Bucal é desenvolvido pelo Sesc São Paulo desde a sua fundação, em 1946. Essa é uma das ações que visam à promoção da saúde, respeitam os ciclos de vida e o contexto social dos indivíduos, valorizando processos que estimulam a autonomia e o autocuidado. Atualmente, o Sesc dispõe de 34 clínicas – 29 fixas e cinco móveis – com um total de 154 consultórios. Em 2024, foram atendidas 49.912 pessoas e realizadas 857.811 consultas por uma equipe composta por 315 dentistas e 203 auxiliares. Os serviços incluem diversas especialidades, como preventiva, odontopediatria, prótese e ortodontia, entre outras. 

A ação ainda se fortalece com a reforma do Sesc Florêncio de Abreu, que irá contar com três novos espaços. O Centro de Diagnóstico por Imagem terá equipamentos com as mais recentes tecnologias para diagnósticos de alta qualidade e com o mínimo de impacto ambiental. O Laboratório de Prótese Dentária apoiará as clínicas com mais precisão e agilidade, usando tecnologia digital para proporcionar maior precisão e qualidade, reduzindo a quantidade de consultas e otimizando a logística das peças. A nova clínica incluirá uma Central de Material Esterilizado, com um conceito inovador de biossegurança e autonomia do setor. 

O acesso ao atendimento odontológico do Sesc São Paulo é exclusivo para trabalhadores do Comércio de Bens, Serviços e Turismo e seus dependentes, com Credencial Plena válida. Além disso, a inscrição acontece anualmente e a seleção dos inscritos é feita com base no grau de vulnerabilidade social. 

Mais informações em sescsp.org.br/odontologia 

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