Se está na época, tem na feira

14/10/2025

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Morangos no inverno, abóboras no outono, cores que mudam a cada estação. Nutricionista Gabriela Rigote reflete sobre como o respeito ao tempo da terra é também uma forma de cuidar da saúde e da sustentabilidade.


GABRIELA RIGOTE é nutricionista (FSP/USP), com pós-graduação em Nutrição em Saúde Pública pelo Programa de Aprimoramento Profissional da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo) e mestrado em Saúde Pública (FSP/USP). É pesquisadora e mentora no Sustentarea (FSP/USP)


Uma volta pela feira envolve incontáveis cheiros, cores e sabores. As feiras livres são ambientes repletos de estímulos sensoriais e de diversidade alimentar. São um elo claro entre quem produz e quem consome, entre o campo e a cidade, com produtos frescos e de época, muitas vezes orgânicos e/ou agroecológicos.

Consumir alimentos de época tem a ver com sazonalidade, um conceito fundamental para pensarmos em sistemas alimentares mais justos e sustentáveis. Na feira, basta olhar em volta para perceber que frutas, legumes e verduras estão no auge do frescor: os alimentos de época estão sempre em maior quantidade e com preços mais acessíveis. E, no final da feira, surge mais uma oportunidade de democratizar o acesso a uma alimentação adequada e saudável.

Gabriela Rigote, nutricionista e pesquisadora do Sustentarea, projeto de extensão da Universidade de São Paulo (USP), lembra que a sazonalidade influencia não apenas o sabor e o valor do alimento, mas toda a cadeia de consumo. Por exemplo, se uma fruta é importada de outro país, ela viajará muito para chegar até você, o que gera mais emissões de gases de efeito estufa.

Confira na entrevista:

O que é uma alimentação adequada e saudável?

Hoje em dia, pensando principalmente no atual referencial da nutrição, que é o Guia Alimentar para a População Brasileira (Ministério da Saúde, 2014), saímos do paradigma em que a alimentação é apenas fonte de nutriente. Uma alimentação adequada e saudável considera não apenas os aspectos biológicos e nutricionais, mas também o modo de produção e a composição dos alimentos. Então, passa a importar de onde ele vem, como chegou até você, entrando no viés da sustentabilidade.

Também falamos muito da classificação dos alimentos de acordo com o nível de processamento. Temos os alimentos in natura, que são as frutas, legumes, vegetais, cereais. Depois, os alimentos minimamente processados, que passam por processos físicos como lavagem ou moagem, como as farinhas, nos quais não há adição de outros ingredientes. Temos os processados, em que são adicionados sal e gordura. E os ultraprocessados, que são os produtos com muitos aditivos e pouca comida de verdade.

Uma refeição adequada e saudável vai ter como base os alimentos in natura, os alimentos minimamente processados e os ingredientes culinários – açúcar, sal e óleo, com moderação. Os alimentos processados e os ultraprocessados devem estar presentes em uma quantidade e uma frequência menor.

Para muitas pessoas, ainda é difícil ter acesso à diversidade alimentar. Poderia explicar sobre essa falta de acesso e o conceito de “desertos e pântanos alimentares”?

Os desertos alimentares são locais em que, geograficamente, tem-se um acesso muito limitado a alimentos in natura e minimamente processados. Se vamos a regiões de vulnerabilidade socioeconômica, principalmente, muitas vezes vemos uma vendinha e a gôndola de alimentos in natura é bem limitada, em variedade e em quantidade que atenda a população do entorno. Pode ter banana, batata, cebola e tomate. E uma verdura ou outra, às vezes, dependendo do período e do dia da semana. Esse acesso limitado também engloba regiões que até têm uma feira livre uma vez na semana, mas em horário comercial, quando as pessoas estão trabalhando.

Nesse contexto, é importante considerar também os pântanos alimentares, caracterizados pelo acesso facilitado a produtos ultraprocessados. É comum que desertos e pântanos alimentares coexistam em um mesmo território.

Podemos pensar, por exemplo, em uma mãe que tem três filhos e quer dar uma sobremesa às crianças. Se ela quisesse preparar um bolo de banana, precisaria encontrar e comprar os ovos, a farinha, o óleo e a banana, além de ter tempo para preparar, dinheiro para os ingredientes e para o gás de cozinha. Então, quando pensamos nos desertos e pântanos alimentares, temos a questão geográfica e todo esse contexto social em volta.

Que papel você avalia que as feiras livres têm no acesso a alimentos frescos?

As feiras são bem importantes. Além de ainda fazerem parte da nossa cultura, são um ótimo termômetro para a sazonalidade. Se tal alimento já está na época, a feira vai estar cheia dele e com um preço muito bom. São ambientes que ajudam na conexão com o alimento e no acesso mais democrático, porque você consegue negociar com o feirante, além da hora da xepa, que acontece ao final da feira.

Por ter uma oferta maior e a concorrência em negociação direta, você aumenta um pouco o seu poder de compra. Em São Paulo, existe a proposta de fazer feiras livres no contraturno. Em alguns bairros, já existem as feiras livres noturnas para a população.

Além da feira, que outros caminhos você enxerga como possibilidades de encurtar as distâncias entre o campo e a cidade?

A agricultura urbana e periurbana é uma das grandes soluções que temos. Se temos uma horta urbana no nosso bairro, pode ser possível ir a pé não só até o local onde você vai comprar o alimento, mas até onde ele foi produzido. Isso encurta muito a cadeia de consumo.

Quando falamos disso, envolvemos várias outras questões também, como a sazonalidade. Você vai ter acesso a alimentos da época, porque a agricultura urbana depende muito do clima, então é preciso plantar aquilo que faz sentido para o clima local.

Uma iniciativa interessante são as CSA (Comunidades que Sustentam a Agricultura) – movimento mundial onde consumidores se comprometem com um agricultor local, financiando a produção e recebendo em troca alimentos orgânicos e frescos.

Mesmo quando o polo de produção de alimentos não é tão perto de você, é possível montar uma comunidade no seu prédio ou vizinhança, para que uma pessoa busque os alimentos e distribua para outros moradores. Então, você encurta o acesso ao produtor que, por sua vez, vai entendendo o perfil de consumidor que ele tem.

Pode explicar como a adoção da sazonalidade na alimentação pode favorecer o meio ambiente?

Ela influencia muito na questão das cadeias de consumo. É só pensar, por exemplo, que se não está na época de maçã e temos maçã no mercado, essa fruta foi importada de algum lugar. Então, ela já fez um trajeto muito maior para chegar até o consumidor final, o que gera mais emissões de gases de efeito estufa. Além disso, esse alimento precisará de técnicas de conservação artificial para que não amadureça antes de chegar ao destino. Tem vários produtos usados com a finalidade de atrasar o processo de amadurecimento, formulados com compostos que inibem o etileno – gás responsável pela maturação natural de frutas como maçãs e bananas. Alimentos da época podem dispensar esse recurso.

Aproveitando que você mencionou a sazonalidade, qual a importância dela diante dos modos atuais de produção de alimentos?

A sazonalidade é bem importante, porque significa consumir os alimentos na época ideal de produção deles. Isso torna a produção em maior escala e conseguimos ter acesso a esse alimento por um preço muito melhor.

Um exemplo clássico são as frutas vermelhas, como o morango, que se desenvolve melhor em climas frios. Então, aqui no Brasil, ele é mais produzido de junho até agosto. Só que por uma questão de mesclagem cultural, é muito popularizado o consumo das frutas vermelhas no Natal. Só que o Natal no Brasil é muito quente, então você procura morango para comprar e não encontra com facilidade.

Comer os alimentos fora da época impacta no valor, o custo aumenta, porque aquele alimento provavelmente será importado. Também há um impacto no sabor, porque vai ser aquele morango aguado. Quando consumimos o alimento que está na época, respeitando a sua sazonalidade, conseguimos pegar o pico de seu frescor e, consequentemente, ele vai ter se desenvolvido de uma maneira melhor, com um valor nutricional agregado muito maior do que fora de época.

Além desses aspectos, a sazonalidade também é importante para a diversidade alimentar. Se estamos em época de abóbora, podemos colocá-la no prato como substituição à batata e à mandioca, por exemplo, então podemos fazer essa alternância no prato.

Leia também: Aqui se planta, aqui se come


Em 2025, o projeto Experimenta! Comida, saúde e cultura acontece dos dias 14 a 26 de outubro, com o objetivo de ampliar a programação educativa sobre alimentação e seus aspectos interdisciplinares, promovendo ações voltadas à alimentação adequada e saudável. Conheça mais sobre o Experimenta! Clicando aqui.

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