Filme de 1963 mostra cenas da cidade de Bertioga e da Colônia de Férias que hoje conhecemos como Sesc Bertioga
Em uma organização como o Sesc, as fotos e vídeos institucionais cumprem um papel relevante: não apenas registram e narram sua trajetória, como também são fundamentais para divulgar ações e serviços oferecidos aos públicos. Além disso, exercem uma função de transparência, servindo como evidência do trabalho realizado perante a sociedade, empresas mantenedoras, poder público e a população em geral.
O relatório anual de 1949 registra a criação de um departamento para cuidar de “Serviços de Divulgação” dos recém-fundados Sesc e Senac. A premissa de fotografias e filmagens como prestação de contas já constavam no texto (páginas 85 a 88)
Hoje em dia, o Sesc São Paulo mantém um Centro de Produção Audiovisual próprio, estruturado para garantir o registro e divulgação das ações. Equipamentos de captação e edição facilitam o trabalho de registro e posterior difusão das ações da instituição. Essa prática ocorre desde o início da atuação da instituição, com fotos e filmagens das primeiras ações.
Acima, registro fotográfico de 1947 documenta a construção do Colônia de Férias Ruy Fonseca.
Nessa época, sem os recursos digitais atuais, era mais custoso e complexo produzir material audiovisual. E isso valia tanto para empresas que precisassem produzir vídeos institucionais quanto para empresas cinematográficas que queriam executar suas próprias produções.
Juntando os dois lados, não é de se estranhar que tenham sido realizadas eventuais permutas de serviço.
Um exemplo dessa situação aconteceu no começo da década de 1960, envolvendo o Sesc e a empresa Kamera Produções em torno da Colônia de Férias Ruy Fonseca, atual Sesc Bertioga.
A motivação dessa história foi a produção do filme “A Ilha”, de Walter Hugo Khouri(1). O filme de longa-metragem narra a história de um grupo de milionários que, fugindo do tédio, decide partir em uma aventura de fim de semana: uma caçada a um tesouro lendário em uma ilha deserta. No entanto, o desaparecimento do iate que os transportava os prende à ilha e à libertação de suas verdadeiras personalidades.
O roteiro tinha o cenário como ponto de partida, o que encarecia sua produção. Manter uma equipe completa no litoral durante o período de filmagens envolvia custos elevados e uma logística complexa. É importante ressaltar que, há mais de 60 anos, as alternativas de locomoção e hospedagem eram bem menos disponíveis na região do que são hoje. Mas o Sesc já estava instalado por lá desde 1948.
Foi daí que surgiu a permuta. Os produtores de Khouri fecharam um acordo: o Sesc providenciaria hospedagem para a equipe durante as filmagens e os produtores retribuiriam com um vídeo sobre a Colônia. E assim nasce o curta-metragem “Um Recanto Aprazível”, feito em película 35mm.
Tanto o longa de ficção quanto o curta institucional compartilharam equipamentos e parte da equipe. Khouri, por exemplo, dirigiu apenas a produção da Kamera. Já “Um Recanto Aprazível” ficou sob responsabilidade e assinatura do jovem assistente de direção Alfredo Sternheim(2), que depois fez carreira na “Boca do Lixo”, região do centro de São Paulo que ficou conhecida pelo chamado Cinema Marginal.
O filme, de sete minutos e meio, apresenta brevemente a região de Bertioga/SP antes de destacar a Colônia de Férias Ruy Fonseca e alterna trechos de narração em tom institucional com cenas mais lentas com trilha orquestral. Tudo isso era acompanhado de sequências de filmagem longas e idílicas, mostrando a tranquilidade e alegria de férias no litoral e as belezas da região e das instalações do Sesc. A montagem, de característica vagarosa e contemplativa, foi realizada por Máximo Barro (3).
Tanto no estilo artístico e acabamento técnico como na história de sua produção, “Um Recanto Aprazível” acaba refletindo a época e as condições em que foi produzido. É um filme que traz mais história nos bastidores do que nos revelam seus fotogramas.
(1) Nascido em 1929, na cidade de São Paulo, filho de pai libanês e mãe italiana, Walter Hugo Khouri realizou um cinema paulistano em sua essência – com protagonistas vindos da classe alta da capital – e polêmico em sua recepção, tendo seus temas e a forma de abordá-los como combustível para os debates entre seus admiradores e detratores. Mesmo sendo do início de sua carreira, “A Ilha” já carrega características que permeariam toda a obra do diretor: um olhar sobre a classe alta paulistana em que o erotismo e a psicologia servem de base para um retrato de pessoas perdidas entre hedonismo, angústia e vazio interior. Após “A Ilha”, Khouri dirigiu em 1964 o filme que assegurou seu reconhecimento na trajetória do cinema brasileiro: “Noite Vazia”. Morreu em 2003 e deixou uma filmografia de mais de 20 longa-metragens. [voltar]
(2) Nascido em 1942, em São Paulo/SP, Alfredo Sterheim surge para o cinema como assistente de direção de Walter Hugo Khouri em “A Ilha” e “Noite Vazia”. Estreia na direção e roteiro com “Paixão na Praia” antes de se enveredar pela Boca do Lixo, onde testemunha e participa de seu auge criativo e lucrativo, mas também do período de decadência. Dirige seu último filme, “Fêmeas que Topam Tudo”, em 1987. Também trabalhava como jornalista e crítico, função que exerceu escrevendo alguns livros para a Coleção Aplauso – longa iniciativa da Imprensa Oficial dedicada à preservação da história do cinema brasileiro. O livro “Um Insólito Destino”, uma autobiografia de Sterheim, está disponível em versão digital gratuita no site da série. [voltar]
(3) Nascido em 1930, Máximo Barro pode ser um nome pouco conhecido pelo grande público, mas é uma peça importante na construção do cinema de São Paulo, cidade onde nasceu. Começou a carreira no início dos anos 1950, trabalhando com assistência e produção para as empresas Maristela e Multifilmes. Nos anos seguintes encontrou seu lugar como montador de filmes, com 50 longa-metragens e dezenas de curtas no currículo, trabalhando com diversos nomes, incluindo Khouri, José Mojica Marins e Mazzaropi. Também cumpriu papel importante como educador e pesquisador. Presente desde o início do curso de cinema da FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado, colaborou para a formação de gerações de cineastas. Como pesquisador, é considerado um precursor em registros de história oral, com a captação de relatos de muitos profissionais e técnicos de sets de filmagem, salas de montagem e laboratórios para o acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo. Também escreveu alguns livros para a Coleção Aplauso – da qual também faz parte uma biografia sobre ele, narrada por Alfredo Sterheim. O livro pode ser lido no site da Imprensa Oficial. [voltar]
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