Nilson Gabas Junior em clima de COP30 

30/10/2025

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Diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi revela bastidores da Conferência do Clima da ONU e adianta como deve ser a participação e os desafios do Brasil no evento 

Leia a edição de NOVEMBRO/25 da Revista E na íntegra

POR LILIAN SILVA 
FOTOS NILTON FUKUDA

Com a aproximação da COP30, a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada de 10 a 21 deste mês, em Belém, no Pará, aumentam o interesse sobre o evento e a curiosidade a respeito de seus possíveis desdobramentos. A Conferência das Partes (Conference of the Parties, em inglês) é considerada um dos principais espaços de debate sobre o clima no mundo. Negociações relevantes como o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris foram firmadas nessas conferências, cuja realização deve reunir países dedicados a discussões de medidas de enfrentamento à crise climática. 

Na cidade sede, alguns espaços precedem a atmosfera do evento. Exemplo disso é o Museu Paraense Emílio Goeldi, um dos principais centros de pesquisa e divulgação de ciência na Amazônia, que recebe mais de 500 mil visitantes anualmente. Desde 2024, esse equipamento público promove uma série de seminários preparatórios e articulações para a realização da COP. Durante a conferência, aliás, essa instituição será um ambiente estratégico, recebendo embaixadas estrangeiras, a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), a OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), além de órgãos brasileiros, incluindo a equipe do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

Diretor no terceiro mandato do Museu Paraense Emílio Goeldi, além de membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pesquisador titular do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Nilson Gabas Junior participou do Fórum Movimentos pela Regeneração – em direção à COP30, no Sesc Pinheiros, evento no qual tratou dos desafios do Brasil no enfrentamento às mudanças climáticas.  

Nesta Entrevista, Gabas Junior, que é jornalista por formação, doutor com dois pós-doutorados e estudioso da área de linguística indígena, reflete sobre o significado desta COP para a agenda climática e para o Brasil, especialmente para o território amazônico. Também compartilha bastidores do evento e aborda como instituições científicas nacionais, a exemplo do Museu Paraense Emílio Goeldi, têm contribuído com a mitigação das mudanças climáticas. 

O que significa a COP30 ser sediada na capital paraense, na região amazônica, onde está a maior floresta tropical do planeta?  
Se você comparar esta COP com as demais, a gente está falando de um evento com um contexto específico. O mundo vem passando por uma transformação muito rápida de dez anos para cá em termos de emissão de CO₂. Posso até chamar de descaso com o meio ambiente. As pessoas não estão prestando atenção nele e ele está gritando para nós. O fato de a Conferência do Clima ser em Belém, na Amazônia, e de as comunidades tradicionais estarem se preparando para participar dela, de uma maneira contundente, vai fazer com que essa COP seja distinta de todas as outras. Espero que o nível das discussões leve em consideração as demandas dos povos tradicionais. E me refiro não apenas aos povos tradicionais da Amazônia, mas aos povos tradicionais que habitam florestas tropicais no mundo todo. Isso porque, nelas, as mudanças climáticas são mais acentuadas ou têm uma capacidade maior de mitigação caso sejam preservadas. Lembrando que, nesses lugares no mundo, há populações relativamente densas. 

Qual é a sua maior expectativa para esse evento? 
Minha expectativa é de uma participação popular das comunidades que são e têm sido diretamente afetadas pelas mudanças climáticas. Nós tivemos, nos dois últimos anos, as duas maiores secas na Amazônia, o que foi catastrófico para as comunidades ribeirinhas, que vivem do extrativismo, da produção de farinha e de açaí, da retirada do peixe. Isso teve um impacto muito forte. O governo teve que entrar com programa assistencial para poder ajudar essas pessoas a sobreviverem. Essas pessoas, que são as mais afetadas, têm consciência de que você precisa ter um embasamento científico na tomada de decisões. 

Quais são os desafios enfrentados por essas populações que vivem em florestas tropicais e o que o senhor tem visto em relação a elas nas preparações para a COP30? 
Tomando como exemplo a Amazônia, trata-se de um local de acesso e de infraestrutura difíceis. Não dá para construir uma estrada onde você quiser. Já começa daí a problemática de transporte dessa região. Então, as demandas por infraestrutura, escola, internet, energia, por capacidade de desenvolvimento a partir do conhecimento tradicional imbricado com o conhecimento científico são coisas que têm sido pensadas e discutidas. Tenho visto, nas preparatórias para o evento, encaminhamentos e propostas de solução nesse sentido. Se essas discussões forem seriamente conduzidas, a COP30 tem tudo para ser um ponto que desperte o mundo em relação à consciência ambiental. 

Como o Brasil poderá contribuir com a conferência?  
O Brasil tem muito a ensinar a outros países em termos de legislação ambiental. Somos um país cujas leis e regras são bastante fortes e contundentes. Existem tentativas espúrias de usar e abusar do meio ambiente de uma maneira destrutiva, como o PL da Devastação [Projeto de Lei nº 2.159/2021, que altera as regras para o licenciamento ambiental no país]. Mas considerando a legislação, o marco regulatório ambiental brasileiro consiste em um avanço em relação aos outros países no que se refere à preservação e ao uso. Há também a nossa Lei de Inovação [Lei nº 10.973/2004] que embasa a tomada de decisão sobre o uso dos ativos da biodiversidade, que é bastante avançada em relação a outros países. 

Se o Brasil pode dar esses bons exemplos, qual seria a principal mensagem do país na COP30?  
Eu acredito que essa fala vai ser vinculada à necessidade de se proteger o bioma, afirmando que isso é possível. Dados científicos comprovam que não é mais necessário derrubar floresta para produzir e ter gado, já que o grande causador de queimadas, grilagem de terras e desflorestamento é a criação de gado de corte. E a gente sabe que essa produção já melhora muito se você tiver a terra plantada e tratada de uma certa maneira. A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) é muito bem-sucedida na avaliação dessas tecnologias. O grande nó que ainda temos refere-se a como recuperar áreas já degradadas. A ciência tem se debruçado muito sobre isso para tentar reverter esse quadro. Sabe-se que o que já foi desflorestado [no país] é suficiente para realizar uma produção agrícola e agropecuária destinada a prover o Brasil e o mundo. No caso, muito mais o mundo, porque a gente exporta mais grãos e carne do que consome. Existe, portanto, degradação.  E o mercado interno não está vendo muito essa produção. 

O grande nó que ainda temos refere-se a como recuperar áreas já degradadas. A ciência tem se debruçado muito sobre isso para tentar reverter esse quadro.

Existe alguma proposta específica que o Brasil pretende levar à COP30? 
Tudo isso pode ser usado como exemplificação e embasamento para uma grande ação que a gente sabe que o governo brasileiro vai colocar na mesa: a criação de um fundo internacional voltado à proteção das florestas e da sociodiversidade. As pessoas que protegem a floresta – 
grandes proprietários ou não, pois há quem possui e mantêm reserva legal – precisam ter algum tipo de recompensa. Se não tiver, elas vão passar o correntão [técnica que usa correntes presas a tratores para promover o corte de vegetação], desmatar e colocar gado ou plantar soja, que são coisas absolutamente inadequadas. Manter a floresta em pé é muito mais valorizado, e se tiver uma recompensa econômica de um fundo, isso vai ajudar a frear o problema atual. Nós precisamos ter mais unidades de conservação e terras indígenas. Há indígenas no Mato Grosso, Bahia, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul… E há aqueles que conseguem comprovar, por meio de cemitérios centenários, que determinada terra pertencia a eles. Ninguém vai tomar a terra do fazendeiro que está lá e fazer uma terra indígena em detrimento do que já foi investido na região. Trata-se de manter um programa de criação de unidades de conservação e de terras indígenas vis a vis a recompensa não apenas econômica, mas ambiental, 
que isso traz. Nada mais justo do que o mundo nos ajudar a ter uma compensação para que se mantenha a floresta, para que a proposta de desmatamento zero até 2030 seja efetivada e, a partir daí, termos mais unidades de conservação e áreas, que já foram degradadas, recuperadas.  

Como o trabalho científico realizado pelo Museu Goeldi, do qual o senhor é diretor, contribui com essa demanda? 
Nós somos uma instituição que vai completar 160 anos na Amazônia em 2026 e, desde que nascemos, a nossa imbricação com populações tradicionais tem sido crescente. Os trabalhos científicos desenvolvidos envolvem consultas e, cada vez mais, a autoria de membros das comunidades tradicionais, o que nos traz uma respeitabilidade muito grande porque acabamos sendo veiculadores dessas vozes. Com essa vertente científica, o Museu se firma como uma instituição amazônica que olha para os problemas e tenta apontar soluções a partir dos estudos desenvolvidos. 

O senhor poderia citar um exemplo?  
Há mais de 30 comunidades tradicionais morando no entorno da Flona de Caxiuanã [Floresta Nacional de Caxiuanã], onde fica localizada a nossa estação científica. Estamos falando de três municípios com um dos menores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil: Portel, Melgaço e Breves. Temos um programa de formação para professores darem aulas às crianças dessas comunidades. Não basta fazer pesquisa na região. É necessário levar o resultado às comunidades, que precisam saber o que está acontecendo, entender aquilo e por que essa produção também ajuda a valorizá-las. Até 2015, não tinha escola de segundo grau por ali. Fiz uma negociação com os prefeitos e essa nossa base serviu de sede para ser a escola, um ponto central aonde se chega de canoa e que dispõe de acesso à internet. 

Essa iniciativa pode ser replicada? 
Isso é uma coisa pequena, mas exponencia e se multiplica pela Amazônia como um todo. Outras populações de florestas tropicais no mundo, na Indonésia, no Congo, devem ter problemas semelhantes. Uma vez que a gente consiga colocar esse pessoal para conversar e mostrar para o mundo o que está acontecendo com as mudanças climáticas, esse vai ser o grande recado. Afinal, se continuar nesse ritmo, o que vamos delegar para os nossos jovens e deixar como herança para esse mundo?  

Como o Museu participará da COP30?  
Realizamos uma série de seminários que resultaram em algumas propostas. Pretendemos levá-las a comissões em instâncias superiores até chegar à esfera diplomática, que é onde o grande debate acontecerá. Discutimos a questão do extrativismo e de possibilidades econômicas para a Amazônia, além de outro tema bastante importante para a região: tecnologias sociais. Lembrando que na imbricação de conhecimento tradicional com conhecimento científico, pode-se desenvolver novos processos, produtos e tecnologias. Claro que isso não precisa ser em uma escala global, mas em uma escala que vai fazer a diferença para a comunidade que está vinculada àquela tecnologia e, para tal finalidade, temos várias parcerias.  

Para Nilson Gabas, a conservação não pode estar desatrelada do desenvolvimento

Em que ações é preciso prestar atenção no que se refere à consciência ambiental? 
Nós somos péssimos consumidores, já começa por aí. Consumimos muito mal, consumimos o que a mídia e as grandes empresas de publicidade nos trazem e nos fazem consumir. E não se trata apenas de consumir produtos, mas também as próprias mídias sociais. A gente precisa ter um olhar mais crítico para as mídias sociais. Eu destaco a interlocução e a capacidade fascinante que elas têm de fazer com que povos de diferentes lugares interajam. Só que existe um outro lado que precisa ser olhado de uma maneira crítica: elas não são reguladas. Onde existe a possibilidade de se fazer uma regulação, critica-se como uma inviabilização da liberdade de expressão. Esse é um grande debate atual que imbrica na consciência ecológica e humanitária. Nós precisamos nos olhar no mundo, na nossa relação com o mundo, com a Terra. Existem bens de consumo que a natureza nos provê, mas o uso que a gente faz deles precisa ser repensado. 

E sob o ponto de vista tecnológico? Há ações que o Brasil pratica que podem servir de exemplo a outros países?  
Sob o ponto de vista tecnológico, também estamos bastante desenvolvidos. Existe a ação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) de monitoramento de queimadas e devastação da floresta amazônica, além de outros biomas, como o cerrado. Dois grandes programas coletam dados há mais de 30 anos: DETER (Detecção de Desmatamento em Tempo Real) e PRODES (Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite). Um programa mede o desflorestamento e as queimadas mês a mês, e o outro, fornece o índice anual. Nenhum país no mundo tem esse monitoramento sobre sua biodiversidade, suas florestas. O Brasil é, portanto, um grande exemplo a ser seguido, e a gente precisa continuar a fazer valer a lei porque não adianta apenas ter lei.  

O país também perdeu investimento pelo descumprimento de leis e crimes ambientais. Quais foram as consequências? 
Nós passamos quatro anos com um dos maiores índices de devastação, de grilagem de terras e de queimada da Amazônia. Um dos impactos disso foi a suspensão do Fundo Amazônico [mecanismo financeiro que busca captar doações para investimentos em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal]. Foram três anos de suspensão das doações desse fundo, que ficou sem funcionar por conta desse desastre ambiental causado pelo governo anterior. Para conseguir fazer valer as leis e o monitoramento, você tem o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), e até a Polícia Federal e a Força Nacional fazendo intervenções, se for o caso. Você viu o que aconteceu e ainda está acontecendo com os Yanomami? Primeiro, em termos de pandemia, a falta de cuidado com as populações, depois, em relação à mineração nas terras dos Yanomami e à proposta de mineração em terra indígena? Isso foi uma coisa que nós conseguimos brecar. Fazer valer as leis – comando e controle – é uma decisão fundamental para conseguir preservar, mas não só. É fundamental usar [as terras e os recursos naturais] conscientemente, da maneira adequada. A conservação não pode estar desatrelada do desenvolvimento. É esse ponto de equilíbrio que a gente está tentando encontrar.  

Como encontrar esse ponto de equilíbrio na Amazônia? 
A força do desenvolvimentismo a qualquer custo envolve mineração, uso da água, estabelecimento de rodovias e hidrelétricas. Projetos de hidrelétricas de grandes proporções que foram pensados nas décadas de 1970 e 1980, para Amazônia, não servem. [A Usina de] Tucuruí é um grande exemplo do que o lago Tucuruí atingiu e devastou [localizada no rio Tocantins, no Pará, a hidrelétrica abastece toda a região Norte do país]. Mas o Brasil é muito bem-visto em termos de conservação, tanto na produção de dados científicos quanto na legislação e no marco legal sobre a biodiversidade. 

O que é essencial para efetivar os trabalhos desenvolvidos pelo Museu? 
Entendendo a história do Museu Paraense Emílio Goeldi, não tem quem não se convença de que é necessário produzir cientificamente. Me refiro a uma ciência ampla que envolva a ciência ocidental, mas também a sapiência tradicional para encontrar caminhos. Sozinho não tem solução: eu, como diretor, não faço nada sozinho. Para se implementar políticas, não apenas com as comunidades tradicionais, é sempre por meio do diálogo. Então, nós temos parcerias interinstitucionais fantásticas e fundamentais não só com instituições de Belém, mas com outros estados e países. Uma instituição por si só “não faz verão”, precisa trabalhar capilarmente, de maneira interinstitucional, e até fora da sua região. 

Assista a trechos dessa Entrevista com o pesquisador Nilson Gabas Junior, realizada no Sesc Pinheiros, em agosto de 2025.

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