Museus comunitários

01/12/2025

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Espaços de memórias da comunidade, como o Centro de Memória Queixadas, fortalecem laços sociais e tornam-se ferramentas de transformação e preservação da história de territórios (foto: Caroline Brandão)

Leia a edição de Dezembro/25 da Revista E na íntegra

POR ADRIANA TERRA

É sábado à tarde no Jardim Vermelhão, em Guarulhos (SP), quando um grupo de crianças, jovens e adultos se reúne em uma oficina de colagem. Da janela do sobrado, o campo de terra marca a paisagem desse bairro construído pela luta por moradia em 1992. A oficina faz parte de uma das crescentes iniciativas pelo Brasil baseadas na museologia social – conceito que tem origem nos anos 1970, com a reivindicação por direitos, e que aponta para a necessidade de se repensar o que é um museu e para quem se destina. 

“Museologia social é o trabalho com memória e referências culturais feito coletivamente a favor de sujeitos e povos historicamente marginalizados”, resume Inês Gouveia, professora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP). “Muitos grupos já lidavam com a memória, não é o formato museu que inaugura isso, mas, na perspectiva de Nêgo Bispo [(1959-2023), pensador e líder quilombola], aprendemos que esse instrumento que foi da colonização pode ser útil para se contrapor às suas forças”, complementa. Alavancada a partir dos anos 2000, com a articulação de políticas públicas no país, a museologia social hoje ocupa diferentes estados e territórios. Conheça cinco museus, na capital paulista e em municípios vizinhos, que preservam a história e a memória de suas comunidades.

Museu Comunitário Jardim Vermelhão
Acolher a memória da luta que originou o bairro Jardim Vermelhão, na região dos Pimentas, em Guarulhos, e articular projetos no território são fios condutores desse museu comunitário. Em 2019, o espaço realizou um documentário ouvindo pessoas que viveram essa história. “Eles falam com muito orgulho do que é o Vermelhão porque construíram tudo isso aqui”, conta Suzy Santos, uma das idealizadoras do museu. A partir desse filme e do Projeto Cultural Pimenteiros e Pimenteiras do Vermelhão, o museu é fortalecido pelos moradores. Hoje, são realizados roteiros, exposições, oficinas e outras ações, seja no Nosso Espaço sede do projeto cultural, ou nas ruas. “O museu é o bairro, sua história e sua luta”, explica Marco Cesar Silva, integrante do projeto. “Passar para as pessoas o que a gente viveu desde os tempos do ‘pé de barro’ é emocionante”, acrescenta Soraia dos Santos, que integra a equipe do museu. 

Campo do Vermelhão. Rua da Pátria, s/n,
Jardim Vermelhão, Pimentas. Guarulhos-SP.
instagram.com/museu.vermelhao 

(foto: Legado Fotos)

Museu dos Aflitos
Fruto da luta pela preservação da memória de povos índígenas e negros escravizados no Brasil, o museu parte dos territórios da Liberdade e da Baixada do Glicério, na região central, onde se localiza o cemitério mais antigo da cidade. De 2022 para cá, o espaço tem atuado a partir da Capela dos Aflitos, mas com a compreensão de que o museu é bem mais do que uma edificação. Outra compreensão é a de que projetos no bairro já fazem museologia social, seja no futebol de várzea ou em oficinas de samba, portanto os acervos de memória estão em vários locais desse território e devem ser preservados em seus contextos. A partir da criação de um Comitê de Gestão Territorial, um plano museológico e um diagnóstico de território, Lucas Inocêncio, que integra a equipe, explica que o Museu dos Aflitos fomenta diálogos com agentes da região, promove uma articulação em rede e suporte para salvaguarda e financiamento. “O impacto do museu tem que ser local”, conclui Inocêncio. As atividades abertas ao público incluem roteiros de memória.

Capela dos Aflitos. Rua dos Aflitos, 70, Liberdade. São Paulo-SP.
instagram.com/museudosaflitos 

(foto: Nilton Fukuda)

Museu Memória do Bixiga 
Em 1979, o arquiteto e museólogo Júlio Abe Wakahara (1941-2020) organizou a exposição Museu de Rua do Bixiga, para a qual ouviu 30 moradores do bairro na região central de São Paulo, reunindo depoimentos e fotos. O evento animou a comunidade e o arquiteto conheceu Armandinho Puglisi, que já tinha a intenção de fazer um arquivo histórico local e chamou os vizinhos para doar objetos cotidianos. “Em seis meses, tinha muita coisa”, recorda Paulo Santiago que, ao lado de Puglisi (1931-1994), cofundou o Museu Memória do Bixiga (Mumbi), em 1981. Instalado em um sobrado da União, a instituição enfrenta percalços para sobreviver e, no momento, tenta retomar as atividades, estabelecendo parcerias. O objetivo é recuperar o imóvel e inventariar o acervo, que tem desde uma geladeira do início do século 20 até um antigo tamborim, quadrado, da Escola de Samba Vai-Vai. Atualmente, o Mumbi abre as portas para visitação do público aos finais de semana, pela tarde. 

Rua dos Ingleses, 118, Bixiga, São Paulo-SP.
instagram.com/mumbixiga

(foto: Nilton Fukuda)

Memorial Negro de Atibaia
A cerca de 70 km de São Paulo fica o Memorial Negro de Atibaia, que surge a partir da Associação Cultural Negra Visão, fundada em 2018 e sediada no Quilombo Urbano Negra Visão, no Centro da cidade, com atividades que promovem letramento racial, além de aulas de capoeira, dança africana e contação de histórias. Em 2023, o espaço ganhou a gestão do acervo de peças do então chamado Museu do Escravo, que ficava na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Atibaia. A partir daquele ano, o Museu Negro faz a salvaguarda e a exposição, buscando ampliar o olhar sobre esse acervo. “Vamos chamar artistas negros para pensarem esses objetos. Temos um dia mensal de Memorial Livre, quando o museu é aberto para visitação geral, e organizamos visitas educativas”, conta Silvana Cotrim, idealizadora do projeto. 

Rua Dr. Osvaldo Urioste, 41, Centro. Atibaia-SP.
instagram.com/negra.visao

(foto: Silvana Cotrim)

Centro de Memória Queixadas – Sebastião Silva de Souza
É plantada nos anos 1970 a semente de um projeto que veio ao mundo somente em 2022, a partir da memória da greve mais longa do país, entre 1962 e 1969, na fábrica de cimento Portland, em Perus, região noroeste de São Paulo. Os trabalhadores adotaram o nome “Queixadas” em alusão a um porco-do-mato que tem o hábito de se agrupar frente ao perigo. Lembrar a história operária da região é preservar um legado mantido por moradores, incluindo Sheila Moreira, neta de um dos trabalhadores da época, Sebastião Silva de Souza, que ainda dá nome ao espaço. Ela conta que a ideia de criar um museu comunitário foi aprimorada por décadas e por muitas mãos. Até que a iniciativa saiu do papel há três anos, com ajuda de um edital, e hoje se encontra na Biblioteca Municipal Padre José de Anchieta. O espaço preserva e divulga seu acervo em oficinas, jogos e kits com materiais para as escolas, e também recebe doações.

Biblioteca Municipal Padre José de Anchieta
Rua Carlos Santos Xavier de Moraes, 138, Perus. São Paulo-SP.
cmqueixadas.com.br

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