Ed. 84 – Histórias Fragmentadas

10/02/2023

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Por Daiana Terra – SubVersiva

Ao longo da minha trajetória pessoal, não me foram passadas informações, memórias, histórias da minha ancestralidade, que é negra e indígena. Ser uma pessoa com ascendência negra ou indígena no Brasil é entender que a nossa história se faz dia a dia, sempre em reconstrução ou reconstituição(?), e que ela não é linear, ela está mais para um espiral, pois através do processo de colonização, a história desses povos (do qual a minha também está inclusa) passou por um processo de apagamento, se tornando, assim, histórias fragmentadas.

Foi assim também na escola e nos meios dos quais eu estava inserida, acredito que muitos de nós, não brancos, aprendemos somente a história hegemônica daqueles que nos colonizaram, em que não há a real valorização dos povos originários, como também não há histórias que ilustram a resistência, os costumes e a cultura desses povos.

Quando recebi o convite para ilustrar a revista Mais 60 com o tema povos originários, confesso que fiquei muito emocionada. Ao pensar no tema e em imagens para compor a revista, fui pesquisar em meu acervo de recortes, no qual possuo imagens diversas que remetem à ancestralidade, à cultura tradicional, à Semana de Arte Moderna de 1922, além de diversos outros recortes que poderiam compor as ilustrações, ou seja, eu possuía material suficiente no acervo.

Revirei meus recortes e me deparei com cartografias, figuras de diferentes cores e formatos, além de texturas visuais das quais me serviram de Sul. E aqui quando utilizo desse termo que no caso seria Norte, assim faço aqui uma alusão à obra de Joaquín Torres García, artista uruguaio que em sua obra América invertida opta por inverter a América do Sul, de modo que o Sul passa a ser o Norte, e vice-versa. Com essa obra o artista propõe a criação de um movimento artístico latino-americano autônomo, fazendo críticas ao imperialismo norte-americano. Portanto, agora nós viramos o mapa de cabeça para baixo e então temos uma ideia verdadeira de nossa posição, e não como o resto do mundo deseja.

Pesquisar sobre povos originários, bem como negros, já faz parte da identidade dos meus trabalhos, mas ao me debruçar na pesquisa para compor as representações, pude me deparar com diferentes etnias e costumes, imagens, ornamentos, composições… Essas pesquisas me trouxeram mais repertório para olhar com mais cuidado para o processo do que para o resultado final de fato.

Ao sentar para produzir as imagens, entendi o tamanho da responsabilidade, pois nunca havia recebido uma proposta tão desafiadora como essa. Produzir imagens/ilustrações que pudessem imprimir o tema de modo responsável me deixou curiosa e bem disposta. A minha ansiedade foi companheira, de modo que pude acessar a minha sensibilidade a fim de contar um pouco dessas histórias em imagens e ansiando que o público pudesse enxergar através de minhas ilustrações uma extensão do que com- põe o conteúdo da revista.

Foi desafiador compor de acordo com as coordenadas, logo eu, que tenho dificuldade de produzir de forma colaborativa/sob encomenda, mas o processo foi interessante. Aprendi um tanto e pude enriquecer meu repertório pessoal e artístico através das pesquisas. Quando estou produzindo, sou extremamente focada, de modo que busco imergir no universo proposto para que o resultado possa me fazer sentir satisfeita. E sem falsa modéstia, de um modo geral, gostei muito do resultado final. Espero que vocês gostem também.

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Daiana Terra – SubVersiva

Daiana é artista visual, comunicadora e escritora. Realiza pesquisas diaspóricas e as incorpora em seus trabalhos com colagem analógica. Seu e-mail é daiana_nanha@hotmail.com

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