A GINGA E O GRAFITE DE ARACÊ

17/03/2023

Compartilhe:

Aracê, artista urbano de Araraquara, celebra em 2023 dez anos de dedicação exclusiva ao trabalho artístico.

Nessa entrevista é possível conferir sua trajetória, conhecer um pouco mais sobre o grafite, sobre seu trabalho autoral, e claro, sobre Ginga Tropical!

Sesc Araraquara: Soubemos que desde cedo você teve contato com o grafite (Em 2003, aos 13 anos, rolaram as primeiras experiências na rua). Como se deu esse contato inicial?

Aracê: Eu comecei na escola. Gostava de desenho e já desenhava desce cedo, mas sempre reproduzindo algumas coisas: desenhava estampas, produzia estampas de camisetas, desenhos animados. Então alguns amigos tiveram acesso a umas revistas de grafite e levaram até a sala de aula. Eu curti pra caramba, me interessei pra caramba por aquilo lá, e começamos a passar pro papel o que a gente via nas revistas. Reproduzíamos o nome de outros artistas até conseguir aprender, entender a dinâmica de como construir uma letra e poder escrever meu próprio nome.

Nessa época Araraquara tinha uma cena de pixação forte, mas o grafite ainda estava engatinhando. Através da revista conseguimos um bom contexto, entendendo o que era o grafite, pra que servia e não demorou muito pra rolar um “treino” na casa de um parente e num prédio abandonado.

Anos depois, Aracê teve a oportunidade de conhecer o “cara” que fazia a revista que foi seu ponto de partida e sua maior inspiração. Era Binho Ribeiro, de São Paulo, um dos pioneiros da cultura do Grafite na América Latina, editor da revista bimestral “Graffiti”.

Primeiros Grafites de Jota Aracê

Com a chegada da internet foram aparecendo novas oportunidades de acesso, blogs de artistas que tratavam desse tema; a internet foi evoluindo, assim como a cena local, momento em que surgiram os primeiros grafiteiros com trabalhos relevantes na cidade e região.  

Cerca de 3 anos depois, já com 17 anos, Aracê passou a pintar com mais frequência na rua, passando a conhecer a galera que já pintava – alguns artistas vieram a ser seus “professores” – aprendendo com cada um uma coisa diferente, pegando referências e assim construindo seu estilo e sua técnica. Autodidata, seguiu colhendo um pouquinho de conhecimento de cada lugar e moldando quem é hoje o artista Aracê.

Depois de cursar publicidade na faculdade, trabalhou numa agência (de publicidade), e pouco a pouco foram surgindo oportunidades de fazer alguns trabalhos comerciais, em lojas, academias, até que ficou difícil de conciliar o trabalho na agência com esses trabalhos que até então fazia de free lancer, passando então a se dedicar exclusivamente ao trabalho autoral em 2013. Hoje além de artista, Aracê administra sua própria agência de grafite.

Sesc Araraquara: Hoje o tema central do seu trabalho são as raízes culturais brasileiras, transitando bastante entre os retratos e os elementos da natureza. Como foi essa definição, como seu trabalho ganhou esse recorte?

Aracê: O meu trabalho autoral tem esse viés de arte conceitual, de passar uma mensagem que eu acredito que seja necessária, principalmente porque o grafite sofre bastante influência da cultura americana – eu sentia falta de uma representatividade cultural do nosso país nos grafites e foi aí que decidi retratar isso e estudar mais sobre o assunto. Além disso, eu cresci e vivi boa parte da minha infância em sítios, sempre curti as plantas e tentei retratar algo que fazia muito sentido pra mim e que eu sentia falta de ver na cena nacional.

Assim como acontece em várias outras áreas, como na música: a gente absorve referências e vai misturando até conseguir criar o nosso próprio estilo, a nossa própria cara. O rap brasileiro, por exemplo, tem uma transformação bem parecida com essa do grafite e hoje o rap tem uma proposta, uma personalidade bem particular do Brasil. O grafite também sofreu essas influências e conseguiu colocar o tempero brasileiro na parada.

Sesc Araraquara: Ao colocar a nossa personalidade em determinada manifestação, a transformamos também. Sua arte tem um reconhecimento internacional e você já esteve em outros países levando o grafite brasileiro. Como foi isso?

Aracê: Eu percebo muito isso, principalmente no exterior. Eles querem ver o que a gente tem pra falar, porque cada país tem a sua história. E o Brasil tem muito essa questão da mistura, né? São uma característica muito peculiar do Brasil, da colonização. E muita gente me da um feedback dizendo que se sente representado, sabe? Porque eu tento ter essa visão de não deixar predominar só a cultura indígena, só a cultura africana, só a cultura da festa. Eu gosto de colocar um pouquinho de cada e acho que muita gente também se identifica por isso. E eu me sinto parte dessa mistura.

Sesc Araraquara: Você acha então que as pessoas querem se sentir pertencentes, mesmo que estejamos falando de uma obra?  

Aracê: Sim, numa obra ou até em um detalhe. Mesmo que a gente consiga se identificar apenas num detalhe, isso já aproxima pra caramba. E eu percebo muito isso nas oficinas que eu ministro: quando a gente fala de grafite a molecada se interessa porque elas estão estudando normalmente Pablo Picasso, Van Gogh, muito relevantes, muito importantes, só que muito distantes da realidade deles. E o grafite não, já viram pela cidade, na área deles, conhece alguém que já fez isso. Então tem essa questão de identificação, que é uma arte que está na rua, está exposta, democrática. Então isso é muito importante.

Sesc Araraquara: Você enxerga que a arte urbana tem ganhado um espaço maior na cidade? Como você vê o cenário da arte urbana em Araraquara?

Aracê:  A arte urbana na cidade tem ganhado muito espaço, tem amadurecido bastante. Eu percebo que em cidades que têm poucos artistas as coisas ficam mais estagnadas. Araraquara está evoluindo: vejo artistas com um trabalho bacana e isso estimula muito a cena. Me estimula muito a evoluir. Um vai puxando o outro, a cena se intensifica e novos artistas nascem também a partir disso.

E esse desenvolvimento também é um reflexo do que está rolando nas grandes capitais e no mundo todo. A questão das empenas (fachadas laterais de prédios sem janelas), por exemplo, a galera usa bastante nas grandes capitais. No ano passado, depois de muita luta, de muito tempo querendo, eu consegui fazer uma empena aqui na cidade. Devagarzinho a gente vai conseguindo fazer acontecer aqui.

Soul Sol

Essa evolução do grafite que gente está vivendo aqui já aconteceu em São Paulo há dez anos atrás, e a gente está caminhando também, em passos mais lentos, nesse sentido, de estar em novos espaços. E eu acredito que é só o começo.

Aracê foi um dos primeiros artistas de rua da cidade a trabalhar e se dedicar exclusivamente ao grafite

“Tiveram outros artistas importantes que me ensinaram e inspiraram, mas acho que como profissão eu fui um dos primeiros a trabalhar e me dedicar exclusivamente a isso”.

Sesc Araraquara: Conta um pouco pra gente sobre esses outros elementos que você coloca nos grafites, como espelho, vidro ou até a apropriação da própria natureza pra compor sua arte.

Aracê: Eu busco sempre colocar alguma coisa a mais, instalar alguma peça, fugir do padrão só pintura. É uma característica original do meu trabalho e eu busco muito isso. Você tem que encontrar alguma coisa que te diferencie. O realismo, por exemplo, reúne vários outros artistas muito bons no Brasil, no mundo. E cada um foi encontrando um caminho para conseguir se colocar e ter uma identidade.

Uma das minhas características e da minha identidade é essa, de instalar, de integrar o elemento que já tem naquela parede e isso reforça aquela questão de ter identificação, porque, por exemplo no caso dos espelhos, a pessoa acaba se vendo na obra: além de ela se identificar com a figura, ela faz parte da obra.

Eu Vejo Arte

Sesc Araraquara: A arte transforma o ambiente e automaticamente as pessoas são transformadas pela presença daquela arte. Isso faz sentido pra você?

Aracê: Sim, com certeza. A questão da mensagem também estimula meu trabalho. Busco trazer elementos positivos, por mais que não fiquem tão claros, para quem sabe, se a pessoa não estar em um bom dia, ela passar e receber uma expressão legal, e aquilo mudar a cabeça, o pensamento dela naquele momento. Você interfere na cidade, mas interfere na vida das pessoas. Já tive relato de pessoas que em algum momento se emocionaram com alguns trabalhos ou viram uma obra que fez sentido naquele momento e até desabafaram pra obra de arte (risos). Isso é muito legal e é uma responsabilidade, né?

Sesc Araraquara: Hoje Araraquara conta com quantas obras do Jota Aracê em espaços públicos?

Hoje em dia deve ter cerca de 30 ou 40 vivos. Eu já fiz bem mais de 100 e há muito tempo contei umas 60. Mas o grafite é muito louco, pode estragar por estar exposto ao tempo, outras vezes o dono da propriedade apaga, não pode se apegar. E isso é uma característica do grafite, de ser efêmero.

Sesc Araraquara:  Queremos saber mais sobre a concepção do painel Ginga Tropical, estampado no Parque Aquático do Sesc Araraquara, cujo detalhe ganhou a capa da Revista E de fevereiro e que segue ambientando e colorindo o espaço.

Aracê:  Esse mural foi um convite do Sesc e na hora eu já associei o espaço a esse lado do meu trabalho, mais tropical e tal. Tive liberdade criativa total e trabalhar dessa forma é muito importante para um artista. Eu trouxe a natureza, que costumo trabalhar no background, para o primeiro plano e tentei evidenciar pontos importantes da flora: então usei a helicônia que é uma planta bem tropical, o saíra sete cores, um pássaro bem característico do litoral e plantas tropicais coloridas. Algumas pintei como realmente são, outras dei uma colorida diferente.  E tem também no centro o sol, fazendo uma referência à Morada do Sol.

Demorei cerca de 5 dias pra fazer este painel do começo ao fim e contei com a ajuda de duas pessoas da minha equipe, que fazem a parte do fundo, dão uma agilizada na parte do preenchimento e eu venho dando os retoques finais, dando a característica do meu trabalho. A técnica foi a  mesma que costumo usar na rua: bastante spray, principalmente nas partes dos degradês. Normalmente eu chapo o painel de uma cor e aí venho fazendo as nuances, as trocas de cores com o spray. O fundo eu fiz com látex, que é tinta acrílica, mesma ferramenta que utilizo nos trabalhos urbanos na rua.

“Foi um dos painéis que eu mais curti fazer no ano passado.
Foi muito, muito satisfatório fazer esse mural”

Foto da capa da fotógrafa Marcela Campos.

Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.