Eu e minha qualidade de vida

11/04/2023

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Por Esdras Guerreiro Vasconcellos

Resumo

Existem grupos de pessoas que resolvem afastar-se dos padrões vigentes de vida e de consumo para criar seus próprios critérios. Um exemplo milenar é o dos monges que se abstêm de consumir grande parte dos bens que a indústria produz, entendendo que isso lhes proporciona melhor qualidade de vida. Veganos, vegetarianos e minimalistas estão entre os que, neste século, alegam alcançar a melhor qualidade de vida a partir de seu estilo de viver. Se por um lado a Organização Mundial da Saúde considera a estrutura das sociedades industrialmente ricas para definir o que seja qualidade de vida, por outro existe um consenso de que esse conceito precisa ser pensado a partir de uma definição pessoal e individual do que faz nossa vida realmente rica e feliz.  


O termo amplamente usado como Qualidade de Vida merece cuidado. Ele corre o risco de ser banalizado. É assim que acontece com todas as propostas e proposições inovadoras que surgem na vida moderna. Foi assim com Stress, Dieta, Resiliência, Burnout, Medo, Felicidade, Depressão, Ansiedade, Pânico, Déficit de Atenção, Bipolaridade, Autismo, e muitos outros, tudo virou fluído como disse Bauman. Qualquer alteração de humor é chamada de bipolaridade, depressão, assim como qualquer sucesso de carreira recebe, indiscriminadamente, a etiqueta resiliência. 

No âmbito do mercado de consumo, ele é usado para, com fins marqueteiros, valorizar qualquer produto novo, afirmando que ele ajuda na Qualidade de Vida. Prega-se a crença de que cada inovação, até mesmo no âmbito da Ciência, contribui para uma melhora dela. 

Todos os governos e sistemas políticos confessam viverem e trabalharem apenas para essa finalidade. A religião não se cansa de garantir que o cumprimento de suas regras e dogmas, inegavelmente, melhoram a qualidade de vida do ser humano. 

Em nome dela, todo produto é bom, todo empenho é visto como válido e louvável. Que a realidade cotidiana não consiga nos provar tais promessas é fato consumado. 

Perguntemo-nos, com sinceridade, cada um de nós a si mesmo, qual a real qualidade de minha vida? O que, verdadeiramente, contribui para a deterioração ou melhora dela? Você sente que sua vida profissional, social, familiar, afetiva, cognitiva, emocional, espiritual tem a qualidade que você gostaria que ela tivesse e transcorre da maneira que você está convencido ser a melhor?

O termo usado na sua popularidade atual pode nos enganar. Basta parar um minuto e pronunciá-lo devagar e conscientemente para depreender dessas duas palavras sua profundidade e importância. 

Entender o que é Qualidade de Vida requer uma análise lúcida do que é, realmente, qualidade e do que é vida. Implica na consciência de premissas e comportamentos essenciais, na maioria das vezes fundamentados em princípios filosóficos e ideológicos. 

Esse conceito passa, frequentemente, por transformações e adaptações diversas, de acordo com as circunstâncias políticas, econômicas, sociais, ambientais e, até mesmo, religiosas, onde cada um de nós esteja inserido. 

Decorrente de “visões alternativas”, é comum surgirem outras concepções que, moto confesso, garantem verdadeiramente boa qualidade de vida. Por contraste e paradoxo, constituem-se assim, no geral, duas vertentes principais desse conceito, a saber, a má qualidade de vida e a boa qualidade de vida. 

Para evitar tais divergências, a Organização Mundial de Saúde criou um “Conceito Universal de Qualidade de Vida” definindo-a como: “(…) a percepção do indivíduo de sua inserção na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.”

Além de criar um teste para medi-la (WHOQOL–100), ela também estabeleceu um índice padronizado para avaliá-la, o IDH. Esse índice avalia a Qualidade de Vida a partir do desenvolvimento econômico de uma população. O teste contém 100 perguntas referentes a seis domínios: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente e espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais.

Na história da humanidade, a despeito dessa tentativa científica de padronizar o conceito, sempre existiu e existirão grupos de pessoas que resolvem afastar-se dos padrões vigentes de vida e de consumo para criar seus próprios critérios. Um exemplo milenar que ainda é seguido por muitos é o dos monges que, vivendo em comunidades relativamente isoladas da sociedade, cultivam seus alimentos e se abstêm de consumir grande parte dos bens que a indústria produz. Eles entendem que viver assim lhes proporciona melhor qualidade de vida física e espiritual. 

Nesse século, várias alternativas têm surgido. Os veganos e vegetarianos vêm a necessidade de gerar alimentos de maneira mais natural. Mudam a forma de produção, mas não de consumo. No caso dos minimalistas, a escolha consciente é de consumir o mínimo possível do que temos à disposição no mercado de consumo. Eles o fazem convictos de que nesse desapego alcançamos uma melhor qualidade de vida. Um número crescente de executivos e empresários renunciam às suas funções de liderança, poder, altas remunerações e benefícios para viver em barcos ou sobre motocicletas viajando pelos continentes. O argumento uníssono de todos eles é o de que, tal estilo de viver, lhes proporciona a melhor qualidade de vida.

Se por um lado a OMS considera a estrutura das sociedades industrialmente ricas para definir o que seja qualidade de vida, por outro, existe um consenso amplo entre muitas pessoas de que, uma boa qualidade de vida, não pode ser alcançada dentro dos padrões modernos de produção e da forma de viver da sociedade contemporânea. Eles acreditam que esse conceito precisa ser pensado, inevitavelmente, a partir de uma definição pessoal e individual do que faz nossa vida realmente rica e feliz.  


Esdras Guerreiro Vasconcellos
Psicólogo com Graduação e Doutoramento pela Universidade de Munique (Universität Ludwig-Maximilian zu München), na Alemanha. Pós-Doutorado e Ex-Pesquisador Assistente do Instituto Alemão para o Avanço da Ciência, ‘Max Planck’. Professor Sênior de Pós-Graduação em Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia/USP. Professor de Pós-Graduação em Psicossomática e Psicologia Clínica da PUC-SP (2000-2010). Professor de Psicologia Médica da UNIMES em 2002. Diretor Científico do Instituto Paulista de Stress, Psicossomática e Psiconeuroendocrinoimunologia. Membro da Academia Paulista de Psicologia – Cadeira nº 10.

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