Qualidade de Vida no Trabalho e Saúde do Trabalhador

11/04/2023

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Por Prof. Dr. Bruno Chapadeiro Ribeiro

Resumo

Entre os elementos que explicitam a definição e a concretização da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), é o controle um dos mais importantes. E controle engloba a autonomia e o poder que os trabalhadores têm sobre os processos de trabalho, incluindo questões de saúde, segurança e suas relações com a organização do trabalho. Pessoas são o que são, por isso as condições, os ambientes e a organização do processo de trabalho devem respeitá-las em sua individualidade.


O final dos anos 1950 configura-se como um marco na discussão sobre Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), a relação com experiências de trabalho vivenciadas por coletivos de trabalhadores na perspectiva de um patamar de produtividade por eles regulado (LACAZ, 2000). 

Nos anos 1960 visava-se, por parte da gestão do trabalho, a motivação do trabalhador quanto às experiências individuais vividas, ao passo que, numa perspectiva classista, visando maior satisfação laboral. Em última instância, também se relaciona com a produtividade regulada. 

O caminho dessa discussão aprofundava-se com o conceito de QVT, relacionando-se à busca pela qualidade das condições, ambientes e organização do trabalho a partir dos anos 1970. Tal visão é influenciada e alimentada por movimento originado no ‘chão de fábrica’, especialmente na Europa, no qual a ‘gestão participativa’ e a ‘democracia industrial’ são ideais a serem conquistados e garantidos (ANTUNES, 1999).

É sob tal esfera que, mais precisamente em 1976, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) lança o Programa Internacional para o Melhoramento das Condições de Trabalho (Piact), o qual preconizava a melhoria geral de vida como aspiração da humanidade, melhoria esta que não pode ser barrada no portão da fábrica e que tinha como pressuposto a participação dos trabalhadores nas decisões relativas à sua vida e às suas atividades laborais (MENDES, 1986). 

A partir dos anos 1980, o enfoque da globalização e da reestruturação produtiva passa a influenciar a visão de QVT, quando busca dar conta de questões relacionadas à produtividade, mas agora articulada com a ideia de qualidade total do produto e a competitividade, o que envolve a motivação, o pertencimento à organização como algo intrínseco à produção capitalista, ao que se soma a saúde no trabalho, considerando aspectos relativos ao enfrentamento de questões ligadas à qualidade total e produtividade em formas diferenciadas de organização do trabalho aliado às novas tecnologias de gestão do trabalho (LACAZ, 2000).

Justamente, para Heloani & Capitão (2003), a QVT seria, portanto, influenciada tanto pelas condições laborais quanto pela relação direta entre os trabalhadores, sendo que esses dois fatores se deterioram rapidamente em tempos de acirramento de competitividade desenfreada pelos programas de qualidade total mais associados à produtividade e dissociados da QVT em sua essência social e histórica tal como vimos acima. 

Para Lacaz (2009), o discurso da qualidade hoje veiculado, dá a impressão de que a ideologia gerencial é eficaz, já que a ninguém escapa a necessidade de se trabalhar com qualidade e livre de erros e retrabalhos, o que gera estressalidade constante. 

Assim, ao se cotejar uma concepção de QVT que se contrapõe à visão hegemônica, a qual tem sua base de atuação na aparência dos problemas, propondo o chamado “ofurô corporativo” (FERREIRA, 2011) com técnicas de relaxamento, ginástica laboral, meditação, dentre outras práticas que recaem única e exclusivamente sobre comportamentos individuais (FRANÇA, 1996), em nada se tratando de mexer no vespeiro da organização e das condições de trabalho que tem levado os trabalhadores ao adoecimento físico e mental. 

A isso, inclusive, Ciborra e Lanzara (1985) propõem a terminologia “Qualidade do Trabalho” (em antagonismo a somente à qualidade do produto) apontando que ela encerra uma concepção clínica, voltada à mudança de hábitos de vida e, por isso, atribuindo ao próprio trabalhador a responsabilidade de adaptar-se, de modo a otimizar sua qualidade de vida e de trabalho. Tal comportamento, não podemos esquecer, abre caminho para uma velha postura ideológica: a culpa da vítima pelo ato inseguro na ocasião de um acidente de trabalho, ou mesmo de que, a partir de determinados comportamentos seus, “mereceu” ser assediado moral ou sexualmente, dentre outras situações violentas nos ambientes de trabalho que expõem, fragilizam, degradam e provocam prejuízos e desgaste à saúde mental, como por exemplo também, o burnout e demais patologias da sobrecarga, tal como bem exposto por Seligmann-Silva (2011).

Assim, pretende-se em nossa fala deslocar a discussão para a categoria ‘controle’ sobre os processos de trabalho, na perspectiva dos coletivos de trabalhadores, o que permite articular o conceito à noção de que atingir a QVT envolvem ações: (a) em nível epidérmico, técnicas; (b) em nível dérmico, estratégicas e; (c) em nível hipodérmico, políticos. Ou seja, uma QVT que é determinada por fatores psicológicos, como grau de criatividade, de autonomia, de flexibilidade de que os trabalhadores podem desfrutar, como também, fatores organizativos e políticos, como a quantidade de controle pessoal sobre o posto de trabalho ou a quantidade de poder que os trabalhadores podem exercitar sobre o ambiente circundante a partir de seu posto de trabalho.

Aqui, portanto, a noção de controle sobre os processos de trabalho deve ser entendida como a possibilidade dos trabalhadores conhecerem o que os incomoda, os fazem sofrer, adoecer, morrer e acidentar-se, articulada à viabilidade de interferir em tal realidade. 

Controlar as condições e a organização do trabalho implica, portanto, a possibilidade de serem sujeitos na situação. O exercício do controle tem tanto uma face objetiva (poder e familiaridade com o trabalho), como uma face subjetiva, que versa sobre o limite que cada um suporta das exigências do trabalho (SATO, 1991).

Nesse sentido, mesmo que se considere incompatível pensar em QVT numa realidade de precariedade do trabalho (e de direitos), advoga-se que a introdução no debate de um outro ‘olhar’ sobre a questão, pode contribuir para o enfrentamento do ‘discurso único’ e da prática a ele acoplada, as quais são defendidas como sendo ‘o’ modelo de abordagem da QVT por parte das organizações e dos técnicos e intelectuais que a corroboram. 

Pensar em QVT e Saúde/Saúde Mental no Trabalho, hoje, é passar pela discussão de intervenção na forma com o que trabalho é organizado, em suas condições de ser realizado e, principalmente, maior democracia organizacional no que tange as alterações e os novos rumos dos processos de trabalho, porém de uma forma verdadeira e efetiva e não instrumentalizada.

Diante dessas assertivas, defende-se que dos elementos que explicitam a definição e a concretização da QVT, é o controle – que engloba a autonomia e o poder que os trabalhadores têm sobre os processos de trabalho, aí incluídas questões de saúde, segurança e suas relações com a organização do trabalho – um dos mais importantes que configuram ou determinam a QVT das pessoas. E, frise-se: elas são o que são. Por isso, as condições, os ambientes e a organização do processo de trabalho devem respeitá-las em sua individualidade.


Prof. Dr. Bruno Chapadeiro Ribeiro
Psicólogo e Pós-Doutor em Saúde Coletiva pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Atualmente, é professor adjunto do Departamento de Psicologia de Volta Redonda da Universidade Federal Fluminense (VPS/UFF).

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