Trilha Sonora
José Damasceno
O carioca José Damasceno deixou-se contagiar em sua breve experiência no curso de arquitetura de tal maneira, que o espaço virou o centro de vários de seus estudos artísticos. Suas esculturas jogam com os limites da expectativa. Em Trilha sonora, o artista brinca com um objeto simples do cotidiano: o martelo. Pendura três mil deles na parede, desenhando linhas sinuosas na grande folha/parede branca.
Mas, afinal, o que um martelo numa parede poderia trazer de poético? Esse instrumento tão usual é retirado de seu habitat para uma nova utilidade. Aqui ele é quem entra na parede, dispensando qualquer prego, ou até um possível quadro a se pendurar. Ele é a arte. E a materialidade dura do metal e cabo de madeira passam a compor, no macro, suaves curvas. Olhando de longe, fica bem parecido com os mares de morros do Vale do Paraíba, por exemplo. A dureza cria movimento. As origens do nome Taubaté denotam muito sobre sua espacialidade. Taba, que vem de aldeia, e ibaté que denota elevado, descrevem a cidade como “aldeia elevada” pelos originários do local. José se debruça no “estudo do lugar”. Quantas possibilidades um espaço pode oferecer? Quais são as propriedades de um espaço como Taubaté? Afinal o que é um espaço? Talvez, de primeira, pensamos em um local vazio, mas ele é feito de coisas e talvez até pessoas. O estranhamento de perceber um martelo fora do campo do trabalho pode provocar cócegas na criatividade de quem está habituado a vê-lo apenas nessa possibilidade. A imaginação pode, como vemos nessa obra, alargar os limites das coisas e possibilitar outros sentidos.
O som do martelo na parede costuma ser ritmado e constante até que o objetivo seja alcançado. Damasceno coleciona essa imagem, primeiramente ruidosa, construindo um caminho visual das ondas, quase numa partitura do cotidiano. Objeto, espaço e ideia se confundem. É como se ele congelasse o trajeto do martelo, criando um desenho sonoro escultórico. Talvez, no imaginário, exista apenas um martelo e não três mil.
Qual o limite de um objeto? Para o escultor, essa é uma pergunta a ser respondida das mais diversas formas e Trilha Sonora talvez nos dê algumas dicas de como fazer, da nossa percepção dos locais, algo a causar contemplações ou criar mais questionamentos. O que Taubaté pode nos fazer mudar sobre a forma de ver o mundo?
Post POSTA
Nydia Negromonte
Para o registro de POSTA, o tempo foi imprescindível. A instalação pode ser considerada uma verdadeira performance da natureza. Diversos vegetais, comuns na cozinha, foram envolvidos por barro cru e dispostos numa mesa. Nydia Negromonte fotografou, então, as mudanças ocorridas nos pacotes orgânicos, criando a série fotográfica Post POSTA. O resultado é diverso: alguns ficaram aparentemente intactos, enquanto outros já denunciaram apodrecimentos, rachaduras e germinações.
A artista plástica, formada nas Belas Artes de Belo Horizonte, costuma distrair objetos de suas utilidades primeiras, sejam da casa de alguém, fotografias ou então os vegetais aqui colocados. Para ela, a natureza política da arte é intrínseca à forma do artista de ver e interpretar o mundo. Essa natureza se alia à própria realidade dos objetos do biossistema, desafiando a ideia da “natureza morta” colocada em pinturas. Negromonte tridimensionaliza os quadros tão comuns e espera que a magia aconteça. O passar das horas age como um pincel participante ativo.
O barro protagoniza, de forma sutil, como cápsula propulsora do “brotar” das plantas que renascem. Assim, tal qual as margens do rio Itaim que, por muito tempo, ofereceram suas argilas como matéria-prima aos moradores locais no artesanato. Uma simples substância modifica e propicia novas possibilidades aos taubateanos.
O que as coisas têm a nos ensinar? Em Post POSTA, vemos destacada a inevitabilidade da passagem do tempo como um fator importante para mudanças. Ao observar tais modificações, o ciclo de vida e morte aparece para conversar com o espectador. O apodrecimento de alguns vegetais é o que fornece ambiente propício para o surgimento de novas plantas. Também evidencia a importância das rachaduras para o nascimento. A mesa posta ou a compostagem se mostram como partes igualmente importantes do devir da vida.
Travessia das Cores no Escuro
Amélia Toledo
Essa obra você pode tocar! Experimente os quartzos azuis, brancos e verdes, as texturas de mármore, calcita laranja e diversas rochas dispostas. Amélia Toledo, nascida em 1958, não tem pudores quanto ao toque em suas obras e mistura diversos tipos de materialidades para desfrute das mãos. Os olhos não ficam de fora com o grande aço inoxidável, que provoca distorções nas imagens que reflete em suas curvas. Travessia das Cores no Escuro é um grande convite ao espectador a experimentar as interações das cores, luz e toque em sinestesia.
Você imaginaria que pedras pudessem virar arte? Desde os 4 anos de idade, Amélia colecionava pedras. Em toda sua trajetória, ganhava de amigos, familiares e buscava por aí as rochas pelo mundo. Os pais cientistas e o seu trabalho em escritório de engenharia a colocaram em contato com a construção e seus materiais. Seu olhar poético, no entanto, a fez transportar a lógica direta e objetiva para o mundo da arte. Desde pequenas pedras para artesanato de joias até grandes instalações, Toledo utiliza de minérios para falar de sensações. Para ela, as pedras podiam carregar além de beleza, processos curativos.
Taubaté, como polo industrial em seu histórico, sabe bem dos processos para se fazer aço. Amélia transporta a máquina e a indústria para dar as mãos para pedras brutas.
Sabemos que as indústrias usam a natureza como matéria-prima para seus produtos. Tornaremos possível que a indústria e suas máquinas andem de mãos dadas com a natureza rústica? Afinal, é a natureza que possibilita esses materiais brutos. Aqui vemos que sim. As formas in natura complementam e modificam a lâmina curva e polida do aço, que também já foi minério intocado, e ambas criam cenários de uma paisagem diferente, harmoniosa e possível.
Figuras de Taubaté
Figureiras
Pequenas figuras de argila enfeitam muitas casas pelo mundo, mas vêm de um único lugar: Taubaté. Berço de grandes nomes como Hebe Camargo, Mazzaropi, entre outros, a coleção de taubateanos conhecidos pelo mundo só aumentou com a ascensão das figureiras. As temáticas podem ser muitas. As peças coloridas podem ilustrar crianças brincando, pessoas trabalhando, religiosidade e festas populares etc. As mãos dos artesãos taubateanos moldam a argila e pintam com pincéis ou palitos de dente. A tradição começa quando Maria da Conceição Frutuoso Barbosa, devota em um convento, decide contribuir no presépio trazido da Europa. O modelo estrangeiro era feito de gesso, material difícil e caro para a mulher. Foi nas margens do rio Itaim que ela encontrou material necessário para a confecção dos bichos da manjedoura: a argila. A ocupação se expande entre as mulheres e o tempo. Hoje, homens também são figureiros e a tradição virou emprego. É possível se aposentar sendo figureiro. A “Casa do Figureiro Maria da Conceição Frutuoso” expõe e vende obras da coletividade durante o ano todo e não só no Natal.
Sendo arte decorativa, religiosa ou até de contemplação, é fato que as figuras evocam uma mistura cultural que evidencia o histórico do local. Há influências portuguesas no catolicismo, ou afro-indígenas na estética e na manualidade da confecção. O resultado, então, é de uma estética descrita por alguns como naive, por outros como afetiva. O processo de feitura de qualquer coisa traz em suas entrelinhas as expressões que saltam aos olhos no produto final, e não seria diferente com as figureiras, que possuem sua própria forma de manualidade. A busca pela argila, sua forma de molde à mão, as temáticas etc. trazem em si um toque que só Taubaté poderia trazer. A oralidade aqui se expõe no caráter cotidiano e/ou folclórico das cenas retratadas. O ensino-aprendizagem dos artesãos transborda quando se vê a criatividade da velhice, infância e maturidade nas cores e formas das pequenas esculturas manuais.
O mais interessante é perceber que a tradição talvez seja anterior à chegada dos europeus, pois indígenas da região também se serviram da boa argila do Itaim para confeccionar cerâmica. Como um rio pode provocar a forma de fazer arte de um povo? E como a manualidade de um povo pode modificar um ambiente e transformá-lo em expressão?
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