Adnã Ionara
Artista das artes da cena. Graduada em Dança, mestra e doutoranda em Artes da Cena pela UNICAMP, deu início aos estudos em dança quando criança, no terreiro de sua avó. Suas pesquisas abarcam dança, corpo, memória e escrevivência a partir da mobilização de experiências afrodiaspóricas e sabenças de terreiro, criação e improvisação no campo da dança.
Encantamento. Talvez seja essa a premissa de minhas escrevivências nesses dez anos de Bienal Sesc de Dança em Campinas.
A dança é o meu lar. Centelha irrefutável que cultivo desde que me entendo por gente. É que quem é de terreiro compreende que a existência só se fundamenta em movimento. No entanto, eu, cria de Rio Claro, interior do estado de São Paulo, dispus muito da minha noção do que poderia ser dança forjada aquém dos muros da academia de balé que frequentei durante toda a minha adolescência.
As noções do que se entende por dança caminham de acordo com a (in)conformidade dos marcadores das diferenças atrelados à nossa existência: de que maneira o contexto arqueia nossos corpos e de que modo mobilizamos a nossa experiência. Corpo, condição e experiência (Oliveira, 2009). A dança que manifesto e assimilo decorre da minha subjetividade frente à interseccionalidade do meu corpo no mundo. E quais modulações essas noções podem sofrer ao estudar dança na última cidade do mundo a abolir a escravidão?
Apesar da instituição escravagista ter deixado permanentes cicatrizes em Campinas, a cidade se constitui como importante território de resistência e agência de sujeitos negros, principalmente organizados em coletividade. Negras leituras de mundo fundamentadas na gira da memória ancestral, perpetradas, sobretudo, pela dança. Para além, Campinas também acolhe o segundo curso universitário de dança fundado no país. Dança e pesquisa. Dança, pesquisa e território. E com a chegada da Bienal, o que acontece?
Pluralidade. Estava no meu terceiro ano de graduação quando a Bienal fez sua primeira edição na cidade. Muitas rotas e perspectivas do que poderia ser dança. Vislumbre. Como podem escolhas como essas serem estabelecidas danças? Como é possível que tantas concepções e noções estivessem reunidas em um mesmo evento? Eu nunca havia tido a chance de assistir a tantos trabalhos e de contemplar tanta coisa. A sede de querer conhecer me levou a maratonar espetáculos. A maratona me levou a reconhecer caminhos. Os caminhos me levaram à percepção da existência de um mundo que, embora não fosse novo, era totalmente inédito. Não é finito o movimento quando nos permitimos ao jogo do tempo-espaço. A Bienal nos mostra isso.
Em 2017, assisti Corredeira, de Kanzelumuka. Um corpo que era água, mas também caminho. Encruzilhada fluida, onde a existência de outrora conjurava o agora. Foi a primeira vez em que vi um trabalho onde me reconheci, onde queria habitar. Com Kanzelu, naquele momento, fundamentei a senda que assentaria o meu fazer artístico: a escrevivência. Na mesma edição, além de assistir Do desejo de horizontes, participei da oficina de dança oferecida por Salia Sanou. Naquele ano, os desdobramentos daquelas experiências reafirmaram-se em processos criativos íntimos, fortalecendo a pesquisa e a concepção de um espetáculo que, anos depois, faria parte da programação.
Reentender o espaço, restabelecer o tempo. Com a Pandemia de Covid-19, o ano de 2021 mobilizou encontros nos quais a concretude do corpo assumiu outras dimensões. A escala criativa e relacional precisou se articular entre-telas, conexões e sinais para se fazer fundura. Remoto e totalmente presente – foi assim que integrei a programação daquela edição. O trabalho Imalẹ̀ Inú Ìyágbà, fundamentado como femenagem à matrilinearidade a partir de sabenças e simbologias nagôs de terreiro, ao ter sido revisitado para aquela edição, tornou-se ponto de inflexão em minha trajetória, não só acadêmica, mas também existencial. Jornadas de umbigo. O que antes se propunha como uma criação inédita em meu processo acadêmico, firmou-se em mergulhar ainda mais fundo naquelas águas amnióticas. E eu nadei. Imalẹ̀ Inú Ìyágbà, pós-Bienal, cruzou cidades e estados, chegando, em 2023, dentro do Projeto Sesc Palco Giratório, a atravessar o Brasil.
Feitiço do tempo. Ainda em 2023, CACUNDA, espetáculo de dança concebido a partir do projeto “Música, Letra e Dança” (Sesc Pompeia, Sesc-SP), integrou a programação daquela edição. O trabalho, que se estabelece na ancestral e mutualística relação entre dança e música, é nossa tentativa de corporalizar o tempo. Um tempo que pesa e que dança, refletindo sobre o lastro de afrodiáspora no Brasil – “começo – meio – e começo” (Santos, 2015). Ah, o tempo e a Bienal!
Inventividades, conexões e espiralações – a edição de 2023 lançou uma flecha no tempo. Uma flecha curva, de duas pontas, que gira e se movimenta para frente e para trás, em constante deslocamento (Martins, 2021). Uma flecha moinho que desafia a si própria, se reivindicando, demarcando a si e ao todo: eu sou o tempo! Na gira das encantarias, o evento reuniu Lança-Cabocla, Leda Maria Martins enraizando jatobás e Dada Masilo eternizada nas paredes e solos do Castro Mendes e também no meu imaginário. O corpo ainda pulsa ao resgatar a memória da comunhão espacial-temporal dessas constelações. E como é que a gente fica?
Encantada. A Bienal Sesc de Dança se instaura como um espaço democrático, plural e acessível. Nos caminhos do corpo, ela fomenta o trânsito e a fundamentação de saberes, sabenças, experiências, conceitos, possibilidades e caminhos para a dança em sua mais complexa e crua manifestação expressiva. O fazer artístico, quando desperto e responsável do seu alcance e possibilidade, é capaz de se estabelecer, também, como ação e prática de conscientização, no que tange à necessidade de assentar mais caminhos para se pensar mundo e arte, e ao quanto ela é basilar para o entendimento de si, de nós e do todo. Danças capazes de penetrar, mobilizar e reinventar mundos, escrevivências no alto do radical mais cardíaco: o da transformação. Essa é a dança que eu acredito e que acontece aqui.
Referências bibliográficas
MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
OLIVEIRA, Luis Henrique S. “Escrevivência” em Becos da memória, de Conceição Evaristo. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 117, n. 2, maio/ago. 2009.
SANTOS, Antônio Bispo dos. Colonização, Quilombos: modos e significações. Brasília: INCTI/UnB, 2015. Disponível em: http://cga.libertar.org/wp-content/uploads/2017/07/BISPO-Antonio.-Colonizacao_Quilombos.pdf. Acesso em: 31 jul. 2025.
Deise de Brito
Nordestina, de Salvador. Nômade. Artista do corpo, crítica cultural, educadora e doutora em Artes (UNESP). Cava cruzas entre corpo, ancestralidade, memória, cena e arquivo nas negritudes de Abya Yala. Docente colaboradora na Escola Superior de Artes Célia Helena (SP) e matrigestora do site Arquivos de Okan.
e sua sábia peculiaridade de confundir, porque quando o meu paladar e aquela, de tipo comestível, se encontram sempre me vem a certeza, ao saborear o seu doce ligeiramente amargo, de estar na companhia de um fruto. Mas no final das contas botânicas e seus caminhos dendrológicos¹, ela é semente. E há, ainda, outro aspecto amendoístico valioso, aquele relacionado à condição de sua existência: a polinização cruzada. Por exemplo, uma amendoeira-da-índia – nossa conhecida “chapéu-de-sol” ou amendoeira-da-praia –, pode viver num local específico, ter suas características particulares e produzir seus próprios pólens, mas estes não a fertilizam. Ela precisa de pólens de outras diferentes amendoeiras-da-índia para que as amêndoas sejam possíveis. É o cruzamento polinizado dessas diferenças que assegura as existências das amêndoas. Sem esquecer do suporte fundamental de viventes voadoras como as abelhas, que, nesse sentido, atuam como guardiães atenciosas ao transportar os princípios do fecundo.
Essa disposição das flores de amendoeira em depender de uma agência plural em trânsito para a criação sementeira, me remete à forma como sinto as poéticas e presenças negras na dança. Primeiramente porque ao já existirem elas já são semeaduras ao mesmo tempo e segundo porque cada experiência negra é sempre interconectada com outras experiências de negritude, mesmo que diferentes e divergentes entre si. Na minha assumida compulsão por apreciar pessoas negras em linguagens cênicas e nas rotas arquivísticas das instituições e das performances – artistas do corpo, do entusiasmo, além de criadoras, em potencial, de documentos que são gestados enquanto elas se movimentam –, eu amêndoo minha fruição ao constatar que a inteligente trama comunicativa entre os nossos nós (de nó) em nós, somada à nossa habilidade de dobrar para dilatar, é a nossa territorialidade comum, arada nem sempre por desatamentos.
Nesse caminho, dialogo com a artista, crítica e psicóloga Mainá Santana, que, ao assistir, em 2020, aos trabalhos de quatro artistas da cena (Verônica Santos, Morgana Apuama, Lilian Martins e Jéssica Maldona), na 4ª edição do “Mulheres em Cena”, organizada pela Cia. Fragmento de Dança (SP), nos trouxe um pólen-pensamento como uma determinada abelha que coleta um néctar padrão entre diferentes florescências: “Há algo que se desenha nos quatro trabalhos: a diversidade da experiência de ser preta em singularidade plural.”² Interessa-me a forma como a autora apresenta o jogo sintético de ponderação entre similaridades e diferenças, além do sinal de recusa ao discurso perigoso da autenticidade.
Inclusive, pontua-se que a palavra verso, do termo diverso, tem raiz etimológica na palavra em latim versus, particípio de vertere, que significa “virar”, “girar”, “voltar”, “mudar de direção”. Assim, é importante realçar que a expressão di-versi-dade (diversitas) envolve um sentido de movimento de mudança, de alteração de rota, de recusa ao estático, de acolhimento ao trânsito, de retorno.
Nessa direção, inverter a percepção ou deslocá-la para além daquilo que, compulsoriamente, projeta-se como representatividade da nossa parcela no diverso precisa estar em relevância no processo criativo, na recepção e na crítica em Dança. Simultaneamente, é necessário o exercício de situar experiências, pois a diáspora negra é pluriforme.
Somos uma gama cromática dentro da negritude, com diferentes tônus musculares, em envolvimentos matriarcais ou traviarcais ou em nenhum deles, com pesos variados, oriunda de distintos territórios, com diferentes paladares, dançando a partir de escolas e repertórios heterogêneos, artivistas ou não, corpos com ou sem deficiências, inauguramos e somos contínuos de outras existências sincronicamente; com vontades de concretizar anseios dessemelhantes, porque cada uma sabe, ou pelo menos tenta saber, as próprias delicias, além de sentir o que precisa ser suturado.
Pensar a sutura, nesses e desses corpos, é pensá-la a partir do lugar de fragmento/ruptura, que diz de estéticas elaboradas com base numa história/cultura de um povo em pontilhados, feita de fragmentos espalhados e recriados no/pelo mundo. Tal fragmentação não é um processo de “desencanto” ou de desagregação social, de um mundo dividido entre capitalistas e comunistas, da efervescência das vertentes pós-estruturalistas e desconstrutivistas, como acontece com a arte contemporânea hegemônica.³
Esses fragmentos mencionados pela artista, pesquisadora de teatros negros e crítica Soraya Martins, espalhados e recriados no mundo, se costuram, não apenas a partir das convergências criativas, mas também na “tensão entre o mesmo e o outro”4, num processo complexo de estruturas de circulação e troca, como se fossem orientados por grandes colmeias invisíveis.
É o nosso movimento de polinização desde nossas “singularidades plurais” (Mainá Santana). Assim, mesmo acreditando que devemos interrogar (e por que não dispensar?) certos ritos hegemônicos de consagração, legitimação e validação, sob a perspectiva do pensamento crítico, compreendo que estar em determinados espaços – físicos ou simbólicos –, deve continuar acontecendo menos para torná-los mais diversos do que para ocupá-los, porque a diversidade nos é inerente, uma natureza social existencial não somente do macrodinâmico conjunto de pessoas artistas negras na dança, mas igualmente de todos os outros que são ameaças históricas aos projetos de colonialidade.
Estes últimos, de forma frequente, tentam impor, na maior parte das vezes, em nuances cordiais, sob o chão de falsas alianças, o onde, o quando e o como devemos estar ou ocupar.
De modo algum não se celebra, aqui, os avanços dos movimentos artísticos de amplos grupos insubmissos, para que presenças de distintos itinerários estéticos estivessem em espaços que antes eram mais excludentes. Contudo, até então, há uma denominadora-dominadora comum que continua forte numa missão: manipular, a seu favor, a operação do variado, tornando-se, assim, a presença e a posse dela invariáveis.
No entanto, acredito que, assim como as amendoeiras, partilhamos pólens. Eles contaminam, nós florescemos em outras existências que dançam e documentam, aos seus modos, o vir a ser. Constituímos reserva de uma variante nutritiva com vitamina E e magnésio; somos fontes de fibras e fósforo, temos proteínas e ações antioxidantes. Que bom que este texto sempre foi sobre amêndoas.
Referências
GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34, 2008.
MARTINS, Soraya. Sobre a viagem que faz o mar em torno do mar. Disponível em: https://www.arquivosdeokan.com.br/sobre-a-viagem-que-faz-o-mar-em-torno-do-mar. Acesso em: 13 ago. 2025.
SANTANA, Mainá. Crescer ao Rés do RisKo. No Baile, encontrar refúgio da infeliz certeza de que Todos Te Amam Até Você Se Assumir Preta. Disponível em: https://www.arquivosdeokan.com.br/cresceraoresdorisko. Acesso em: 13 ago. 2025.
Referências
[1] Escrevo esta palavra a partir do termo “dendrologia”, que é a parte da Botânica que estuda as plantas lenhosas – que tem madeira, como arbustos e árvores, a exemplo da amendoeira.
[2] SANTANA, Mainá. Crescer ao Rés do RisKo. No Baile, encontrar refúgio da infeliz certeza de que Todos Te Amam Até Você Se Assumir Preta. Disponível em: https://www.arquivosdeokan.com.br/cresceraoresdorisko. Acesso em: 13 ago. 2025.
[3] MARTINS, Soraya. Sobre a viagem que faz o mar em torno do mar. Arquivos de Okan. Disponível em: https://www.arquivosdeokan.com.br/sobre-a-viagem-que-faz-o-mar-em-torno-do-mar. Acesso em: 13 ago. 2025.
[4] GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34, 2008.
Lēnablou PDH
Guadalupe, 3 de agosto de 2025
Y
Sou guadalupense, bailarina, coreógrafa, formadora, teórica, antropóloga em dança, professora universitária e legatária de uma história ciclônica. Nasci na década de 1960 e sou uma insular “arquipelágica” cujos contornos são moldados pelas marcas partilhadas da história colonial. A minha própria Guadalupe é uma ilha fragmentada, situada no meio de um twa chimen (três caminhos): Antígua e Barbuda numa extremidade, as Ilhas Virgens na outra e Trinidad completando esse longo cordão de ilhas caribenhas; os três formando um Y. Gosto dessa posição mística da Guadalupe na encruzilhada, como se quisesse conter entre os seus seios todos os fluidos desses pequenos pedaços de terra… Trinidad, Haiti, Dominica, Jamaica, Santa Lúcia, Martinica, Barbados… o Caribe é um Outro Eu…
Tenho um profundo apego a esta terra, não pelo fato de ter nascido aqui, mas porque, quando ela treme, ela me faz dançar inadvertidamente. Ela me carrega quando as águas do sofrimento dos meus antepassados lavam tudo em seu caminho. Ela me ancora em uma cultura ciclônica, na qual aprendo todos os dias que “an dézòd ka fè an lòd” (a ordem se camufla por trás do caos). É uma questão de sensação vibratória, em que meus pés avançam em uma dança incerta. A dança do homem-léwòz revela que o bigidi é uma somação, uma insolência divertida da história guadalupense. Ele sempre mawonné1 meu corpo e minha mente para escapar de um tempo antigo que ainda não passou. Ele ressurge insidiosamente, reconvocado como um espectro memorial, cavando um pouco mais o sulco de uma colonização fantasma. Um sistema que não existe mais, desde que Guadalupe se tornou um departamento francês em 1946, e, no entanto, os resquícios rebeldes por vezes emergem como sombras para reavivar traumas coletivos.
O gwoka
Levei tempo para compreender que o gwoka do meu país é um complexo consórcio, formado pela sedimentação de um fluxo incessante de culturas heterogêneas. Foram necessários 25 anos de esforço intelectual para remover as crostas que encobriam os klendendens (vaga-lumes) da beleza, da ciência, do padrão e da filosofia da dança gwoka. São sete: toumblak, woulé, padjanbèl, menndé, graj, kaladja e léwòz – esses ritmos e danças são um legado de 1nossa filiação à África e os vestígios da história habitacional que atestam as marcas inexoráveis do passado. O corpo guadalupense criou gestos fundadores para se proteger e para que se possam ler e ouvir suas forças criativas inaudíveis, ainda veladas. O corpo se transmuta em kò2 pela cultura para carregar em seu seio o saber e o conhecimento intrínsecos da terra que o recebe. Ele é um fato histórico, político, identitário, social, cultural e filosófico. Considero o gwoka como uma metalinguagem que se insinua nos mínimos recantos da nossa existência. Ele nos conecta a tudo o que constitui nossa identidade, nossa história, nossa vinda ao mundo. Ele soube resistir na bainha do nosso kò para nos transmitir esse precioso presente que nossos ancestrais nos legaram: a arte do bigidi!!!
Não conseguia me conformar ou aceitar que todas essas danças – gwoka da Guadalupe, bèlè da Martinica, kumina da Jamaica, rumba de Cuba, kasékò da Guiana, vudu do Haiti e muitas outras – fossem apenas uma maneira caribenha de se movimentar sob o manto da tradição. Elas acabam sendo limitadas a marcos de um legado ancestral, fruto de uma memória evanescente e obsoleta, uma forma de reminiscência africana transbordada para terras americanas. Minha presença no mundo estava e está irremediavelmente ligada à escravidão, com sua cota de predeterminismo, que levou a um certo vácuo de nossos conhecimentos, de nossas inteligências, de nossos saberes caribenhos. O paradigma da alienação qualifica as pessoas do meu péyi (país) como “sem história”, “de sociedade krazé”, ou seja, “sociedades economicamente desequilibradas, socialmente e racialmente perturbadas”3. Como se, dessa história (colonial), nenhuma invenção, nenhuma criação, nenhuma beleza pudesse brotar desses espaços caribenhos, exceto a crise de identidade, o trauma, o sofrimento, a relação branco/negro, dominante/dominado. Essa cultura caribenha não nomeada no plano histórico, heurístico, conceitual, teórico e estético me incomoda. Eu segui outro caminho, o de “des-exotizar” meu próprio olhar sobre minha cultura. Era preciso propor um novo quadro epistemológico sobre o gesto dançado caribenho. Então, retornei para casa, plantando meus dois pés na minha ilha, com as mãos4 na cintura, a fim de projetar meu olhar de maneira factual sobre o dansè (dançarino) de gwoka.
Nas minhas numerosas observações do corpo dançante guadalupense, eu via um corpo movido pela música que, subitamente, parava e ficava suspenso, numa espécie de silêncio-habitado. Então, de forma inesperada, o dansè retomava seus gestos numa frenesia louca, entrelaçando as pernas e os pés num burburinho incessante. O corpo estava quebrado, assimétrico, desarticulado, desestruturado, mantendo-se na maior parte das vezes em apoios instáveis dos pés (calcanhar, kanté5), num jogo triarticular de rotação interna ou externa e paralela, de forma anárquica. Um corpo vacilante, à deriva, sempre fora do seu eixo; arriscando a qualquer momento a queda derradeira, mas que milagrosamente nunca cai. Denomino essa maneira de se mover, tão caótica e imprevisível: o bigidi6!
No decorrer desta longa jornada solitária que é a minha pesquisa sobre o gwoka, compreendo que a dança gwoka é um desses núcleos de resistência, receptáculo de um conhecimento endógeno. Ela carrega em seu seio uma filosofia subjacente (expressa ou não) da visão do mundo e de si mesmo. Essa modalidade de ser foi construída a partir de uma expressão popular: “Bigidi, mè pa tonbé” (vacila sem nunca falhar). Eu percebo por fim que o corpo dançante é um corpo pensante, como corolário do corpo social. A espessura do tempo me leva a conceber que o bigidi é um dispositivo nuclear (bigidi/rèpriz12 ou des-équilibre [“os”-equilíbrio/adaptação]) que nossos ancestrais colocaram à nossa disposição, de nós, contemporâneos, para honrar a criação e a vida. O dansè do gwoka, o “homem-léwòz”, recupera o bigidi como um epicentro, um catalisador, uma traçabilidade, uma via direta do corpus guadalupense através do qual o corpo social se expressa. A dança gwoka nos revela que a ruptura, a descontinuidade, o caos são um jogo permanente da relação com a vida, onde nos valemos do imprevisível para recriar, para nos reerguer e renascer de nós mesmos. É um hino à vida e não ao sofrimento. É uma postura mental na relação consigo mesmo, com o mundo e com o outro, articulada em torno de dois axiomas sinérgicos: caos/adaptação.
Compreendi então que o gwoka é um arquétipo que eu poderia empregar para definir o ser caribenho do ponto de vista ontológico, combinando suas ramificações adjacentes, que são a estética e a tecnicidade.
O bigidi: uma técnica, uma estética
Os resultados dessa pesquisa sobre a dança gwoka deram origem, por um lado, à invenção de uma nova técnica corporal: a techni’ka7. E me permitiram, por outro lado, nomear a beleza da dança caribenha pela estética da des-ordre (“as”-ordem) ou pela estética do bigidi.
O bigidi é a espinha dorsal e constitui a matriz caribenha do ponto de vista estético e técnico. É a tensão de dois estados extremos, caos-adaptação tanto na forma (desalinhamento dos volumes corporais), no tempo (descontinuidade) e no espaço (aleatório). Assim, instala-se um jogo permanente com o equilíbrio, a harmonia e a regularidade, gerando uma cercularité8, uma forma de fluidez jamais interrompida entre estar em des-équilibre e estar em equilíbrio. Se tivéssemos que desenhar o corpo de um dançarino da techni’ka, as formas não seriam lineares e contínuas, com volumes harmoniosos, mas, sim, corpos quebrados, linhas quebradas, volumes assimétricos. É um traçado corporal e rítmico todo em quebra e descontinuidade. A escrita coreográfica inscreve-se numa estética da des-ordre que, na realidade, é uma beleza formalizada pela harmonia do caos. É uma maneira filosófica de pensar, de construir e de escrever a dança sobre conceitos que invertem ou deslocam os paradigmas, por exemplo oscaos é uma forma de harmonia. As linhas de força que atravessam o corpo devem ser labirínticas, construídas num intersistema de bigidi corporal, temporal, espacial e relacional, com uma dinâmica interna do gesto ligada à relação com o peso em um karékò (a kinesfera do dançarino de gwoka). A estética da des-ordre íntima para o dançarino intérprete e o coreógrafo é colocar em segundo plano o “fazer ver”, ou seja, o “lugar do ser”, para fazer brilhar o “verso do ser”9, destacando sua singularidade. O bigidi corresponde ao momento de ruptura singular e imprevisível, formalizado pela sua transgressão numa cercularité mental, física, espacial, ou seja, uma disponibilidade aguda do artista. A cercularité é um estado de espírito que formaliza a criação incessantemente convocada e reconvocada, construída sobre a flutuação e a plasticidade para operar a técnica da adaptação e, portanto, da criação.
A filosofia da estética da des-ordre concebe a inversão dos esquemas ou, na realidade, o equilíbrio é o des-équilibre, e o corpo dançante é um corpo musical. O dançarino deve fazer “soar” seus gestos, o que exige um grande domínio da flutuação dos seus estados corporais. Trata-se de incorporar que o “aleatório”, o “erro”, o “acidente”, o “imprevisto” são uma trajetória criativa para o dançarino, que devolve toda a sua força à intuição, mesmo se for preciso improvisar com o que tem à mão.
Os pés do dançarino da techni’ka não são únicos, mas múltiplos. São vivos e vigorosos, ancorados de forma flexível, à sua maneira. É uma renovação perpétua, como uma forma de recriação infinita, em constante instabilidade. É uma reconfiguração sempre vacilante da verticalidade que se define num jogo permanente entre o equilíbrio e o des-équilibre. Pode-se até pensar e afirmar de fato que o dançarino se diverte simulando a verticalidade para dizer ao mundo: “É assim que eu concebo meu equilíbrio no des-équilibre”. É uma implacável verticalidade “outra” do ser, da simbologia do corpo erguido em homem-kanté, homem-bambu, homem-água, homem-liana – servindo-se de seus apoios mais incongruentes para continuar alimentando seu des-équilibre.
O bigidi ou a filosofia da harmonia do caos
O corpo dançante no mundo do tambor guadalupense tem uma propensão ao des-équilibre permanente e à imprevisibilidade dos movimentos, e foi precisamente isso que me intrigou: por que, em um canto da Terra, os homens dançam o caos? De fato, o corpo é mantido em um estado de instabilidade recorrente, evocando e antecipando continuamente uma queda potencial e inevitável e, no entanto, ele nunca cai. A dança gwoka se estrutura entre ruptura/bigidi e adaptação/rèpriz, e o conjunto musical e coreográfico se baseia no princípio do fap-fap (improvisação). Minha premissa é que o bigidi é uma filosofia de vida e define a concepção do mundo do ponto de vista caribenho. A de avançar na vida mesmo de forma instável e ilógica, integrando a des-ordre, o caos, a impermanência e a adaptabilidade perpétua como uma estratégia de vida. “O ser caribenho se constitui no caos por necessidade existencial a partir de sua história colonial e escravista. Os caribenhos sabem como tornar a incoerência coerente, como estabilizar a instabilidade, transformar o desacordo em harmonia ou tornar lógico o paradoxo. Esse modo de existência funde-se simbioticamente em dois estados permanentes do ser: o ser instável e o ser adaptável”10. A sua maneira de ser está incorporada no corpo, ao mesmo tempo dançante e sonoro. Considero que a teoria do bigidi, ou teoria da harmonia do caos, emana do “ponto de vista dos pequenos territórios”. O bigidi é uma práxis de movimentos que resiste à derrota pela desestabilização. Apresenta-se, então, como um enquadramento crítico interessante para analisar uma abordagem pós-colonial da vida. A teoria do bigidi move as linhas do pensamento e muda os paradigmas. É um sopro do mundo (Hadley, 2024). O bigidi define a leitura filosófica, antropológica, política, econômica, social e estética do caribenho. O corpo bigidante é a expressão da grande inteligência empregada por nossos ancestrais escravizados para preservar sua humanidade e honrar a vida. Essa foi a estratégia deles, como uma arma milagrosa para resistir e agir com resiliência diante da violência incomensurável da escravidão. Usaram, assim, o corpo e a cultura como camuflagem para depositar a sua inteligência, o seu conhecimento, o seu raciocínio e a sua concepção de mundo. O corpo é, portanto, um nódulo de conhecimento, que passa pela práxis para acessar a intelectualidade do ser.
Existe, portanto, um “corpo dançante” entendido como um “corpo pensante”, uma inteligibilidade do kò caribenho. O corpo dançante bigidante é o lugar onde se refugia a experiência individual e coletiva, a história de um povo, um “corpo-mundo” em resposta ao seu ambiente. Em última análise, o bigidi é a expressão de uma adaptação, de uma corrida para se adaptar que tem como efeito abolir o peso ou a sobrecarga do passado, a fim de permitir que surjam novas adaptações, se desejamos estar no mundo, hoje.
Na realidade, o bigidi nada mais é do que a resposta inteligente do indivíduo diante da entropia que o acompanhou ao longo de sua história, aquela do desarraigamento, da desidentificação, da reidentificação, da desumanização, da desespacialização e da racialização. Ele o integrou, portanto, como um fenômeno de osmose, para torná-lo sua própria realidade, a fim de continuar a viver e fazer existir sua humanidade. A colonização e a escravidão foram um dos principais fatores fundadores do des-équilibre do ser, a ponto de se tornar estruturante para ele. A dança caribenha (Guadalupe/bigidi, Martinica/wèlto e Guiana/nika) manifesta o caos, a des-ordre, a instabilidade, a imprevisibilidade, a descontinuidade, o fap-fap em um driv11 corporal e uma simulação do tempo, sustentada pela chave da adaptação permanente, a da rèpriz1212. Admito que o caos que emana do corpo dançante é uma consciência e uma escolha de vida assumidas. Pois aqui, a integração do des-équilibre deve ser entendida como uma força física, mental e espiritual. Ou seja, o des-équilibre é da ordem do rebote, da vitalidade, do tonbé-lévé13, do pòté-mannèv14. É preciso estar permanentemente em ação, trata-se da recusa da inércia ou do desespero – caso contrário, é a morte. O gesto bigidi retranscreve essa forma de conceber a vida.
A soma dos resultados das minhas pesquisas sobre Guadalupe (a dança gwoka), Martinica (a dança bèlè) e Guiana (a dança kasékò) me impulsiona a afirmar que o bigidi é consubstancial ao ser caribenho. Esse gesto fundador é uma modalidade existencial que vai além da estética ou da postura formal da dança gwoka, bèlè e kasékò. Ele se insere no campo social das Antilhas e da Guiana como uma verdadeira ontologia, uma espécie de indicador invisível, um pano de fundo, uma base que revela a maneira de pensar e agir do caribenho. O bigidi guadalupense, o wèlto martinicano e o nika guianense marcam, aqui, uma maneira bem singular de transcrever uma leitura antropológica, sociológica, psicológica e filosófica para designar esse “habilis” caribenho na arte da adaptação. A noção de bigidi, esse modus operandi, testemunha uma vontade adaptativa e uma capacidade de estruturar o campo social e de se estruturar a si mesmo a partir de dados históricos, geográficos, climáticos, espaciais, econômicos e políticos. Estamos diante de lógicas sistêmicas em que aqueles que estão na base da escala social precisam constantemente contornar regras e normas desumanizantes para existir e se construir individual e coletivamente. A elaboração de práticas musicais-coreográficas, com base nos princípios de bigidi/rèpriz ou de ruptura/adaptação, é uma construção cultural caribenha pela qual se obtém coerência. Isso me permite afirmar que as sociedades caribenhas não seriam apenas sociedades caóticas, instáveis, turvas e opacas, mas que, ao contrário, se enquadram em uma complexa clareza do real. Na realidade, elas constituem uma trama de inteligibilidade e percepção ideal do tangível, em uma dinâmica de fluidez e cercularité do caos. A fase de adaptação ou rèpriz, que reequilibra tudo e anula a des-ordre, nos explica que as sociedades caribenhas são capazes de sublimar o caos como elemento “integrado” em suas vidas. Assim, compreendemos a aceitação do bigidi como uma prática física, mas também mental, psicológica e espiritual, que é escolhida, integrada e assumida, e que denomino de ambigidité. O bigidi é uma forma de estar no mundo.
“O bigidi seria o nosso universal. Uma dança da relação que diz respeito a cada um de nós, independentemente da idade, da cultura ou da história. E cada um pode se reapropriar para fazer dela sua própria matriz, seu pilar […] o desequilíbrio como espaço de liberdade, de retomada do controle daquilo que somos como indivíduos e membros de uma comunidade, a dos seres humanos. O desequilíbrio como ponto alto da consciência humana. Uma catarse que mantém o olho espiritual aberto para a verdade.” (Bernardo Montet, coreógrafo francês).
Conclusão
Ao longo do tempo, foi desenvolvida uma construção linguística do corpo, feita de rupturas e descontinuidades, e sua presença no mundo nada mais é do que o resultado de misturas improváveis e imprevisíveis de seres humanos, culturas, crenças, visões de mundo, tecnologias e relações com o outro, que podem estar em oposição. Em vez de lutar contra esse ambiente ansiogênico, o indivíduo, em resposta, integrou a des-ordre como uma segunda natureza. Ele fez dela uma força existencial que se percebe perfeitamente em sua maneira de dançar. Com o passar do tempo, esse espaço que é o Caribe será palco de uma singular reconfiguração espacial, humana, social, política, econômica e filosófica. Um dado parece resultar desse conjunto: a des-ordre e a plasticidade. Neste universo, nem o corpo, nem o espaço, nem o tempo e muito menos a dança são insignificantes, já que são carregados de significado e expressões vivas da experiência do caos. No Caribe, dançar é um ato para inscrever a sua humanidade, para manter a sua resistência e para alojar as suas criações, os seus imaginários. Aqui, como noutros lugares, admitiremos que o corpo em movimento é a manifestação de uma certa visão do mundo pelos homens. Como diz Nietzsche, “somente o corpo pode alcançar esse milagre, pois é o corpo que atravessa a história, é ele que se torna e que luta”15. O corpo é um logos por si só, ele é falante quando se move, ele canta, ele toca música ou conta histórias. O corpo é uma verdadeira narração viva.
Meus trabalhos de pesquisa evidenciam tanto o desconhecimento e a minorização dos conhecimentos culturais não ocidentais quanto a hegemonia dos marcos conceituais ocidentais. Defendo as teorias, os conceitos, os conhecimentos, os saberes que emanam desses espaços insulares caribenhos. Desejo confrontá-los com as humanidades do continente americano e do resto do mundo. A techni’ka e o bigidi são um convite para valorizar nossos conhecimentos vernaculares de forma a pensar nossas humanidades com um cruzamento de olhares. Esperamos que o bigidi, “arte da adaptação”, forneça uma ferramenta original para compreender o modo de pensamento; um fator explicativo da visão de mundo do caribenho; e que possa entreabrir um novo espaço de reflexão sobre o ser humano, onde ele deverá aprender a tolerar a incerteza e a se deixar tocar pelos mistérios do improvável
Referências
[1] O termo mawonné é uma palavra crioula que designa o ato de pessoas escravizadas fugirem da servidão, de modo semelhante aos quilombolas no Brasil.
[2] O termo kò não é uma simples tradução literal da palavra “corpo”. O guadalupense tem a capacidade de habitar simbolicamente dois corpos: o kadav e o kò. Ele pode se retirar do seu corpo para deixar apenas o kadav (corpo), cujo papel é assegurar o trabalho ou qualquer outra função da qual ele não tira nenhum benefício nem prazer. E reincorporar seu kò, um corpo-espaço onde o ser é livre para circular por meio de seu imaginário. Ele se expressa, fala, pensa, se move e dança dentro desse corpo metafísico. Esse corpo, o kò, é propriedade do indivíduo, que o reinveste em seus espaços de liberdade, por exemplo: a swaré-léwòz4, seu jadèn kreyol (jardim crioulo) ou em sua kaz (casa). E é por meio desse kò que o ser inscreve toda a sua filosofia de vida, sua visão de mundo, sua relação com o outro e seu imaginário.
[3] Auguste Armet, “Guadeloupe et Martinique des sociétés « krazé »?” In, Présence Africaine, Revue culturelle du monde noir, 1er et 2ème trimestres, Paris, Présence Africaine, 1982, p. 11.
[4] Reunião popular nas noites de sexta-feira e sábado, por iniciativa de uma associação (cultural, carnavalesca, de apreciadores do Gwoka ou outra), durante a qual se apresenta uma performance do repertório tradicional de Gwoka. É um ponto de encontro, em um espaço ao ar livre, tanto quanto um momento de convivência onde as pessoas se reencontram, se divertem, bebem, comem e podem participar livremente de todas as atividades associadas.
[5] Palavra crioula para designar um objeto, algo ou alguém em uma postura deformada, desviada, inclinada, oblíqua, irregular. No caso da dança gwoka (especialmente na dança léwòz), o pé, no plano articular, pode ser mobilizado em várias posições diferentes: em rotação interna ou externa ou quando o peso do corpo repousa mais sobre a borda interna ou externa do pé (varus e valgus).
[6] Dar voltas no assunto, balbuciar, hesitar, fraquejar, vacilar, titubear. Hector Poullet, Sylviane Telchid, Danièle Bernini-Montbrand, Ralph Ludwig, Dicionário crioulo-francês, Paris, Orphie, 4/2012, p. 67. Na taxonomia estabelecida por Lēnablou em Techni’ka (Jasor 2005-2020), bigidi é o termo que define a postura do corpo, a do des-équilibre (“os”-equilíbrio) permanente (finta, esquiva, instabilidade, fora do eixo…) na dança gwoka, particularmente na dança léwòz. O termo define uma filosofia de vida, uma postura mental, uma visão do mundo, uma maneira de se relacionar que depende da capacidade de se adaptar ao caos.
[7] Lēnablou, Techni’ka, Méthodologie et principes culturels caribéens pour l’enseignement du gwoka et du Bigidi, Pointe-à-Pitre: Editions Jasor, 2020. E Techni’ka, Recherches sur l’émergence d’une méthode d’enseignement à partir des danses gwo-ka, 2005.
[8] É uma forma de agir que se encontra nos espaços da prática do tambor, que é uma circulação livre dos indivíduos de um círculo para outro (dança, tambor, canto, restauração), isto em inter-relação dentro do Lawonn, sem nenhuma regra pré-estabelecida, o que augura uma total liberdade de interação humana dentro da assembleia. Nenhuma fronteira separa os atores da swaré-léwòz daqueles que os observam. Esse modo de operação se encontra na corporeidade, em que o dançarino passa de um estado corporal para outro livremente, de forma aleatória, integrando a ruptura como continuidade.
[9] Essas duas noções: o lugar do ser, que é o ser formalizado, normatizado em um sistema imposto; e o verso do ser, que é o ser intrínseco em espaços informais, como as sociedades marrones [pessoas escravizadas que escaparam da servidão]. Esses conceitos são inspirados no filósofo martinicano Émile Pierre-Louis Monchoachi, Éloge de la servilité, Vauclin/Martinica, 2007, p. 30.
[10] Lēnablou, “Tombons, mais ne tombons jamais ! La feinte du temps. l’errance du corps et l’ambiguïté de l’être caribéen”, in: O Quilombismo Of Resisting and Insisting. De la fuite comme du combat. Of Other Democratic Egalitarian Political Philosophies (Berlin: Haus der Kulturen der Welt, 2023), p. 88.
[11] Errância, volta, passeio, caminhada.
[12] Meloritmo de regulação que se especifica e se formula em função de cada ritmo do gwoka, é interpretado ritmicamente por uma formulação própria, em que cada ritmo tem sua própria rèpriz. Isso também vale para a dança, e as sete danças têm, respectivamente, sua formulação corporal em função da dança executada (graj, woulé ou léwòz). E é o dansè que pede ao makè para executar a répriz do toumblak, por exemplo, durante sua apresentação. A répriz musical e corporal tem como função essencial colocar todos os protagonistas da swaré-léwòz (dansè, chantè, tanbouyé, kalbasyé, lasistas) em harmonia, no último tempo do meloritmo. A répriz tem como função essencial restabelecer a ordem para anular o caos. É também uma palavra-chave que significa entrar em harmonia consigo mesmo, com os outros e com o seu ambiente.
[13] Cair e se levantar rapidamente com um único movimento.
[14] Ativar-se, livrar-se.
[15] Béatrice Commengé, La danse de Nietzsche, Paris, Verdier/Poche,2013, pp. 27-28.
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