CIDADE ATIVA | Artigos refletem sobre as relações entre ambiente, atividade física e saúde

29/04/2024

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Até 2030, cerca de 500 milhões de pessoas em todo o mundo poderão desenvolver problemas cardíacos, obesidade, diabetes ou outras doenças não transmissíveis devido à falta de atividade física. Esse alerta, feito em 2022 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), desdobrou-se no Plano de Ação Global sobre Atividade Física 2018-2030, publicado no mesmo ano. Desde então, inúmeras discussões no âmbito científico e político visam pensar em estratégias de incentivo à prática de atividades físicas, principalmente em centros urbanos, onde concentra-se, a exemplo do Brasil, mais de 80% da população. 

Um dos objetivos do plano de ação global da OMS é criar ambientes ativos nas cidades. Isso quer dizer: cidades bem planejadas que estimulem a caminhada, o ciclismo e o uso do transporte público, por exemplo, além de promover a saúde e o bem-estar da sociedade. A criação de espaços públicos abertos e de infraestrutura para práticas de atividades físicas, além do convite a esportes e à educação física em escolas, também pode tornar uma cidade ativa. 

“Já é um consenso que o ambiente pode influenciar no estilo de vida das pessoas e no poder de escolha por hábitos saudáveis. Os próximos passos podem estar centrados nas intervenções, avaliação e monitoramento de indicadores e nas políticas de planejamento que as cidades irão adotar. O Brasil já possui legislações importantes, como o Plano de Mobilidade Urbana, o Estatuto das Cidades e o Plano Diretor, que são ferramentas que ajudam na tomada de decisões”, ressalta Elaynne Silva de Oliveira, pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Epidemiológicas em Atividade Física e Saúde da Universidade de São Paulo (GEPAF-USP). 

Para a implementação dessas políticas públicas, Inaian Pignatti Teixeira, que também é pesquisador da GEPAF-USP, destaca a importância do envolvimento da população. “Como defende Jan Gehl, arquiteto e urbanista dinamarquês, as cidades são para pessoas, e a escala humana deve ser a prioridade. Portanto, façamos das nossas cidades um local melhor para nós e melhor para nossa saúde”, afirma. Neste Em Pauta, Oliveira e Teixeira, que participaram do ciclo de palestras Ambiente, atividade física e saúde, no Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc, em 2023, refletem sobre as relações entre esses três pilares para o planejamento de uma cidade ativa. 

Ambiente, atividade física e saúde 

POR ELAYNNE SILVA DE OLIVEIRA  

Falar de ambiente, atividade física e saúde é se referir a três aspectos complexos, e por vezes indissociáveis, pois trata-se de temáticas que se atravessam. A saúde talvez seja a principal e mais importante das três. Historicamente, em meio aos processos de saúde-doença, tem-se a presença do ambiente e, quando nos referimos ao ambiente, estamos falando do ambiente construído representado pelas cidades e espaços urbanos.  

Até o início do século 20, as principais causas de mortalidade no mundo possuíam relação com o ambiente, em que a ausência de saneamento básico, moradias inadequadas e trabalhos insalubres foram responsáveis por elevadas taxas de mortalidade por diarreia, varíola, peste, cólera e tuberculose, mesmo em países desenvolvidos. Com o avanço da medicina, a partir de 1940, e o aumento de evidências dos efeitos do comportamento individual sobre a saúde, houve um declínio nas causas de mortalidade pelo ambiente e um aumento no número de mortes por doenças relacionadas ao comportamento. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que dois terços das mortes por doenças que podem ser prevenidas estão relacionadas à alimentação, inatividade física, tabagismo e consumo exagerado de bebidas alcoólicas. Se na atualidade o comportamento de pessoas e populações é um dos principais responsáveis por processos de saúde-doença, como o ambiente construído (as cidades) aparece nessa relação?  

Historicamente, as cidades representam ambientes propícios à produção de iniquidades em saúde, que são socialmente produzidas, principalmente, entre populações de baixa renda que possuem maiores chances de terem taxas de mortalidade e morbidade para as principais doenças não transmissíveis. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), estima-se que, em 2050, a população mundial chegará a 10 bilhões de pessoas, com 70% delas vivendo em áreas urbanas.  

Essa rápida urbanização tem se tornado um grande desafio. Um estudo publicado na revista The Lancet descreve os oito principais riscos ambientais, sociais e comportamentais influenciados pelo planejamento das cidades, aos quais as populações estão expostas. Desses, destacam-se o comportamento sedentário, exposição ao tráfego, segurança contra o crime, dietas não saudáveis e a inatividade física. Ou seja, a cidade não se dissocia da saúde e do bem-estar das pessoas. Mais do que nunca, o ambiente pode influenciar o comportamento e as escolhas dos grupos e populações.  

É imprescindível avançar na discussão de políticas capazes de estimular e construir cidades saudáveis e sustentáveis 

Com base nessas evidências, as recomendações propostas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU reforçam a necessidade do planejamento de cidades mais saudáveis, inclusivas, sustentáveis e seguras para os seus residentes. Um dos principais fatores de risco para a morbidade e a mortalidade é a inatividade física, que pode ser descrita, na atualidade, como uma pandemia global e um fardo para a economia mundial.  

Dados de uma pesquisa do sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) demonstram que, no Brasil, houve um aumento da prática de atividade física no lazer, variando de 30,3%, em 2009, para 36,7%, em 2021 (considerando adultos que praticam pelo menos 150 minutos semanais de atividade física no tempo livre). Essa é uma boa notícia, porém não suficiente, pois a prevalência de pessoas que alcançam as recomendações nacionais e internacionais para a prática de atividade física ainda é baixa.  

O relatório do Vigitel também apresenta o percentual de adultos que praticam atividade física de deslocamento, como as caminhadas ou transporte por bicicleta para o trabalho, faculdade, casa, escola ou qualquer outro itinerário. Durante o período de 2009 e 2021, houve uma redução dessas práticas, variando de 17% para 10,4%. É importante destacar que, no Brasil, as pessoas realizam parte dos deslocamentos ativos por necessidade, e não por escolha. Existe vasta literatura que analisa os fatores que interferem e modificam os comportamentos relacionados à prática de atividade física. As principais teorias e intervenções ao longo do tempo foram realizadas levando-se em consideração características individuais, como influências psicológicas e sociais. No entanto, tais estratégias sozinhas não foram suficientes para explicar o comportamento social da prática de atividade física, o que levou a discussão de alguns modelos e teorias que tentam explicar de forma mais ampla esse comportamento.  

Um dos exemplos é o modelo ecológico proposto pelo pesquisador James Sallis, que é abrangente e considera que o comportamento humano também é afetado por fatores externos ao indivíduo, como aspectos interpessoais, ambientais e políticos. Estudos baseados nesse modelo têm demonstrado que o planejamento urbano e a promoção de cidades caminháveis – mais conectadas e que facilitem a atividade física como parte das atividades da vida diária – podem promover a saúde e prevenir doenças crônicas não transmissíveis.   

Um estudo epidemiológico longitudinal chamado ISA – Atividade Física e Ambiente, liderado pelo professor Alex Antonio Florindo, da Universidade de São Paulo (USP), tem buscado compreender a relação do ambiente construído com a atividade física e a saúde a partir do acompanhamento de adultos paulistanos. Os resultados de 2014 e 2015 demonstraram que adultos com acesso a dois ou mais tipos de espaços públicos abertos, como ciclovias, praças ou parques próximos às suas casas (até 500 metros de distância), tiveram mais chances de praticar caminhada no tempo de lazer em comparação com as pessoas que não tinham acesso a nenhum tipo desses espaços. Já a presença de estações de trem ou metrô, variedade de destinos (como padarias e unidades básicas de saúde) e alta densidade de supermercados dentro de buffers (áreas de influência ao redor de objetos geográficos) de 1000 metros está associada a maior incidência da prática cotidiana de caminhadas como forma de transporte. Os resultados mais recentes desse acompanhamento apontam que, entre 2014 e 2021, as pessoas que tiveram acesso ou mantiveram disponíveis os acessos a parques, praças e ciclovias distantes em até 500 metros de sua residência tiveram 44% mais chances de praticarem caminhadas no lazer.  

O estudo também destaca que, nesse mesmo período, houve mudanças no ambiente construído na cidade de São Paulo. Foi observado, por exemplo, aumento da prática de atividade física nos horários livres em espaços como academias ao ar livre (+109,6%), ciclovias (+67,7%), estações de trem ou metrô e terminais de ônibus (+15,4%), instalações esportivas (+12%) e em praças públicas (+8,7%). Vale ressaltar que o aumento não foi igual para as regiões da cidade, tampouco para a renda do setor censitário e para a área de residência dos pesquisados. Já é consenso que o ambiente pode influenciar no estilo de vida das pessoas e no poder de escolha por hábitos saudáveis. Os próximos passos podem estar centrados nas intervenções, avaliação e monitoramento de indicadores e nas políticas de planejamento que as cidades irão adotar. O Brasil possui legislações importantes, como o Plano de Mobilidade Urbana, o Estatuto das Cidades e o Plano Diretor, ferramentas que ajudam na tomada de decisões. É imprescindível avançar na discussão de políticas capazes de estimular e construir cidades saudáveis e sustentáveis.  

  • Elaynne Silva de Oliveira é graduada em educação física, professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), doutoranda da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Epidemiológicas em Atividade Física e Saúde da USP (GEPAF-USP). 

Quanto minha cidade está contribuindo (ou não) para eu ser mais saudável?  

POR INAIAN PIGNATTI TEIXEIRA  

A origem das cidades é um tema complexo e fascinante, que envolve aspectos históricos, geográficos, econômicos e sociais. Muito embora as primeiras cidades tenham surgido há pelo menos cinco mil anos, a sedentarização das populações só foi possível graças ao desenvolvimento da agricultura e da pecuária, que viabilizou o aumento da produção de alimentos. Muita coisa mudou de lá para cá, mas, no século 18, os adensamentos urbanos foram intensificados pela Revolução Industrial, atraindo a migração de pessoas do campo para as cidades, em busca de condições melhores de vida e trabalho.   

Esse novo processo de urbanização trouxe vantagens e desvantagens. Se por um lado, viver nas cidades fomenta o desenvolvimento econômico, diversidade cultural, oferta de serviços e infraestrutura, e melhoria da educação e da saúde, por outro estimula a poluição, o congestionamento, a violência, a desigualdade social, a moradia precária, a perda de áreas verdes, entre outros.  

Como a cidade onde vivemos hoje poderia contribuir ainda mais para nossa saúde? As principais desvantagens de se viver nas cidades são: a exposição à poluição do ar, da água e do solo pode causar doenças respiratórias, cardiovasculares, alérgicas, neurológicas e até câncer; a falta de saneamento básico, coleta de lixo e tratamento de resíduos pode favorecer a proliferação de agentes infecciosos e vetores de doenças, como mosquitos, ratos e baratas; o estresse causado pelo trânsito, pelo barulho, pela violência, pela falta de tempo e, por que não, pela solidão, pode afetar a saúde mental e emocional, aumentando o risco de depressão, ansiedade, suicídio e outros transtornos; A obesidade e o sedentarismo podem ser favorecidos pelo consumo de alimentos industrializados, pela falta de espaços verdes e de lazer, pela insegurança e pela dependência de meios de transporte motorizados, o que pode levar a doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, doenças cardíacas, articulares e inúmeras outras. A desigualdade social e econômica pode gerar exclusão, discriminação, pobreza, fome, violação de direitos e falta de acesso a serviços de saúde, educação, cultura e cidadania, comprometendo a qualidade de vida e a dignidade das pessoas.  

Pensar em uma “cidade saudável” significa adotar uma abordagem intersetorial e integrada, que envolva os diferentes setores da administração pública, o setor privado, as organizações da sociedade civil e os próprios cidadãos 

Ao olhar o lado bom da balança, é inegável que, em geral, a urbanização trouxe melhorias para as condições de saúde. Uma das formas de ver isso é analisar a longevidade, que tende a ser substancialmente maior na zona urbana do que na zona rural. Porém, ainda há muito a ser feito para que as cidades exerçam todo seu potencial na promoção de saúde para sua população. A saúde, aliás, não é, nem deveria ser considerada como apenas a ausência de doença, e sim um constructo muito mais complexo, que pode ser influenciado por vários fatores, como o ambiente, a genética, o estilo de vida, a educação, a cultura, a economia e a política.   

Outro ponto: os impactos na saúde não são de responsabilidade única e exclusiva da pessoa. Sim, você e suas decisões têm um impacto muito importante na sua saúde. Contudo, o “fardo” de ser mais ou menos saudável não pode, e não deve, ser responsabilidade exclusiva da própria pessoa. Existe uma série de outros fatores ambientais e sociais, portanto, para além do indivíduo, que devem ser fomentados pela cidade, pois impactam a saúde. Ações interprofissionais, intrasetoriais e intersetoriais, no contexto urbano, são importantes para a promoção da saúde.   

Nesse sentido, para uma promoção de saúde efetiva, as cidades devem garantir, por exemplo: acesso integrado, e de qualidade, a serviços de saúde, educação, cultura, lazer, segurança, moradia, saneamento e a outros direitos básicos; mobilidade urbana eficiente e sustentável, que priorize os modos de transporte não motorizados, como caminhada e bicicleta, e modos de transporte coletivos. Além de acesso a espaços públicos de lazer, como parques, praças, quadras, pistas e academias ao ar livre, que sejam acessíveis, seguros, limpos e bem iluminados; gestão participativa e democrática, que envolva os cidadãos nas decisões e nas ações que afetam a cidade, promovendo a transparência, a responsabilidade e a inclusão social.  

Também contribuem para a promoção de saúde nas cidades: a preservação e valorização do patrimônio natural e cultural que respeite a biodiversidade, os recursos hídricos, o clima e a paisagem, e que reconheça a diversidade e a identidade dos habitantes, suas histórias, tradições e expressões artísticas; inovação e criatividade, que estimule o desenvolvimento científico, tecnológico, econômico e social, buscando soluções para os problemas urbanos e para as demandas da população, gerando oportunidades e melhorias para os centros urbanos. 

Pensar em uma “cidade saudável” significa adotar uma abordagem intersetorial e integrada, que envolva os diferentes setores da administração pública, setor privado, organizações da sociedade civil e os próprios cidadãos. Ao agir dessa forma ampla e estratégica, é possível cuidar da população e do território, harmonizar o desenvolvimento humano e o ambiental, valorizar a diversidade e a democracia, estimular a inovação e a criatividade, e assim promover a saúde em todas as políticas e em todos os níveis.  

Por fim, é também fundamental que você – sim, você mesmo(a) – participe da gestão e do planejamento da sua cidade, exigindo dos governantes e dos empresários políticas públicas e ações que promovam saúde, sustentabilidade, equidade e democracia. Você já ouviu falar em Conselho Municipal de Saúde, por exemplo? E em Conselho Municipal de Educação? E de Assistência Social? Quais outros conselhos municipais existem nas cidades brasileiras? Em geral, esses conselhos são canais efetivos de participação popular, por meio dos quais a cidadania deixa de ser apenas um direito e passa a ser uma realidade transformadora.  

Com a participação dos cidadãos na formulação e implementação de políticas públicas, incluindo aquelas com intersecção na saúde, aspectos relevantes para você, e para sua comunidade, deixam de ser sonhos e passam a ser factíveis. Como defende Jan Gehl, arquiteto e urbanista dinamarquês, as cidades são para pessoas e a escala humana deve ser a prioridade. Portanto, façamos das nossas cidades um local melhor para nós e melhor para nossa saúde.  

  • Inaian Pignatti Teixeira é doutor em atividade física e saúde, com pós-doutorados pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (EACH-USP) e School of Geography and the Environment (University of Oxford). Docente da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), é também pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas Epidemiológicas em Atividade Física e Saúde da USP (GEPAF-USP). 

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