Cidades Acessíveis – os caminhos da arquitetura para a inclusão

14/12/2022

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Pra cego ver: Foto horizontal colorida. A arquiteta Silvana Cambiaghi. Silvana é uma mulher cadeirante, branca, de meia idade, com cabelos castanho com algumas mechas alouradas. Ela usa uma blusa preta de mangas compridas e um colete de camurça marrom claro com gola de textura de lã de ovelha, branca. Ela sorri para a câmera. Ao fundo, seu escritório com dois computadores nos quais há um projeto de uma casa. Fim da descrição. Foto: Acervo pessoal

Como parte da Semana Modos de Acessar, que aconteceu de 3 a 10 de dezembro de 2022, conversamos com a arquiteta especialista em Arquitetura com Desenho Universal, Silvana Cambiaghi.

Uma cidade acessível passa também por uma arquitetura acessível, chamada também de Arquitetura com Desenho Universal. A Semana Modos de Acessar de 2022 tem como tema Cidades Acessíveis – de casa para a rua. Para nos ajudar a compor conceitualmente os conteúdos do projeto, convidamos a arquiteta Silvana Cambiaghi. Ela nos auxiliou a criar o folder do projeto, composto por 7 verbetes sobre como tornar as cidades mais acessíveis para as pessoas.

Silvana é ⁣mestre em Desenho Universal pela Faculdade de Arquitetura da USP (FAU-USP). É também fundadora da Comissão Permanente de Acessibilidade de São Paulo (CPA), membra do grupo de trabalho da revisão da NBR no 9050 e demais Normas Técnicas de acessibilidade da ABNT, entre outras realizações e colaborações na área da acessibilidade. Ganhou o 22º Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira em 2008 com a primeira edição do livro, “Desenho Universal: Métodos e Técnicas para arquitetos e Urbanistas” – editora Senac.

Acompanhe nossa conversa com a profissional.

1- O que é uma arquitetura universal e acessível? 

Chamamos de Arquitetura com desenho universal, ou arquitetura para todas as pessoas, que é aquela que atende simultaneamente os usuários sem a necessidade de segregar ou criar adaptações específicas. O desenho universal pensa na utilização da URBE por todos, desde criança até a idade avançada, tendo ou não alguma deficiência motora, sensitiva, de cognição, entre outras.

2 – Conte um pouco sobre a sua perspectiva enquanto uma pessoa com deficiência na cidade. 

As cidades não foram criadas e ainda continuam não sendo, para quem não é uma “pessoa padrão”, no vigor de suas atividades, e sem problemas de visão, audição… As cidades brasileiras são muito difíceis, foram anos de arquitetura voltada para o automóvel, com muitas escadas, e sem a preocupação técnica e legal de serem para todas as pessoas, além da falta de manutenção. Ser uma pessoa com deficiência nestas cidades é um desafio. Tudo precisa ser programado, verificar a viabilidade de utilização. Tivemos avanços, mas ainda nos falta muito para termos as mesmas oportunidades para desfrutar as cidades.

3 – Na sua opinião, como a arquitetura pode contribuir para a vida das pessoas com deficiência e para pessoas com outras necessidades, como pessoas idosas, por exemplo? 

Quando você elimina obstáculo, faz arquitetura, mobiliário, objetos mais adequados a diversidade, sem riscos, as dificuldades com a idade são minimizadas. Uma pessoa é mais deficiente ou não dependendo do local que ela esteja. Quanto mais deficiente for o espaço, mais a pessoa estará privada das suas necessidades.

4 – Como foi sua experiência na universidade enquanto pessoa com deficiência? A universidade estava preparada para recebê-la? Como foram as trocas com colegas e professores durante a graduação? 

Imagina, foi meu maior desafio. Havia apenas duas universidades de arquitetura em São Paulo que eu poderia frequentar: a Universidade Farias Brito em Guarulhos e a FAU-USP (apesar de parcialmente acessível e as rampas serem íngremes). Acabei não entrando na FAU-USP e fiz em Guarulhos. Não existiam leis que exigiam acessibilidade e então, no terceiro ano, construíram uma faculdade nova, totalmente inacessível. Tive que ser carregada por meus colegas para conseguir terminar a faculdade, devo meu diploma apenas a eles. Quando fiz mestrado, já em 2002, a FAU Maranhão não era acessível e até hoje não é. Uma dura jornada!

5 – Quais as experiências que mais te marcaram ao longo da graduação e no exercício da profissão? 

A dificuldade de empatia e entendimento de alguns profissionais que a diversidade de pessoas tem e que construímos para os seres humano em sua diversidade. Tem como fazer isto aliado a estética, mas muitos não percebem.

6 – Agora os cursos de arquitetura devem conter em suas grades a disciplina de desenho universal. O que tem a dizer sobre isso?

Isto é muito bom, mas temos que capacitar os professores, pois temos muitas universidades de arquitetura no Brasil. Os alunos são fáceis de absorver e já sairão com conceito e empatia da universidade.

Pra cego ver: Foto vertical colorida. A arquiteta Silvana Cambiaghi. Silvana é uma mulher cadeirante, branca, de meia idade, com cabelos castanho com algumas mechas alouradas. Ela usa uma blusa preta de mangas compridas, um colete de camurça marrom claro com gola de textura de lã de ovelha, branca, calça preta e botas de salto pretas. Sua mão esquerda está apoiada no joelho esquerdo e a direita está entre as pernas. Ela sorri para a câmera. Ao fundo, seu escritório com dois computadores nos quais há um projeto de uma casa. Fim da descrição. Foto: Acervo pessoal

7 – O que a arquitetura feita e pensada por uma mulher com deficiência pode trazer e contribuir para a cidade e os ambientes interiores?

Acredito que é importante mostrar e busco contribuir para arquitetura e o design com desenho universal, sem esquecer os demais itens estéticos, sustentáveis, boas técnicas. Enfim, mostrar que prever acessibilidade não prejudica em nada a arquitetura!

8 – O que profissionais de arquitetura que hoje não consideram a acessibilidade em seus projetos podem estar perdendo?

Em primeiro lugar ele está fora da legislação atual. Esta lei abrange todo o Brasil, e o arquiteto e o empreendedor podem ser penalizados e inclusive responder no Conselho de Classe (CAU ou CREA).  Além do aspecto legal, ele perderá clientes, pois não poderá ser utilizado por todas as pessoas.

9 – Quais as responsabilidades do poder público para incluir as pessoas com deficiência na cidade e darem a elas mais autonomia e garantia de seus direitos?

Hoje temos a Lei Brasileira da Inclusão, lei 13.146/2015, que exige acessibilidade, em todas as novas edificações e existentes, no Brasil como um todo e diversos outros direitos como habitação (residências acessíveis) educação, saúde, trabalho, entre outros itens.

10 – Você acredita que a estética pode ser um argumento/barreira para que a arquitetura universal não seja tão aceita e vista, pensando que a acessibilidade seria considerada um “ruído” por muitos? Quais outras barreiras você considera que a arquitetura universal encontra hoje para ser aplicada?

Acredito que sim, este é um estigma, porém de quem não conhece o desenho universal. Os melhores projetos de arquitetura no Brasil e no mundo, hoje são acessíveis. O profissional ou empreendedor tem que entender que não é mais uma opção, hoje tem que ser feito, projetado sem discriminação, pensando em todos e, para isto, há ótimos exemplos e bons profissionais que sabem fazer com maestria.

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