Ed. 84 – A Sociedade Brasileira de Geriatria Gerontologia (SBGG) Vai às Escolas

10/02/2023

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Artigo: Maria Angélica Sanchez

Resumo

O presente artigo tem o objetivo de apresentar o processo de construção do projeto SBGG Vai às Escolas, pontuando a necessidade implícita de uma ação intergeracional para viabilizar o que preconiza a Política Nacional e o Estatuto da Pessoa Idosa. O projeto está com sua terceira edição em andamento. Não obstante todas as condições adversas pelas quais o país passou nos dois últimos anos, dificultando uma realização a contento, os resultados de todas as edições foram positivos. Esta ação tornou-se um evento permanente no período de realização do Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, realizado bianualmente pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

Introdução

Falar sobre envelhecimento já se tornou lugar-comum. Em 2021, a população total foi estimada em 212,7 milhões de pessoas. Entre 2012 e 2021, a parcela de pessoas com 60 anos ou mais deu um salto de 11,3% para 14,7%, significando, em números absolutos, que este grupo etário passou de 22,3 milhões para 31,2 milhões. Um cenário que revela a importante mudança na estrutura etária da população, passando o país a evidenciar o aumento da população com mais de 60 anos e a diminuição da população mais jovem. Este é um indicador fundamental para repensar as políticas públicas (IBGE, 2022).

Mesmo com estimativas desta natureza, as questões concernentes ao envelhecimento carecem de maior conhecimento. Por exemplo, em um país em franco processo de envelhecimento, uma das especialidades que mais cresce é a pediatria, que em 2018 contava com 290 mil titulados pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) ou oriundos das residências médicas, ao passo que na mesma época existiam 1.400 geriatras titulados. Isso parece um reflexo da falta de entendimento sobre o contexto histórico que o país atravessa. Alunos terminam seus cursos de Ensino Médio sem a clara noção do contingente populacional do país. Talvez pela ausência de um debate franco e objetivo no âmbito da formação básica.

Com a percepção do aumento da longevidade, é comum ouvir que o país precisa de políticas públicas para se adequar a esta nova estrutura demográfica. O Brasil já conta com um arcabouço legal que abarca grandes possibilidades de proteção social e de exercício dos direitos de cidadania. O que falta é a viabilização de tais políticas. Entidades de classe já reforçam este debate e atuam de forma a alcançar o que preconiza a legislação atual. Uma destas entidades é a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

A sociedade brasileira de geriatria e gerontologia

A SBGG, fundada em 16 de maio de 1961, é uma associação civil, sem fins lucrativos, que tem como objetivo principal congregar médicos e outros profissionais de nível superior que se interessem pela geria- tria e gerontologia. Sua finalidade maior é estimular e apoiar o desenvolvimento de profissionais que atuam com a população que envelhece, como também divulgar o conhecimento científico na área do envelhecimento

A SBGG é composta de seções na maioria dos estados da federação e é filiada à Associação Médica Brasileira (AMB) e à Associação Inter- nacional de Gerontologia e Geriatria (International Association of Gerontology and Geriatrics/ IAGG). O Departamento de Gerontologia desenvolve ações de aprimoramento profissional, divulga informações para o público em geral e estimula a viabilização das políticas públicas voltadas para a pessoa idosa.

A cada dois anos é realizado o Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, o evento nacional de maior importância para os profissionais que atuam em prol da pessoa idosa. É neste espaço de compartilhamento de saberes que ações são pensadas e divulgadas para ampliar o conhecimento geral sobre as questões que permeiam o processo de envelhecimento humano.

Breves considerações que impulsionaram a elaboração do projeto SBGG Vai às Escola

Com o aumento progressivo da expectativa de vida do país abrindo o caminho para a longevidade é preciso construir ações que possam preparar o Brasil para receber as pessoas envelhecidas. Para isso é essencial promover reflexões em seus diversos segmentos.

O aparato legal que rege os direitos do cidadão que envelhece é amplo, sistematizado e, acima de tudo, viável. No entanto, todo este arcabouço vai se constituindo em letra morta da lei e, com o passar dos anos, vai deixando de tomar forma. A Política Nacional do Idoso (PNI), em vigência desde 1994, destaca em seu capítulo IV como competência dos órgãos e entidades públicas as seguintes ações nas alíneas b e d:

b) inserir nos currículos mínimos, nos diversos níveis do ensino formal, conteúdos voltados para o processo de envelhecimento, de forma a eliminar preconceitos e a produzir conhecimentos sobre o assunto;

d) desenvolver programas educativos, especialmente nos meios de comunicação, a fim de informar a população sobre o processo de envelhecimento.


Com a percepção do aumento da longevidade, é comum ouvir que o país precisa de políticas públicas para se adequar a esta nova estrutura demográfica… o que falta é a viabilização de tais políticas.

Reforçando a PNI, em 1o outubro de 2003 foi aprovada a Lei 10.741, que dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa, alicerçando no capítulo V inciso VII a importância de levar informações pertinentes ao envelhecimento humano para dentro das escolas. Esse capítulo fortalece a ideia de ações educativas de forma a se conhecer o processo de envelhecimento, estabelecendo mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento.

O artigo 22 do referido Estatuto versa sobre a inclusão de conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, ao respeito e à valorização do idoso, de forma a eliminar o preconceito e a produzir conheci- mentos sobre a matéria nos currículos mínimos dos diversos níveis de ensino formal.
Contudo, ainda se observa que não há investimentos para a viabilização de ações desta natureza e, desta forma, o processo de envelhecimento ainda é um tema desconhecido para a maioria dos jovens que encerram o Ensino Médio e se preparam para uma formação profissional sem estarem cientes e conscientes de que o país envelheceu.

Diante deste cenário, observou-se a necessidade de levar para den- tro das escolas, desde o Ensino Fundamental, informações claras sobre um país que é jovem de existência, porém, com a maioria de seus cidadãos de cabelos brancos.

A escola é o local de disseminação do conhecimento desde a mais tenra infância. Um espaço para compartilhar saberes. É através dela que estereótipos podem ser transformados. Partindo dessa premissa, o objetivo precípuo foi proporcionar aos jovens brasileiros uma compreensão maior sobre o processo de envelhecimento e uma reflexão sobre o futuro. Isso porque os adolescentes de hoje compõem o grupo que nos próximos 40 ou 50 anos serão os “novos idosos”, possivelmente muito ativos e fazendo parte da força produtiva do país.

O projeto SBGG Vai às Escolas foi pensado com a finalidade de preencher esta lacuna nos bancos escolares, objetivando apresentar a realidade demográfica para os alunos e, quem sabe, estimular o poder público a pensar em uma adequação curricular, inserindo na grade formal de ensino questões sobre o envelhecimento populacional, conforme preconiza a legislação em vigor.

Histórico da elaboração de um projeto intergeracional para dar visibilidade à velhice através da juventude

Em 2014, passados 20 anos da PNI e 11 anos do Estatuto da Pessoa Idosa, havia a clareza de que as ações destas políticas públicas, no que tange à área da educação, caminhavam a passos lentos e com baixa visibilidade. Diante de um cenário de falta de viabilização da legislação posta e com o intuito de incentivar e promover a integração com novas gerações, o Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia criou o projeto SBGG Vai às Escolas.

O desenho inicial do projeto teve os seguintes objetivos: despertar nos alunos do Ensino Fundamental e Médio, das escolas públicas e privadas, o interesse sobre as questões concernentes ao envelhecimento; estimular a inserção de conteúdos sobre envelhecimento nas atividades escolares; levar, em linguagem simples e objetiva, informações básicas sobre o processo de envelhecimento para os alunos; apresentar o cenário atual da estrutura etária populacional; discutir questões relacionadas ao preconceito contra a velhice, buscando alternativas para combatê-lo; levar, através de uma postura dialógica, conteúdos que pudessem favorecer o entendimento sobre o processo de envelhecimento; despertar consciência crítica acerca das condições atuais das pessoas envelhecidas; realizar um concurso nacional de redação a cada dois anos.

A ideia consistia em que membros associados à SBGG, com especialização em envelhecimento, levassem conteúdos sobre o processo de envelhecimento para as escolas. Algumas ações isoladas e muito tímidas foram alcançadas. No entanto, a falta de uma legislação na educação que pudesse inserir a temática de forma transversal dando continuidade às ações propostas foi o maior obstáculo. O trabalho não caminhou a contento por esbarrar em ações burocráticas não sanadas até os dias atuais.


Diante deste cenário, observou-se a necessidade de levar para dentro das escolas, desde o Ensino Fundamental, informações claras sobre um país que é jovem de existência, porém, com a maioria de seus cidadãos de cabelos brancos.

O concurso nacional de redação

Como desdobramento do projeto SBGG Vai às Escolas foi lançado o concurso nacional de redação para alunos do Ensino Médio das redes pública e privada de todo o país.

Partindo da ideia de que envelhecer é uma conquista, porém com a necessidade de condições para que este processo se dê com qualidade, a proposta consistiu em dar visibilidade ao tema através da educação. Neste sentido, as escolas exercem um papel fundamental.

O projeto busca ampliar um espaço de diálogo entre jovens e velhos. A intergeracionalidade é pauta atual na agenda política e o envolvimento de uma sociedade científica nesta ação traz a possibilidade de provocar reflexões sobre o que significa envelhecer.

O concurso de redação para alunos do Ensino Médio foi a primeira iniciativa da SBGG para chegar às instituições escolares sem depender de trâmites burocráticos. O propósito foi ouvir o que os jovens pensavam sobre o envelhecimento e, sobretudo, como viam o próprio processo de envelhecimento.

Operacionalização das ações

A divulgação ocorre em todo o território nacional e possui um regulamento que é lançado através de um edital a cada ano que antecede o Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia.

O desenvolvimento do projeto

A primeira edição aconteceu em 2015 com o tema “Como Eu Quero Envelhecer”. Neste concurso mais de 300 alunos inscreveram suas redações. As 20 melhores foram publicadas em um livreto lançado na ocasião do XX Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia (CBGG), que aconteceu em Fortaleza.

O prêmio para a redação vencedora foi um convite para dois dias no Beach Park, além de passagem e duas diárias para conhecer Fortaleza. A vencedora do concurso foi a adolescente Júlia Baghdadi Pinheiro, de 17 anos, aluna da Escola Estadual Monsenhor Honório Heinrinch Bernard Nacke, em Morungaba (SP).

Na cerimônia de abertura do XX CBGG, a aluna foi convidada a fazer a leitura da sua redação. No dia seguinte, ela participou da tarde de autógrafos do livreto com as melhores redações. A segunda edição aconteceu em 2020 com o tema “Envelhecendo no País do Século XXI”.

Foi um ano bastante atípico com as escolas fechadas em decorrência da pandemia. Um momento no qual a figura do velho foi bastante hostilizada e desprezada pela sociedade de maneira geral. As pessoas idosas foram as mais vulneráveis em decorrência das comorbidades que acometiam muitas delas. O que deveria ter um efeito protetivo passou a ser encarado como um efeito punitivo. Muitas pessoas ficaram isoladas em suas casas. Muitas charges com tom de deboche foram veiculadas pelas redes sociais.

Foram inscritas 251 redações. Nesta edição não foi elaborada a versão com as 20 melhores redações, visto que em decorrência das mudanças de um congresso presencial para virtual os esforços estavam totalmente voltados para a reorganização de um novo modelo de trabalho. A vencedora foi a adolescente Maria Clara Santos Rodrigues, aluna do Colégio Universo, em Bom Despacho (MG). Premiada com um notebook, ela leu a redação na cerimônia de abertura do XXII CBGG realizada no modelo on-line.

A terceira edição está em curso e tem como tema “Etarismo: Como Mudar esse Comportamento?”. A ideia é decorrente das observações de todo o movimento durante a pandemia. Momento em que o etarismo se impõe exacerbadamente. Diferentemente das edições anteriores, o tema desta vez teve como objetivo ampliar a visibilidade da velhice e do envelhecimento, pensando em formas de diminuir o preconceito instalado que encara o indivíduo que envelhece como um ser impro- dutivo, que pesa, e que não deve ter mais espaço em uma sociedade do espetáculo e do consumo.

Chamar os jovens a entrar em contato com essa realidade foi a forma pensada para colocá-lo como protagonista de uma luta que deve ser assumida de forma coletiva e intergeracional.

A presente edição também ocorre em um momento diferenciado. Neste ano as escolas retornaram ao modelo presencial com todas as dificuldades adquiridas no período da pandemia, quando o ensino teve que passar por uma série de adequações e nem todos os alunos conseguiram acompanhar as atividades virtuais.

Considerações finais

O concurso de redação vem se consolidando gradativamente. No entanto, muitos são os obstáculos para conseguir a adesão das instituições de ensino. O primeiro deles se concentra na falta da viabilização das políticas públicas que estão postas.

Passados 28 anos, a Política Nacional da Pessoa Idosa ainda não alcançou o que ela se propõe. Algumas iniciativas são vislumbradas, como o Projeto de Lei no 501, proposto pelo Senado em 2015, que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece diretrizes e bases da educação nacional para incluir o tema do envelhecimento nos currículos da educação básica. A última movimentação de tal projeto ocorreu em 7 de junho de 2022, aguardando a designação pelo relator. Cinco anos para uma simples decisão.

Isso mostra que o envelhecimento ainda não entrou na pauta das grandes discussões como uma prioridade. As escolas ainda não levam, formalmente, conteúdos sobre envelhecimento para as salas de aula. Enquanto isso não acontece, a iniciativa para participar deste tipo de concurso é individual, quando deveria ser um estímulo da própria unidade de ensino.

Não levar a temática do envelhecimento, pelo menos como um tema transversal, não cria compromisso com a discussão. Por isso, ainda se observa uma visão tão equivocada sobre o envelhecimento ao invés de o considerar como uma etapa natural do ciclo de vida. Além disso, egressos do Ensino Médio buscam graduações sem levar em consideração que o Brasil está prestes a se tornar o 5o país do mundo com maior população acima dos 60 anos.

Não obstante todos os obstáculos que necessitam ser ultrapassados, o concurso tem deixado sua marca e conquistou espaço cativo na SBGG, passando a ser uma das atividades fixas de cada Congresso Brasileiro.

Na primeira edição, quando o país não enfrentava a pandemia e seus reflexos, houve uma grande divulgação e também projeção da redação vencedora. Na cidade da aluna houve uma grande manifestação positiva, com a estudante sendo homenageada na Câmara de Vereadores e em sua escola.

Foram impressos 100 exemplares do livro com as 20 melhores redações e realizada uma tarde de autógrafos memorável. A segunda edição, por todas as condições adversas vividas naquele momento, não alcançou grande projeção. Também não foi possível realizar maior investimento financeiro e emocional, visto que o país atravessava um triste momento e as prioridades eram, necessariamente, outras.

Ainda que esforços governamentais não estejam visíveis para apoiar a iniciativa da SBGG, este ano a coordenação-geral do sistema de informações e acompanhamento de projetos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos lançou um edital semelhante no mesmo período. Isso mostra que a iniciativa está proporcionando impacto positivo.

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