
Couraça funde o miolo (brincante que anima o Boi) com o Boi (elemento animado). De que forma essa combinação se articula e se manifesta no corpo?
O corpo ganha um novo significado e, simbolicamente, conta a história de um povo e de suas crenças, por dentro e por fora. Por fora, tudo o que se vê e se observa esteticamente: o trânsito, o artesanato, a cidade. Por dentro, tudo o que se sente: a subjetividade, o transe, a fé, a resistência desse povo. Na fusão desses elementos, o corpo gera significados diversos, nos remetendo também ao universo imaginário e lendário do Maranhão e suas encantarias. Nele, há a lenda de um Touro Encantado que percorre as dunas dos Lençóis Maranhenses com uma estrela na testa, que, ao ser atingida, desperta o rei Dom Sebastião e a prosperidade de seu reino. Inevitavelmente, Couraça é também a incorporação desse Touro Encantado que percorre as cidades por onde passa. A obra lança olhares sobre possibilidades de criação, sobre novas formas de difusão da cultura do Maranhão, sobre a expansão da arte para além das fronteiras e dos territórios. Mostra, também, que o brincar nas nossas manifestações culturais inclui a presença, a conexão do corpo com a comunidade, com o real, com o aqui e o agora. O brincar é um dispositivo que nos ancora no mundo, nos faz pensar em quem somos, na nossa existência, na troca de experiências, no convívio entre as diferenças.
O brincar nas nossas manifestações culturais inclui a presença, a conexão do corpo com a comunidade, com o real, com o aqui e o agora

Como se deu o processo de criação da pintura corporal e qual a sua importância para o trabalho?
A primeira experimentação de Couraça aconteceu em 2013, num formato de ensaio fotográfico. A ideia era me vestir de Touro e posar para fotos em lugares específicos do Centro Histórico de São Luís. Porém, no dia da sessão, fomos surpreendidos por um público que se formou ao redor. Então, ao invés de posar para as fotos, comecei a dançar e interagir com essas pessoas. A pele pintada e o couro bordado no corpo geram um efeito de forte impacto visual e reforçam a riqueza do nosso artesanato, do trabalho feito com fé e devoção pelas mãos do povo. O bordado de Couraça é, assim, como o bordado do Boi: construído com cuidado, rico em detalhes e energia. O processo tem duração de quatro horas. Esse tempo envolve um preparo do corpo e muita paciência. Um ritual artístico minucioso que também faz parte de todo o ato performático. Considero parte desse ritual performativo três etapas: a confecção do couro, a dança do Touro e a morte do Boi (retirada da pele).
Como você enxerga o papel da dança na sociedade atual e o que ela pode mobilizar ou revelar sobre nossos tempos?
A dança para mim é um símbolo de resistência da arte: percorre fronteiras, atravessa os tempos, marca o registro historiográfico do corpo. Considero a dança como um rico patrimônio de memórias vivas a serem preservadas.

A herança ancestral do Maranhão é o ponto de partida para esta performance em trânsito de Leônidas Portella. Trazendo o Bumba Meu Boi como uma aparição na paisagem urbana, a obra remete à lenda do Touro Encantado, na qual um grande touro negro percorre as dunas dos Lençóis Maranhenses com uma estrela dourada na testa, que, ao ser atingida, desperta o rei Dom Sebastião e a prosperidade de seu reino. O performer, acompanhado por músicos que entoam cantos populares, funde em seu corpo, minuciosamente pintado, o Boi e o brincante que o anima – chamado de miolo. Criado durante a pandemia de covid-19, o trabalho expõe o registro vivo de um corpo após experimentar o isolamento. Ao fazer isso, desencadeia uma poética sobre a cura e a abertura de caminhos, nos levando a pensar sobre vidas, mortes, passagens, ciclos e trocas de pele sob o prisma do movimento e da resistência da encantaria maranhense.
Couraça [Armor]mergers the miolo (the reveler who gives life to the Boi) with the Boi (an animated element). How is this combination articulated and expressed in the body?
The body takes on a new meaning and, symbolically, tells the story of a people and their beliefs, inside and out. On the outside, everything that can be seen and observed aesthetically: the traffic, the handicrafts, the city. On the inside, everything that can be felt: the subjectivity, the trance, the faith, the resistance of this people. By merging these elements, the body generates different meanings, also taking us to the imaginary and legendary universe of Maranhão and its encantarias. There is a legend of an Enchanted Bull that roams the dunes of Lençóis Maranhenses with a star on its forehead, which, when hit, awakens King Sebastian and the prosperity of his kingdom. Inevitably, Couraça [Armor] is also the embodiment of this Enchanted Bull that roams the cities through which it passes. The work casts a glance at possibilities for creation, at new ways of disseminating the culture of Maranhão, at the expansion of art beyond borders and territories. It also shows that, in our cultural expressions, play includes presence, the connection of the body with the community, with the real, with the here and now. Play is a device that anchors us in the world, makes us think about who we are, our existence, the exchange of experiences, and coexistence among differences.
In our cultural expressions, play includes presence, the connection of the body with the community, with the real, with the here and now

How did the process of creating body painting come about and how important is it to your work?
The first experiment with Couraça [Armor] took place in 2013, in the form of a photo shoot. The idea was to dress up as a Bull and pose for photos in specific locations in the historic center of São Luís. However, on the day of the shoot, we were surprised by a crowd that gathered around us. So instead of posing for photos, I started dancing and interacting with these people. The painted skin and embroidered leather on my body create a strong visual impact and reinforce the richness of our craftsmanship, the work done with faith and devotion by the hands of the people. The embroidery of Couraça [Armor] is, thus, like the embroidery of the Boi: carefully constructed, rich in detail and energy. The process takes four hours. This time involves preparing the body and a lot of patience. It is a meticulous artistic ritual that is also part of the entire performance. I consider three stages to be part of this performative ritual: the making of the leather, the dance of the Bull, and the death of the Boi (removal of the skin).
How do you see the role of dance in today’s society and what can it mobilize or reveal about our times?
For me, dance is a symbol of resistance in art: it crosses borders and time, marking the historiographical record of the body. I consider dance to be a rich heritage of living memories to be preserved.
The ancestral heritage of Maranhão is the starting point for this touring performance by Leônidas Portella. Featuring Bumba Meu Boi as an apparition in the urban landscape, the show refers to the legend of the Enchanted Bull, in which a large black bull roams the dunes of Lençóis Maranhenses with a golden star on its forehead, which, when struck, awakens King Sebastian and brings prosperity to his kingdom. The performer, accompanied by musicians playing folk songs, merges the Boi and the reveler who gives life to it — called miolo, or the core — into his meticulously painted body. Created during the COVID-19 pandemic, the piece exposes the living record of a body after experiencing isolation. In doing so, it triggers a poetics about healing and opening paths, leading us to think about lives, deaths, passages, cycles, and skin changes through the prism of movement and resistance in the enchanted world of Maranhão encantaria.
Confira a entrevista com com DJ Michell.
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.